sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Saudações



Saúdo-Vos Amigos de todos os tempos, amigos de um tempo que não cesse nunca, para que não me sinta só mais uma pessoa a caminhar descalça.

Caminho mas num andar brando quase inanimada, sem força nas pernas , nem a força necessária no corpo, para poder avançar.


Esforço-me mas não sei como chegar, sem pisar as mesmas pegadas que já foram varridas pelo tempo há tanto tempo.


Amigos que me vêm sem me saberem de outro lugar, que não o das palavras que escrevo, vêm além delas mesmas, ou então, além de mim neste plano onde o abandono se fez lugar e o esquecimento se fez pesar na minha mente.


Tento alcançar a longevidade, doação desde todos os tempos mas não sei onde me encontrar.


Tento lembrar todos os eventos que tiveram lugar, num outro lugar e não alcanço esse lugar


Porque nada me diz nada, não sei como conseguir chegar.


De que vale ter olhos e não ver, ter pernas e não andar, ter corpo e não se saber movimentar,ter os sentidos todos, e não saber como usufruir dessa dádiva de todos os tempos.


Tenho medo de cair, e caio tantas vezes quantas as que me fizeram chegar.


Tenho medo de andar e ando tantas vezes quantas as que me fizeram partir.


Só sinto medo:

medo de perder o andar

medo de perder a fala

medo de perder a visão

medo de perder a sensibilidade necessária para o prazer desmedido que me faz ser ainda alguém, pronto para aceitar a vida e tudo o que quiser ser, ou não ser, mesmo sem conseguir caminhar.


Saúdo-Vos amigos

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Auroras Boreais






Gostava de poder acordar
A cada manhã
E falar-te de luas novas
Que nasceram
Durante a noite
Para que o teu renascer
Fosse leve como a brisa
E o teu despertar
Auroras boreais
Nascidas no meu olhar

Simples e concreto
Como um sonho
De onde saí ainda agora
Quando abri os olhos
E te vi aí sentado
À espera de novos horizontes
Num olhar novo

Sentir leve



Se a vida me quer
Porque não hei-de eu ficar
Do lado de cá
A sentir só, um sentir leve
Como se a vida fosse
A primavera a brincar
E o inverno a lembrar
A ternura que o verão
Deixa ao passar?

E áureo o Outono
A respirar







(Foto - Serra de Montemuro)

Ode




vadia é a noite
sem caminho
nem assento

a sapiência
é a medida exacta
que desvanece a fé

a matriz
cruza-se
no infinito
sem crença

angustia-me
não ver
não ouvir
não sentir
não distinguir
o emergir
esventrado
num corpo

assusta-me o silêncio
o pensamento sufoca-me
molesta-me esse
som perturbador

apartada é a alma
que não ouve a ode

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Se eu fosse só eu





Se as minhas dúvidas caíssem


Sobre os fardos de palha


Onde me deito


Quando na terra


Visito os altares de renome


E m’encontro


No meio de todas as lutas


E de todos os pontos


Que me fazem acabar


No meio da escuridão


*


Se as minhas raízes


Continuassem a descer


Sobre o ventre da terra


E quisessem saber


Das dores de um parto


A colher o sémen


De todas as colheitas


*


Se eu fosse só eu


Nada me faria largar


O meu eco antigo


A rasgar


As entranhas cristalizadas
Das cavernas


Onde guardo os olhos


*


Se eu fosse


Uma gota disseminada
A cair-te do alto


Pranto onde se guardam


As dores alheias


Estaríamos os dois


A furar as portas blindadas


De um céu que cedeu


E se fez horizonte


Nas nossas madrugadas


»


(2010)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Eras





O tempo escorre
Como o leito
De um rio
Corre para a foz

Indefinição
Que mede
Um espaço
e

O renega
Fraco espírito pedinte
A passar pela
Nova Era
Na espera

Refinado lugar das águas
Atroz
Veloz
Perdido
Sem voz
A finar-se

Nas correntes prenhes
Dos detritos
Graníticos da serra
Que já não ouve
O uivo do vento
Nem o sente
Senhor
e
Rei

O tempo
É cicatriz
Em ardósia protectora
De um telhado tosco
Assente em barrotes
De madeira de lei

Feito
Ou contrafeito
Movimento interno
Alimentando o tempo
Da mudança
Cravado

e
Estancado
Nos medos grotescos
Nos feitos gigantescos
De todos os tempos
Que eu simplesmente
Não guardei

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Nevoeiro





O ruído é um surto
Mas as vozes abafadas
Na densa neblina
Trazem a misteriosa manhã
A esta cidade ensandecida
Onde os corpos
Se afogam
E rogam
Por mais uma noite muda
Nas avenidas mortificadas
Onde as gentes se perdem
E os amores se consomem

É esta a forma exacta
De um dia que chega
E com ela ainda a noite
Calada e sufocada

Parafraseando o medo
Em frases curtas
A alma não respira
Nem inspira
Os silêncios guardados
Numa manhã fria
Essa lâmina
A cortar o pensamento
Em bocados

Será mulher de antes
De agora
Ou será antes
Uma para depois
Do último adeus
Quando a noite cair
E o nevoeiro partir ?

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pensamento Invulgar

Enquanto me sei num ponto de um pensamento vulgar
Um acontecimento vibra como vibram todos
Os pensamentos que saem do seu devido lugar

Pressinto que já fui uma coisa qualquer
Nem que seja só um pensamento
Sobre algo indefinido a viajar
No espaço ocupado por todas
As células desorganizadas
Na elaboração de uma catedral imensa
Onde se guardam todos os santos
E todas cruzes da santa fé

Fé em mim, que me pressinto e sinto
Enquanto as pedras tumulares caem
E os altares se retraem
Na reconstrução de novos horizontes
Aos mais incrédulos

Em série, vão os pensamentos
Sendo uns e outros
Uma coisa a sobrepor-se a outra coisa
Vulgarizando e destruindo
Todas as coisas

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Vão-se os Modos, Esvai-se o Tempo




Dominadora da montanha
A sacudir as correntes mornas do rio
Rodopiando num frenesi inovador
É a mestria do vento
Usurpador do sol
E libertador de todas as forças estranhas
Em cada alvoroço da noite

Aguarda-se pelo rejuvenescer dos montes
Em cada amanhecer dos pinheiros
Enquanto as pinhas se soltam desregradas
E em queda livre
Apaziguada pelo tinir fresco da brisa matutina
A embaciar as vidraças ainda fechadas
Das casas dos romeiros
E dos pregoeiros
E até dos lamaceiros

As horas acasalaram já com os segundos
E os relógios não sabem quando é a hora
De rodar os ponteiros
Neste ermo coberto de musgo
Pela humidade crescente
E assente em cada morro esburacado

