terça-feira, 28 de setembro de 2010

Montanha (de Mário Massari)


O que nos reservam as montanhas?

- a altura das presumidas quedas?
- o desafio do ápice no abraço guarida?

O que caracteriza as montanhas?
- o depósito acumulando eras?
- a erosão progressiva dos dias?

“Os alpinistas acariciam as formas vivas
e as noites cúmplices deslizam
entre abismos suicidas”.

O que nos ensinam as montanhas?

A serenidade na ascensão?
A nobreza na descida?
*
Mário Massari
Engenheiro Agrónomo a viver no Brasil (Sertaozinho)

Livros publicados: Não acordem os pássaros - contos (1994), Achados e guardados - poesias (2002). Beirais - poesias (2007), Arabescos - poesias (2008), Portos, olhares e ausências...- poesias (2009) e Espelhos do Tempo - poesias (2010).



Mário
Gosto de sentir que no cume mais alto está o meu pensamento, ao encontro de todos os outros que partilham comigo a inevitável queda e a indubitável subida.



(acrílico em tela, Dolores Marques)

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Para além do Finito (por Haeremai)




Vivo para além das margens
Que em cada dia em mim morrem
Lagos traiçoeiros e desditosos
Em nevoeiros sepulcrais cobertos

Não me digas para voltar aos caminhos espinhosos
Vivo na terra suicida onde os mortos têm alma
Navegantes do tempo em barcas velejadas
De ventos prementes vindos do nada

Àrvores negras de braços esgrimindo
Correm para ti sugando a seiva impura
Dos medos deste inferno fiquei imune

Caminho muito além em horizontes verticais
Barreiras em janelas dimensionais
Onde o ontem e o amanhã se encontram.

By Beijo Azul

Fátima, esta tua vertente mostrando uma mudança de ordem estrutural, à frente de qualquer barreira dimensional, alongando-te o olhar e permitindo que novas janelas se abram, e te mostrem que há mais, muito mais para além do finito, onde nasce um ponto a tocar o infinito de ti.
Gostei deste teu poema e é um prazer publicar aqui no meu espaço
Dolores Marques

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Tão-somente, só





Sinto-me tão só
Como quando nasci
E não te senti
Um corpo
Com um colo aberto

Queria virar-me ao contrário
Voltar ao ventre materno
E dizer-te
Só...a ti:

- Vem-me visitar
E faz do meu caminho
Um sol nascente
A cobrir-me o corpo todo




A saltitar por entre as memórias
Que me dizem de nós
Eu me contradigo
Nos nomes que invento
E nas horas mortas
Fecho os olhos
E choro baixinho

É este silêncio uma dobra
Num lençol dourado
Onde escrevo
O teu nome
Para que no fim
Me nutras a alma
Já que o corpo
Mata a minha fome
Derrubando muros
E a minha sede
A beber os sonhos
Afogando
Momentos meus e teus
*
(Foto D.M)

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Além dos limites do eu


(Acrílico em tela, Dolores Marques)


Há flores num espaço aberto
Molho com a minha saliva, as pétalas roxas
Cubro com os meus lábios, os caules já avermelhados

Há um lugar ermo, amparo de um sonho distante
Ergo os braços ao encontro de um punho fechado
Há um pensamento abstracto a roçar no sobrado onde me deito
Bajulação de um momento
E eu...figura desenhada nas tábuas polidas pelo tempo

Há nas memórias a antemanhã que me diz - Sim !
Um amontoado de células vivas
Amarrotadas no sótão dos afectos
Que me diz - Não !

A dor contrai-se perante o som agudo, onde o existir é um puro manifesto
Mas há um corpo deitado na acalmia da terra, coalhando o sereno da noite

Sobre o dorso um caminho estreito
Na longitude dos braços, um carreiro oblíquo
Nas pernas, a fortaleza a caminhar para o vazio ainda virgem
No peito, um batimento incerto como um relógio a emendar o tempo
No rosto, as rugas escancarando a única certeza das estátuas caídas
Nos olhos, dois sinais que indicam um olhar a perder-se no escuro

Ali se propaga e se desmembra por todos os quadrantes do seu universo
Ali se entrega ao submundo e se cruza com os fogos que o consomem
E eu, atendendo à nova teoria do pensamento
Escondo-me
Rendo-me aos contrários
Sustento o manto que me cobre a alma

Há no topo da montanha, um sem-fim de terra
Ponto de passagem a um corpo que balança sob as nortadas baixas
Encontros que espelham a dor
Desencontros ameaçadores das fugas por entre dentes
Uma boca que reluz no escuro

(Um quilate de ouro a mais na dentição genuína e demolida na boca do mundo)

Há um sonho que acorda a madrugada
E eu... póstuma constelação à espera de outra marca do tempo:

Que me conte os ossos e me endireite o corpo
Que me remende a sorte, para eu caminhar a Norte
Que me reconte as sobras que ficaram perdidas nos bolsos
E me refaça o meu inverso

E o mar...
Sempre o mar a galgar sobre a terra orvalhada
Sem resistir ao mundo que o fez mar salgado

Tempero dos que falham no ponto
Onde o lusco-fusco se fez vida
Alem dos limites do eu...

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O infinito é mesmo ali

(tela de Paula Rego)

Penso no momento de há pouco, em que acordei com os olhos pregados no tecto e pensei cá para mim; hoje é um dia para viver, ou para esquecer. Entrei no duche e com a água a escorrer-me pelas fuças, dei comigo de olhos fechados.

Novamente a fechá-los, para que o dia adormeça num silêncio molhado. Rodei a cabeça, formando um círculo, e voltei a rodar para o lado contrário, e ali estava desenhado um símbolo que me iria levar pelo dia fora, rumo ao centro onde se cruzam dois círculos. O infinito é mesmo ali, à distância de uma rotação bilateral, e eu aqui de olhos fechados, agora que terminei de rodar a cabeça formando um círculo e logo outro no sentido contrário.

Pensei: Devo estar a sonhar, ou o que é isto agora? Terão colocado algum composto químico na água durante a noite?

A saber destas e de outras simetrias que se vêem de olhos fechados no duche, está um corpo que salta com os pés encharcados e se firma no chão que o há-de suportar durante o dia.

Pensando bem