Vão-se todos de uma vez
Mas ficam as marcas
De uma lufada de ar fresco, talvez
A suavizar os gestos
Que de enxada na mão
Arremessam nas tumbas dos mais sacrificados
Com golpe de mestre
Os acervos
Mutilando os servos
E os almocreves, da dita plebe
Ainda sem motivação para rezar
Unificando os tempos das ditas temperanças

Vão-se os modos
Esvai-se o tempo em que se entrelaçavam
As contas do rosário
Na dureza da carne
Que enchia os dedos todos de uma só vez

Vai-se o tempo em que se castigava o chão
Com pegadas do homem a caminhar descalço
Com desembaraço
Mas esgaço

Eu em Ti

Sinto a garganta seca, árida e ofegante

Como quem deseja um copo de água fria

Num deserto abrasador



Reparo na imagem imaculada

Faraónica e predadora do desejo voraz

Sanguinário do teu corpo

Fico fria, impávida e serena



Carne despida, mergulhada em suor incolor

Palpitante a serva do prazer carnal

Lúcida, atenta e pronta para o amor

Mas o coração fraco em batimento irregular



Amor eleva-me ao bradar de um salmo

Navega comigo na cauda de um cometa azul

Vai…leva este ser a viajar

Coloca-me na almofada do teu leito

E ajuda-me a não acordar do sonho

De mulher fonte do mundo sem fim



Energia do prazer invade o meu jardim!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Dor

(foto DM Serra de Montemuro)



Rosto cálido
Mas deformado
Pelas agruras
Dum tempo
Sem tempo

Face nua
Marcada
No espelho
Pelo infortúnio
Cicatrizada
Pela corrente
De uma lágrima
De esperança

(Tempo
Dá-me tempos
De incenso)

Alvura da montanha
Mágica, peregrina
Do seu tempo

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Acordar da Manhã

(foto: DM)

Inconsciente mas ciente
É o tempo
Em que se abrirão as portas do futuro

(Varre-se-me da memória o espaço sagrado)

Descrente…mente
Porque não sente
Negligente… consente
Mas não se sabe gente
Vagabunda…esvai-se em pó

Visionária do mundo
E crematória de um espaço nu
Santificado lugar onde a alma repousa
E nunca fica só

Selados os passos mas desnorteados pela estrada
Sortilégios são esses momentos cárceres
Nos horizontes perdidos dos meus olhos
Por todas as horas passadas
E por todos os dias transformados
Em mediáticas figuras
Sombras de um mundo
Configurações obtusas à roda do imaginar fortuito
A remendar o sonho

(Fragmentos transformados em fantasias reais)

Esse descuido meu
Que me persegue enquanto cega
Por corredores sombrios
Esse nevoeiro a atafulhar o silêncio que me circunda
Essa consciência acabrunhada
Por não saber de criteriosos saberes
Esse caminho onde me principio que desconheço
É onde me leva ao encontro do latejar
De todas as partes densas do meu corpo

Realidade presente a encher bolhas de ar
No longínquo espaço
Sumindo-se na atmosfera consistente
Onde o pensar é improviso e enganador

O nevoeiro cai
O dia renega a noite
A mente aconchega-se e reparte a sua parte
A névoa que se esvai
Enquanto o corpo sustenta as novas partículas
Com o sempre novo
Acordar da manhã

Extraviados

(foto: DM)


Lembro do tempo em que parti
Das ausências e das presenças
Das semelhanças dos rostos mediáticos
Dos farrapos vestindo a magreza ainda acesa
Por todos os donos do chão que eu pisava

(Magros os gestos no amanho
Da imensa e colorida terra firme
Acusada de desleixo
Pelo abandono dos seus antepassados)

Estranha forma essa que a sustenta
Alma errante num espaço inócuo
A fome alimentava-se no seu corpo
Etéreo círculo consumido pelo fogo

São braços que se erguem
Em nome de ideais esquecidos
Mas lembrados por todos
Os entes queridos que tombaram
No mesmo espaço
Ocupado que foi, mas desertor
Na copa de uma árvore que fita o céu
E arranha o ar com os galhos já secos

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A poesia de AnaMar



Dor(ida)






Dói-me o cabelo
(não a cabeça)
mas o cabelo que cai sem ser Outono
chuva em meadas de fios (a)dourados pelo tempo
que os teus dedos já não penteiam
em suaves sobressaltos embaraçados pelo vento
cabelos livres
cabelos lisos, tão lisos
searas de trigo amadurecidas pelo teu beijo (a)guardado
rios de luz que o sol reflecte
águas revoltas no amar de corpos
cabelos meus e teus em toques de almas
cabelos que se perdem no tempo
em que as carícias
escasseiam
escorregam
pelos cabelos alinhados
finos
ralos
penteio-me no outro lado do espelho
onde
permanecem inquebráveis
os cabelos
com que te revolvo os dedos
as mãos
o olhar
o corpo até ao coração.
Sorrio aos fios dourados
com que teço gestos
de sim (n)em não.

*******************


AnaMar (pseudónimo)

O livro esperado (de AnaMar)



Um convite para todos. Conhecidos, desconhecidos. O livro esperado, de Anamar, é já, Sábado, 26 Novembro, 15h00, Palácio Belmonte, em Lisboa, a sua apresentação

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Mar adentro

(Foto: DM)


Enquanto espero pela recaída do meu corpo
Vou caindo nos teus braços
Deixando que m’embales nesse mar que é teu
E me leves a viajar rumo a novas descobertas

Já nada impede este meu canto
Enquanto musa adentro do mar alto
Sabendo de todas as viagens consentidas
Mas não sentidas
Num corpo que esmorece
Enquanto a lua não acontece
Também ela nos meus braços

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sendo Livre o Sonho



(foto: DM)



A ave que se esgueira pelo telhado
Em busca de alguns pingos de chuva
Que restaram da noite
Mata a sede e remedeia o seu corpo frágil
Para início de mais um pico migratório

Mistérios guardados debaixo das suas asas
Até à próxima estação
E eu aqui a tentar descodificar um som
Que se ouve agora no alçapão

Será um sonho? Uma visão?
Ou simplesmente uma ave
A tentar assimilar todas as formas
De como saber voar ?

Sendo livre o sonho, sonha quem quer

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Periferias

(Escultura: Ricardo Kersting)




Como é bom saber-te
Nessa periferia
Do ir e voltar
Um jeito multiforme
Sabedor das formas
Humanizando e retratando
Numa rotação única
Mas contida
Nas fases da lua

Esse Universo das cores
Hemisfério alegórico
Onde mestre, se é
Ou simplesmente alma
Em busca da província
Das mil cores

Como é bom conhecer-te
Alegria por seres vida
A recriar novos modos
Olhares eruditos
Explícitos na unicidade do Ser

Essa certeza que tens
Esse dom que reténs
Na pedra talhada
Pelas tuas mãos
Quando de lá
Se soltam os sons
De outros tempos medievais

Como é bom sentir-te
O epicentro da tua vontade
Um querer profundo
A emergir do centro
Onde nasceu um dom
A abrir novos portais
Dos templos ancestrais

Esse movimento interno
A devorar as trevas
Dum saber externo
Simulacros, artefactos
Estética e ética
Melodias em serigrafias
Desejos a crescer nas furnas
Quando ainda há telas em branco
Nas pupilas dos meus olhos

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Gaivota

Enternecedora fonte de energia que me envolve. Belo é o ocaso, alaranjado, deslumbrador a entrar pela retina do meu olhar enquanto fumo um cigarro. Ao fundo da praia, junto à rebentação das ondas num baloiçar quase sincronizado, saltitando nos salpicos da maré, uma silhueta rasga o ar que respiro neste fim de tarde, através do seu andar cativante e belo.



Acendo mais um cigarro, fecho os olhos e mergulho no som atabalhoado a irromper por instantes o silêncio onde me isolo. As pestanas estão imobilizadas sob as pálpebras fechadas, o meu meditar é contínuo ao baloiçar do pensamento duvidoso, atormentado e trancado.



Nisto como em forma de braço estendido um raio de luz, rogando…(Agradeço à força motriz, por elevar a minha mente a um novo estado).



- Dás-me um cigarro?



Este som arrepiante liberta num frenesim insaciável todo o meu ego, enquanto o coração bate a um ritmo descompassado, e as ideias se aglutinam numa orgia de sacrilégios carnais.

Em transe

(foto: DM)



Ao centro de uma ara, jaz um corpo sem rumo:
sofrido, esquelético, de tez corroída por canais de um tempo sem fim

Nos seus sonhos voam anjos em espirais, montados nos seus unicórnios alados

O céu é de um tom anil e enternecedor – mortalha que o limpará de todos os males do mundo.

Desperta-o uma dor lancinante
O seu coração trespassado por uma seta com ponta de diamante e resplandecente inundando as cores do arco-íris.

Em transe, ergue-se o seu corpo e ouve-se a sua voz:
- Também sou pó

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O lugar dos eleitos


Existe o lugar dos eleitos, onde te coloco e te elejo o sabedor de todas as minhas formas obscuras e sem sentido, de todo o meu jeito que te arrasa enquanto ser. Todos os outros se sentaram ao meu lado e não me souberam sentir nem me souberam mostrar o seu jeito e que por forças adversas não se conseguiram reerguer, tentando levar-me para um espaço que tento abandonar há muito - o lugar dos mortos.

Existe agora um novo ser, um ser que tem medo até de ser, pelo que sentiu e viveu no lugar dos eleitos. Saberão eles continuar o caminho e dizerem-se mestres de todas as formas que lhe foram dadas e relatadas até ao mais ínfimo pormenor? Saberão eles que o meu lugar foi só um espaço ocupado por todas as formas que se diziam disformes, para que se pudessem desenterrar todos os pontos negros que se foram amontoando até à conclusão de um processo que se diz agora morto mas que ainda não foi liberto para se poder processar de novo?

Existe sim o medo, um calafrio na espinha, um desmembrar de um corpo que se remete de novo ao isolamento, enquanto a alma parte em busca de todos os seres e quer encontrar o teu lado lunar, o espaço onde guardas todas as memórias de uma vida que se quis mostrar, que se quis sentar a teu lado para que lhe desses novas formas. Este será sempre um modo único de ser um ser em movimento, enquanto a lua se movimenta para dar nova luz à noite que me acolhe, enquanto não chegas.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Aspe(n)





Aspen ,fonte de pureza
Da luz, do amor, do humanismo
Porque me deixas morrer
Cingida num humilde pano de linho
Envolto em ti
Palrando como criança de berço inocente
Que só quer Amor?


Aspen quero acreditar!
Porque me deixas em sofrimento
Agonizante e solitária
Esforço pleno de dor
Para acreditar em ti?


Este corpo empobrecido
Semi-despido
Apodrecendo
Transformando-se
Na aridez da mente
Seco, ressequido
Toscamente se destruindo
Num deserto de cinzas


Aspen, acende uma vela!
Mostra-me o caminho
Perdi-me nas trevas
Da impunidade
Nos desígnios
Do egoísmo
Autoritarismo mesquinho
Vil e satânico


Aspen preciso acreditar!
Preciso da tua força
Para que nos unifiquemos
E sejamos UNUN

Ser Um ser

Revolta-me ser um ser
Um ser pequeno e medonho
Ser um ser
Náufrago num mar qualquer
Revolta-me ser um ser
Um ser racional, racionalizando tudo
Quando o outro, o irracional resolve irromper
E até me dizer:
- Tu que me trais e me deixas louco e me trazes dor
Deixa-me num lugar qualquer
Onde os corvos também têm voz

Revolta-me rebolar nas palavras todas
Ser só uma voz que fala de todos os seres que rasgam os céus
(As escritas, as inscritas, as malditas, as paridas, as nascidas num pomar qualquer)

Alienados são todos os frutos que saciam a fome de todos os corvo
Essses loucos varridos dos céus, excomungados por um deus menor

Deusa sou eu em todos os quadrantes do meu universo
Este universo que me tem, enquanto Deus não me sabe

Ele não me conhece, porque povoam os céus, todos os corvos
Enquanto não se projectam em queda livre
Para se ajoelharem no chão
Essa fome negra que os conduz ao ventre de um deus qualquer

Deus não sabe que os voos dos corvos semeiam prantos
E deixam caídas no chão, as sementes para o último dos banquetes
Que venha então para o banquete final…
Deusa sou eu!

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Mar Nostrum




Mar alto
Mar de todas as cores
Mar calmo
Agitado
Amigo
Tenebroso

Mar que me habita
Ondas que s’ enrolam
E formam
Castelos de espuma branca
Da cor da tua pele

Ondas de um mar
Que vêm e vão
M’ envolvem
Nos teus braços
Feitos mantas de lã
Quentes
Reconfortantes
Meigas
Carinhosas
Palpitantes
e
Ofegantes

Mar que m’ abraça
M’enlaça
Nas suas marés calmas
E deambulantes
Mar que m’ afoga
Me mata com seus beijos
Gritos de dor

Fonte da minha energia
Mar do mundo
Mar Nostrum
Mar...

****************

Foto D.M.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Ocaso







Terra que me deste o ser
Que m’elevas
Ao pico da minha existência
Que me dás tudo
E me tiras
Terra que te destruo
E consegues te reerguer





Terra que sabes
O quanto te magoo-o
Destruindo-te
E és corajosa
e
Sábia

Terra que consegues
Renascer das cinzas
Da mesquinhez
De seres porosos
Que te renovas
E m' inovas
E me vais transformando
Do teu jeito

Terra eu te liberto
Porque és
Sincera
Robusta
Misteriosa
Leal
e
Bela

Terra que um dia me levarás
A passear junto das estrelas
Perdoa !

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Enquanto os grilos cantam nos jardins





De que adianta encontrar nas palavras:
os gestos
as cores
os cheiros
as formas
as caricaturas
os mediatismos
os formalismos
e todos os vocábulos que existem para as diferenciar umas das outras
se muitas delas me apresentam silhuetas vazias
a rodopiar num frenesi encapotado
de grinaldas de várias cores?

(Um céu sem cor
a encher-me de todo os predicados
e eu nem sei como ordená-los um a um…
Talvez seja a forma única a encher num frasco de vidro
e transformá-lo em forma de lente de aumento)

De que adianta servir-me delas, para te dizer quem sou
de onde vim ou para onde quero ir
se nem eu sei…nem eu sei como acabar-me no meio delas

Não, não sei que faço com elas, quando se apresentam carregadas de dor
Não, não sei que faço com elas, as palavras soltas a encherem um mar de sonhos
Essa ilusão a criar efeitos especiais parafraseando os momentos de cada cor
ou dando nova cor e movimento a cada palavra

Essa loucura que se colhe logo pela manhã
enquanto os pássaros cantam nas copas das árvores uma canção
a embalar os sentidos todos

Não, não sei como me apresentar a elas
pois se nem elas entendem este meu jeito atarefado
logo pela manhã

Prefiro a noite
a noite que me aconselha enquanto os grilos cantam nos jardins
e a minha voz se remete ao silêncio
aquele silêncio que me acusa de não passar de “fala barato”
uma coisa a adornar outra coisa

Será um dado adquirido
este que me diz que a noite é um composto de todas as palavras
que absorvo durante o dia
para as transformar em sonhos
sonhos a camuflar as cores de um dia…um dia perdido


************************************************


(foto: DM)

Odor das Palavras

( Foto: São Gonçalves, uma amiga e poeta)



“Se souberes , aspira o odor das palavras e sente a paz que nasce no tempo dos silêncios “ (Sao Gonçalves)


Odor das Palavras

Se todas as palavras nos amaciassem a dor com aquele aroma que as caracteriza, enquanto palavras sentidas, aquele sentido único a domar todos os sentidos e a admoestar todas as vicissitudes que nos levam por vezes a sair de órbita, todos os silêncios teriam a paz que os nossos sentidos merecem. No entanto, há palavras que são ruídos a mais para os meus ouvidos, e há silêncios que trazem com eles todas as palavras sentidas e amadurecidas pelo tempo (…)
- Quero que todas elas me digam a verdade e não me sigam a vontade.
- Quero que todas elas me saciam esta minha vontade de viajar por elas e com elas por todos sentidos únicos.
- Quero-as assim frescas como a água que bebo pela manhã - este liquido transparente a limpar-me os pontos negros pelas poeiras acumuladas ao longo do dia e são nada mais do que sombras a vaguear na noite.
- Quero-as todas como quem quer seguir-lhe os trilhos e saltitar de pedra em pedra pelos montes em busca de rosmaninho – esse perfume que abunda nos mais altos cumes, onde todos querem ir mas poucos conseguem sentir, cheirar, ou ceifar esse aroma quente que brota da terra e sacia todos os montes possíveis, aqueles que nossos olhos vêm e os nossos braços alcançam.
- Quero-as todas a cantar pela manhã, um hino a todos os feitores de palavras – não aqueles que as usam para de seguida caírem no desuso da sua própria palavra, mas todos os bem aventurados que as têm porque sempre foram aventureiros na descoberta do seu próprio mundo, onde as palavras são um meio para chegarem a todos os sentidos obscuros que os movem num sentido único.

Se todas as palavras me conduzissem por caminhos novos e me mostrassem que há muito mais além do seu sentido único…
Sinto-as assim, tal vibração a inundar-me os sentidos todos; os únicos e os compostos de todas as matérias gordas que se entregam ao regime de emagrecimento por nada, principalmente se esse nada for uma substância anafada a engrossar todas as letras, para depois caírem em desuso por serem só matéria orgânica e nada mais.

ÔNIX – Dolores Marques

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

(Escultura de Ricardo Kersting)



Na esperança de encontrar algo que me diga onde e como chegar lá!

È lá o sitio onde vou morar por tempo indefinido
É lá o sítio onde me irei encontrar, mas enquanto isso desespero, numa espera vã
Mas o tempo já não me espera e eu sou só a esperança que este tempo não termine, que este enigma se transforme em algo mais definível que me transforme e me leve ao ponto mais alto onde se dão todos os encontros…..lá!

Na esperança de me encontrar, encontro em todos os tempos um modo de encurtar o meu próprio tempo
Este tempo que me marca
Este tempo que me encolhe no fundo de um baú onde guardo todas as memórias
Este tempo que arrasta o vento
Este tempo que faz transbordar as correntes de todos os rios
Este tempo que colhe todos os frutos
Este tempo que m’engana
Este tempo que simplesmente me faz perecer em noites de temporal
Este tempo que entra nos meus sonhos e me afronta enquanto durmo
- Ouves, sentes, imaginas, ou simplesmente te limitas a correr contra o tempo?

E eu acordo sempre com uma nova esperança que me diga onde e como chegar lá

Ao fim do tempo!

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Tempo

Tudo tem um tempo
E todo o tempo encerra a sua verdade
Quando me tem
No amor
Na dor
Na alegria
E na vontade de estar ao lado do tempo

(Tão simples e tão complexo
Até na forma humilde que o próprio sentimento transmite)

Não é o meu tempo
Mas sim aquele que eu sei que ainda não chegou
Para me falar do mundo que o conquistou

Não sou mais nada além do que o tempo me dá

Utópicos sentimentos



Que amor é esse que maltrata, subjuga reduzindo o outro a pó?
- Que má formação
- Que má orientação
- Que maléficos gestos que sobrevivem não só das pegadas que deixam no pó, mas de todas as partículas existentes no pó do caminho e não lhes sabem:
- Nem a cor
- Nem a forma
- Nem a ordem vigente

Sei de uma viagem que não termina
Sei de utopias que mais não são do que a vontade não assumida de sermos verdadeiramente nós
Sei de uma longa jornada que tem como ponto de partida o AMOR, quando nos consentirmos ser a única verdade a formatar um sentimento que se iguala ao Ser, e ser só unicamente o AMOR

Simplicidade

Os enganos existem...


e a simplicidade anda muitas vezes de mãos dadas com os equívocos....


a vida é feita de gestos simples mas nem sempre a simplicidade é simples...

Variações do tempo

Espero que o tempo acelere a nossa vontade de mudança e que ela se faça como é costume, através da mesma fonte onde bebemos a certeza de sermos a própria mudança a mudar toda a aceleração do tempo. Se ele se virar contra a minha vontade de ser eu sentindo que há mudanças que precisam de ser varridas pelo próprio tempo, então ao cair nas armadilhas que ele próprio cria, sujeito-me a ser só uma pequena fracção de um momento. Já não sei como partir sem me imiscuir nas verdades que se ouvem com o passar do tempo, só sei que ao sair para a rua, sujeito-me a ser mais do que a verdade dos meus olhos ao focarem com maior nitidez todas as mudanças a acontecer ao mesmo tempo.

Este figura que crio sendo só a minha verdade, não passa de uma abstracção quando tento e não consigo criar nada de novo. Espero pelo nascer do sol para que ao esquentar-me o corpo me molde uma nova personagem ao encontro de um momento figurativo mais real. Há figuras que se escondem na verdade enigmática de todas as estrelas que também morrem com o tempo. Já lhe soube as cores e os tons e até os sons que emitem na noite sempre que as olho de longe, mas não sei como vivem nos meus olhos sempre que se trancam para mais um voo na direcção de todos os momentos em que o tempo cai.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Flor de Lotus




Imaginar ou simplesmente
Deixar-se levar pelos atalhos
Onde se descobrem
Novos movimentos
Esteticamente imperfeitos
Ou eticamente dignos
De uma figuração
Que caiba nos olhos todos
E saiba onde encontrar um dom
Que se sabe a equilibrar a força
Onde residem todas
As vontades do mundo

Simples e concreta
Discreta, até na metamorfose
De uma simples flor
A força deixa de ser obsoleta
Quando se encontra a génese
E se coloca a alma a criar
E recriar novos mundos
E ainda outros fundos

È saber sentir como uma flor
Um bom compositor
Que ao deixar cair as pétalas
Nas suas mãos
Aguarda pelo doce embalar
Sequência de cores e luzes
A embelezar todos os quadrantes
De um Universo composto
Que também é verso e reverso
No seu caminhar

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Vida Sobre Vida


(Foto: DM - Rio Paiva)


Quando os meus olhos se fecharem e a minha voz se não ouvir
saberás como e onde me procurar
Revisita outros mundos internos e faz do teu templo um lugar para eu te encontrar

Não chores! Não sofras!
Não grites pelo meu nome, mas pela história que se fez vida enquanto ser vivendo em ti

(Há poemas tão frios como a morte de um jasmim.
Lê-os todos mas não faças das palavras um meio para me encontrares
Há palavras que fazem da história uma verdadeira história, mas saberão elas distinguir-me no meio de uma multidão?)
Não faças do meu túmulo um jardim quebrado
mas do meu corpo…um verdadeiro túmulo

Oferece as cinzas que restarem a todas as partículas que povoam ainda os jardins
Avulta com elas as ondas do mar
Alimenta com elas as correntes mornas de um rio, mas não deixes de me dizer de ti
Fala-me em pensamento, para que todas as estrelas saibam o meu nome, e através dele, a razão pura e simples da minha existência

(Tão simples como todas as flores que nascem em todos os jardins quebrados
Tão simples como todos os olhares que alcançam um novo céu
Vida sobre vida
Morte que é só morte para conseguir atingir a verdadeira luz)
Por isso,
não faças sepultar o meu corpo junto do breu
não me encolhas na terra fria
vela-me na derradeira noite, mas não me tapes o rosto com um véu, e tranca...
Tranca o meu caixão
Forra-o com um poema nu, ou um verso que sempre me fez ser Poema, e faz...
Faz do meu rosto um ritual pleno onde possa perpetuar um novo olhar

SOU SÓ EU MAIS EU

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Namoro

Se eu pudesse ficar simplesmente a namorar...


Se eu pudesse faria do namoro um acto inocente, enamorando-me...

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Bom dia

Decidi esperar pela madrugada, quando ainda nada se movia nas ruas

Lá fora, ouvia-se um som leve de uma brisa miudinha
Restavam talvez as pétalas das últimas flores que ainda resistem na espera de um Outono morno
As correntes do Tejo, caladas e sufocadas
A espera é um grito, a causa dos aflitos

Lá dentro, ouvia-se um som calado
Restavam as paredes frias em contraste com um corpo quente

Era talvez a verdade nua e crua a desvendar mistérios na noite
Decidi que seria a minha noite, onde me dispo sempre sozinha

A manhã chega silenciosa e cega
Mordi a língua, senti secura na boca mas mesmo assim cantei baixinho
Um silêncio amordaçado que chegou do fim da minha rua
Diz-me sempre bom dia!

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Guia

Amor,

o silêncio é um guia


Ouço vozes quando a minha voz se anula

e simplesmente te espera nos teus silêncios....AMOR

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Porquês


Porquê esta sensação de que já não te basto?


Porque me tens

Tendo os olhos cheios de outros tempos Invernais?


Amor, porque não vês um rio que quer ser mais e mais...


No teu corpo a desaguar

Nos teus olhos a alcançar o mar?

Marés

(imagem google)



e se fossemos todos dar uma volta
à volta do mundo
que é este mundo interno
mas sem cairmos no engodo
de vermos só
o nosso próprio mundo

sei lá…
que mundo é este
esta forma bizarra de olharmos
só de cima para baixo
e não vemos que os baixios
se encontram e desencontram
nas subidas e descidas das marés

maré alta
esta que me leva ao engano
sempre que abro os braços
imaginando-os remos,
remando… remando
contra as marés

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Alma de Palhaço



Movem-se os olhos
Quebra-se o corpo
E curva-se a alma
Perante a plateia
Que ri
E sorri
Mas não sabe
Onde aportar
A sua própria alma

Mas é no palco
De tábuas rasas
Onde cai
Uma lágrima
Que ele sorri
E ri

E são folias
Em rebeldia
E são almas
Em plena euforia
E ele volta
E assume-se
Em reviravolta
Nos traços marcados
Do rosto
Que apenas se limita
E ainda assim, sorri
E ri!

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Azul

(foto; Dolores Marques)



Diz-me que azul é este
Que m’afunda
Num mar que é seu
Diz-me que mundo é este
Que já não sabe
Ser terra à vista
Nem mar, nem rio e nem céu
Num olhar meu

Ego

Já não me inibe a altura
Que tanto me eleva ao alto
Já deixei cair as vertigens
Do cume de um poder imenso
Que me alimenta a fonte de prazer
E satisfaz a fome de um ego
Sedento de todas as imagens
Figurativas do meu EU

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Nomes




Sei que não posso
Decorar os nomes todos
E até que ponto
Me posso diferenciar
De todos os que conheço
Já que os rostos são todos iguais
E os olhos gravitam na noite
Como se fossem bolas de berlindes
A querer seduzir o escuro

Sonho

Há ainda um sonho para sonhar


Se esse mesmo sonho admitir


O estado de vigília


E ir rumo à descoberta


De um amor novo


Um novo amor para se velar

Sei de um tempo


Sei de um tempo que nada havia
A não ser o canto as aves
Serenas, planavam no alto do outeiro
E deixavam marcas do futuro
Tal como se propagam os dias
Em que há cegadas nas planícies
E se deixa escoar o tempo
Das breves histórias
Em que nada há para lá do tempo

domingo, 11 de setembro de 2011

Sol da Manhã

Existe um tempo para o nascer do sol. Chegou ainda agora, lento e cauteloso por detrás das nuvens. Chegou tarde este sol, por ser manhã clara nos meus olhos. Uma manhã como tantas outras em que me canso da noite ao lhe tentar mostrar que o sol é um tempo a querer nascer em todos os poros da minha pele.




Existe um tempo para receber o sol, se esse tempo for a medida exacta num ponto onde me encontro, mas os encontros assemelham-se a pontos que se unem num outro ponto equidistante, e nada me faz entender um tempo que antecede outro tempo, que está prestes a chegar. Acomodo o meu pensamento nas nuvens para contrapor o tempo em que irei voltar a ser eu. Esta minha vontade explícita no meu corpo quando te toco e te sinto como se fosses o sol da manhã. Desejo-te sóbrio, sem que os odores da noite te inibam de me tocares. Dissipam-se as nuvens nas águas do Tejo, clareiam-se as vontades todas que tenho ao me tentar anular por completo, quando sinto esta verdade toda a saltar-me dos olhos, como se fossem raios solares a querer atingir o centro da minha verdade. Nua e crua esta minha fome de ser eu em ti e esta sede de me sentir o centro de todas as vontades do mundo. Livre e inconsequente é a luz que enche os meus medos e os transforma em certezas de ter um bem maior a guardar-me os sentidos todos. Essa maioridade que me afronta e me faz recuar ao tempo em que sabia que nada me faria antever a desgraça de ser varrida por um tempo que já não é tempo para mim, mas para todos os embustes que carrego ao longo do tempo.




Esta claridade que antecede a manhã, é a verdade onde coloco a minha vontade de ser um sol a encher poços sem fundo. Este buraco negro onde afundo a minha verdade, dá-me quase sempre a antevisão de um futuro que não sei, mas que existe enquanto verdade na minha vontade de ser eu e tu, ou tu e eu, seres uniformes e continuados para que o futuro seja só um acontecimento presente. Esta claridade que me faz ser um ser autónomo, é-me indiferente porque não sei ser um acto a acabar a manhã. Este querer ser de uma forma exequível, deixa-me presa à minha própria vontade sempre que me perco nesse buraco para esmiuçar todos os pontos perdidos por não saber ser a mentira enquadrada numa verdade disfarçada.


A verdade é uma só, aquela que me traz sempre o sol todas manhãs, e me mostra as vistas de um buraco negro onde guardei toda a minha vontade de me virar do avesso para renascer como todas as manhãs claras que enchem os meus olhos. Estes são os momentos prenhes da verdade que sou ou da mentira que guardo para voltar a ser eu a querer ver o nascer do sol.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Noite vs Dia

(foto D.M.)



Amor
Deixa-me um pouco de ti
Para me sentir tua
Nas próximas horas
Que irão acabar os dias

Estou prestes
A dar novos coloridos
Às nossas noites

Amor
Não sei
Como inventar
Novas palavras
Para dizer
Que te amo

Por isso, Amor

Eu sou a noite

A deslizar
No teu sono
E tu o dia
A saber-me inteira
No teu corpo

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Nu





Nu…! Na penumbra
O Sol tímido
Mas enamorado
Da inocência
Da manhã
Boicotando a luz
Ainda acesa
Do candeeiro

Nu…!Antes
E depois
Da debandada
Dos pássaros
Presos na gaiola
Espreguiçou-se
Acordando em mim

Corpo cintilante
E nu…
Astro completo
Na dispersão
Dos movimentos
Pelos quatro cantos
Dos meus olhos
Existe ainda

Essa fagulha
Términos da noite
*
(Fonte
Da minha fonte infinita)
*
Nu…! Este pingar
Da chuva
Tal o bando de pássaros
A querer tocar
Nas partes mais íntimas
Da aba dum chapéu preto
Onde o sol se põe
E a noite se achega
Para mais
Um nu…!

Borboletas no Aquário de Mário Massari


Mantinha borboletas

No aquário,

O silêncio a balbuciar-lhe...

Regozijos de naufrágios...


Mas, quando as mãos violáceas

Não pressentiram mais as cores

E a visão turva admitiu guelras na fala,

Ao fio partido, Gritou,

Ah gritou!


Suspensos ao eco

Todos os mares não desbravados!

*

(Do recente livro de Mário Massari - "Borboletas no Aquário"

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Templo

(Foto D.M. - Rio Paiva)




Talvez a difamação seja só um meio de profanar o templo onde guardo todas as lembranças de menina. Talvez seja só uma memória que ficou algures em outro tempo, quando ainda não sabia se tu virias ao meu encontro. Recebo-te como quem recebe um credo, atendendo a que não sei como ficar neste patamar elevado ao surrealismo e idealizado por um olhar triste, porque sempre te sinto ir sem saber se voltas cedo ou tarde neste dia em que me debruço na janela e vejo as águas paradas no Tejo. São elas que me levam quando descanso os olhos nesse leito sossegado. Lembro os dias em que ficava na noite à espera de ouvir um som, um qualquer som que me dissesse onde te poderia encontrar e nada me dizia nada, a não ser um amontoado de vivências soltas, quando em outro rio me deitava e me deixava ficar a ouvir o estalar das pinhas nos pinheiros, até que o sol se fosse. Foi sempre assim este templo; portas abertas para o tudo ou o nada, paredes nuas onde pinto todos os sorrisos, vidraças furadas, estilhaçadas pelo meu olhar novo e deixando-me ficar simplesmente à espera que o sono me leve para algum lugar.

Profana esta melodia que de dia se confunde com os ruídos da tua rua, quando as palavras são só um meio para iniciar a fuga, essa loucura escondida a paredes meias com o medo de serem encontradas, o desejo de serem profanadas até à mais pequena nota onde se inventam outras melodias escondidas. Talvez as palavras se diluam, talvez as crendices se apaguem e provoquem o desfecho duma história que faz do templo um lugar para se encontrar o verdadeiro acreditar nas palavras que merecem ser ouvidas e não profanadas num canto qualquer da tua rua.

Pessoa





Sou assim
Talvez uma só pessoa
Ou várias
Sem nunca saber qual delas
É a minha verdadeira pessoa

Não vês que a crença
Em mim
Sempre foi
Por não me saber
Nem aí
Nem aqui
Nem em lugar nenhum

Há uma imagem
Que vive

Quando me visto de branco
E me olho no espelho

Este reflexo
Partido em fracções
De um momento
Onde encaixo
Os meus olhos
E não nego
Não nego
O que vejo
Em mim
Como pessoa

Sou eu assim
Uma só pessoa
Ou todas as que viste
Enquanto me limitava
Só a ser
Para ti
Pessoa

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Mar

Um mar de estrelas cadentes
Sem ondulações adversas
Para que o meu ondular presente
Sinta a solicitação das águas
A quererem atingir o cais
Sem nada a levar
E nada a trazer

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sol


Vi um sol a nascer por dentro dos teus olhos,
quando sorriste e ficaste a olhar o céu…

(A Primavera é o ponto de partida
O lugar onde nascem novos horizontes nos meus)

Fiquei ali a ver-te sorrir
mas não viste que nos meus olhos
há um novo sol até ao próximo Verão


Saciados os olhares que nascem sem credos nem mitos
que nos façam chegar num porto seguro
e deixar que o sol seja um ponto de encontro

(O lugar onde te sinto)

Novas Viagens



Saber onde ir
Quando os nossos passos
Nos levam a lugares distantes
E os nossos olhos
Se preparam para seguir
Novas viagens
Em versos nus
Onde os poemas são alma
E o corpo
Divina inspiração
Para que não sinta
A dor da partida

Tu




Abandonaste as ruas
E apagaram-se as luzes
Dos candeeiros

Agora só o nevoeiro
Me diz como chegar
E onde aportar
Quando chegar a noite
E com ela
A única estrela
Que conheço

Tu!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Mundos




Numa viagem
Sem fim
Levo-te comigo
No meu sonho
Mostro-te a força
Do vento
No sopé
Da montanha
A desafiar as águas
Onde descanso
Na margem de um rio
Que nunca me trai

Deixo-me embalar
Na corrente
E vou acabar
Como quem termina
A última jornada
E não sabe
Que há fundos
Que esperam
E desesperam
A construir
Novos mundos

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Céu

(Esculturas; Ricardo Kersting)




Os mirantes dos teus olhos
São tornados quentes
A ladear o céu
Ondular doce
No mar que é meu

Distancia tão curta
Que se perde
Em noites de breu
E o meu olhar
A chegar ao teu

O cais é um deserto
Novo horizonte
Que se perdeu
Se não sabe o norte
Desse céu

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Multiplicidade de formas

(foto DM - Serra de Montemuro)



“Em Agosto secam os montes
E em Setembro as fontes”
(Frase Popular dita por minha mãe Deolinda)
*

Se o vento do norte
Vier cedo
Acolhê-lo-ei
Como quem colhe
A brisa que passa sempre
Pela manhã
E me diz que é a hora

O cuco já se mostrou
A cigarra já cantou
As formigas labutam
Sob o sol escaldante
Este roçar ao de leve
Sobre as pedras de xisto

Múltiplas formas
Obtusas, reclusas
Medusas endeusadas
Altivas e desgovernadas
Mostram a derradeira verdade
Nada e criada
No ventre imaculado

Terra agreste
Sapateando a dor
Ventos inclinados
Sobre o dorso
E simplesmente
Feições graníticas
Que serão eternas
No ponto mais alto
Onde a chuva cai
O sol descai

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Um Mundo

(Foto DM - Rio Paiva)



Um ser que me diz do mundo
E de tudo o que ele tem
De mais valioso
É um ser apenas
Com todas as formas
Que lhe dá cor e movimento

Um mundo
Dentro de todos
Os mundos internos
De um saber medonho
De um querer
Sem tamanho
Que me tem

Para Lá do Rio




Foto D.M. - Rio Paiva




A noite caiu
Sobre os meus olhos
Nascente afrodisíaca
Das muitas estrelas
Dizem-me que há vida
A brilhar no escuro
E do muito a descobrir
Para lá do rio
Quando chegar a manhã
Com tudo o que tem de novo
Reafirmando a cor
Do movimento das águas

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Dueto de Mulheres (Declamação e vídeo de Elisabete Luis)






Vida que Acontece



Ser mulher é ser lágrimas caídas
E desabrochar
Como as flores mais destemidas

Sou uma flor de jasmim
Ainda por ser....
Olhos de água em rios estendidos
Um vento que passa breve

Sou nascente que corre desvairada
Ao encontro de todos os rios
E de todos os mares

Transformo-me em maré que amanhece
No areal dourado
E se estilhaça junto ao cais

Sou fonte inatingível do encanto
Que adormece entrelaçado
Em cristais enfeitiçados

A vida que floresce
Em ramos empobrecidos
E em raízes esmigalhadas

Sou a vida que acontece


Dolores Marques



*********


Porque Sou Mulher
Sou saudade dorida sorridente


Sou açúcar que tempera liquido quente em noite fria


Sou conjugação em tempo Presente


Sou a mão estendida que segura o vento que corre embalado contra as montanhas


Sou quem limpa as lágrimas da chuva quando triste e alegra sorrindo dizendo -vai correr tudo bem


Sou a manta quente que todos procuram abraços em tristes momentos e desanimados


Sou a arvore digna e altiva que murmura em surdina - tu és capaz...tu és capaz


Sou o pedaço de cal que ninguém olha... ninguém liga mas quando usado pode desenhar lindos caminhos de saída


Sou leoa destemida e valente para defender quem ama dá a sua própria vida


Sou tudo isto talvez porque sou mulher


*****
Elisabete (LISA)


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Um apontamento sobre o Livro "Ás Escuras Encontro-te" de Giraldoff

(foto de Bom Norte)

Talvez a vida seja uma caminhada
Um passo sobre passos vendados
Um encontro de espaços
Uma espera


“Às escuras, encontro-te”, é um livro íntimo e pessoal, onde o corpo se faz corpo desnudo, entre silêncios e sussurros, entre gritos e preces.
Do ponto de vista formal, encontramos no livro diversos registos: a prosa narrativa, a prosa descritiva, a prosa poética e o verso.
Essa multiplicidade, ao contrário do que pode aparentar, não dificulta a leitura do livro, apenas exigindo que a mesma seja atenta e ponderada, e não dissipa, seguramente, o traço de união que encontramos e que torna o livro um todo encantante.

A obra é uma jornada, pelo interior de uma (belíssima) alma, nas suas angústias, nos seus sonhos, nos seus devaneios, nas suas energias,
Mas também no seu confronto com o mundo.

E, assim, é uma caminhada pelos espaços opostos e convergentes que a/o compõem.
Um espaço de encontro, de desencontro e de espera.

Um dos aspectos mais interessantes do livro, surge-nos de forma invulgar.
A obra é um lugar de intersecção entre o “Eu” e o “Outro”.
Todavia, este “Outro” não é uno e surge-nos em faces multifacetadas:
- O “Outro” que é ainda um “Eu” (um “Outro eu”)
- O “Outro” que é intemporal, é místico, é mito (e assim é espera)
- O “Outro” que existe, seja ele o passado, o presente ou o que, por desconhecido, se anuncia vir a Ser.

E o mesmo se poderia dizer do “Eu” que embora uno (aqui sim) é ainda assim desfragmentado.

É nesses movimentos e intersecções que a sublime sensibilidade de Dolores Marques se revela de forma incontornável e irresistível.

Gostei muito de ler.
Filipe Campos Mello






Esfinges

(foto D.M.)



Este silêncio diz-me tudo
O que preciso saber
As horas não passam
O sono não chega
Chego a ter visões do futuro
Esse destino incerto
Como incertos são os meus passos
Enquanto o passado se esvai
No nevoeiro acabado de chegar

Há uma calma imensa
No povoado das serras
O céu de cor cobre
E o rio a choramingar
A ausência dos raios solares
Cobre-se de luares virgens
A colorir a corrente
Que esmorece
E suavemente adormece

Tenho ainda este olhar baço
A esboçar luas e sóis
Sobre os telhados de xisto
Das casas remexidas
Escombros a remendar
Os pontos negros na noite

As luzes ao longe
São como esfinges
Que não sabem onde ficar
Quando a noite se for
E a madrugada voltar
A ser flor da manhã
A furar as vidraças fechadas
De uma casa vazia
Sem nada que a faça ser
Um único lugar
O ponto de encontro
De um novo amor


Uivo da Noite

(foto. D.M)


Este vento miudinho
A cair na noite
Como todos os sons estranhos
Que ouço neste silêncio oculto

Que se vá enquanto durmo
Para que no final da noite
Eu acorde com novos timbres
A esmiuçar esta melancólica verdade
Onde reside a maior força que conheço

Será ela a fonte
Que matará a minha sede
De o saber ainda inteiro
Nos meus braços

Este uivo
Alegando um saber intrínseco
Ao seu uivar na noite
É como um grito
Que chega sem saber
Como partir
Ao encontro de novas descobertas

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Um nada somente

(imagem Google)



È um nada somente
A encher este mar que me tem
Melodia que m'acolhe
M’alimenta o querer partir
Sem nada a pedir

(Nas serras ouvem-se os ecos esquecidos
De quando éramos somente nós)

Tormenta que me leva
Lá onde o mar é azul
E as algas são verdes
E o horizonte não chega

(Estradas cobertas da poeira
Que meus pés pisavam
Enquanto o sonho

Se diluía no azul dos teus olhos)
*
È só um nada somente
Que m’arrasta para longe
Encaminha as lágrimas
Que desaguam na foz
De um rio demente
Sem afluente
Mas crente
Num nada somente

O fim de nós!

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Viagem


Encontros numa casa vazia
A divagar nas certezas
De um tempo já morto
Quando as luzes se apagam

Tão cheia de nada
Essa dose de loucura
A encher as paredes nuas
Numa viagem nocturna

Expõe-se sem medo
No meio de tanta luxúria
Onde habita uma só imagem
Num fundo inexistente

Ao centro, estão já
Todos os frescos desejos
De uma santidade absurda
A crer na metafísica existente

terça-feira, 26 de julho de 2011

Do outro lado do mundo

(escultura; Ricardo Kersting)


Nem sei quantos anos

Por mim passaram

Ou quantos deixei passar

Porque me deitei na terra húmida

E simplesmente me deliciei

Nas suas extravagâncias

Enquanto menina

A deixar crescer as ervas tenras

E assim fiquei

À espera de uma lufada de ar

Que me levasse ao encontro

Dos rios perdidos

Do outro lado do mundo

Onde as idades são carimbos

Nos meus olhos

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Abandono




(Esculturas; Ricardo Kersting)




Não sei onde me perco
Quando me levanto do chão
E vou sem saber o caminho
Que me irá trazer de volta

Esqueço as horas que passo
A tentar erguer-me de novo
Para te mostrar que há vida
A germinar no meu corpo

Onde deixei os olhos
E porque não agarro o sonho
Que me fará chegar a tempo
De conseguir um novo destino ?

Saudade




Saudades do sol
Que se passeia lá fora
Numa rua sem nome
Numa casa sem tecto
Essa montanha silenciosa
O mar dos aflitos

Em processamento de dados
Empirismo da mesma razão
Que me leva a estar aqui
E não num campo
Onde nasçam as papoilas
Sem sol, chuva e vento

Força de expressão
Expressando a vontade
De ir ao encontro da luz
Qu'alimenta o lado de fora
Enquanto interiormente
Há um universo, onde reina
Esta saudade de ti

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Um todo


Sei que tudo foi em vão
Não tinha a verdade nos meus olhos
Agora que te encontrei, sei de tudo
Um todo a dominar-me a vontade
De me ver nos olhos teus
Como se a minha verdade
Fosse uma só, sem vaidade
Um crer em demasia
Bem-querer, sem mais nada

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Alva Espertina

Mandala de Andradarte
http://andradarte.blogspot.com/



Vem com graça a madrugada
A clarear o meu tempo morto
Sol madrugador
No meu mar de cetim
Alma em chamas
Que m’anima
Tal dimensão d’ Alva espertina
Onde se põem todas as estrelas
Que vêm morrer nos meus olhos

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Se...

Se o tempo marcasse todos os momentos que não pode estar em si, (como se o estar, fosse só isso - estar em si próprio), haveria de haver mais tempo para lembrar todos os caminhos percorridos e ainda por percorrer, até ao verdadeiro encontro com o tempo em que caminhou só...

Espaço....Tempo




Descansa esses olhos
Nos meus
E aviva a tua vontade
De me teres só para ti

Tu que és meu
No tempo da vontade
De todos os povos
E eu sou tua
No tempo da sublimação

Assim seja o além
Um espaço digno
E o aquém
O lugar condigno
Onde se nutrem
Todos os desejos
De continuarmos a ser
Um só!

segunda-feira, 4 de julho de 2011

A Noite

(imagem google)


Fui amante de um sonho
A calibrar um ponto luminoso
Onde o luar se fez corpo e alma
A deambular pelo cerrado da noite

Foi num lugar da terra
Agrupando todas as estrelas
Que fizeram ninho
E amansaram os pirilampos
Nas enseadas

Foram as pálidas noites
Que cirandavam
Nas vidraças quebradas
Onde guardo todos
Os choros requentados
De um dia de verão

Um presente que me é legado
Omitindo ausências
E presenças


Derivados de uma espécie anémica
A unificar todos os momentos
Que tardam na noite

As especiarias avizinham-se
Num mar longínquo
Abrilhantando as ondas bravas
Que vêm morrer numa praia deserta

Foi lá
Que deixei um corpo moribundo
A querer renascer
Nas funduras de um sentimento
Quando o luar consente
E não desmente
A noite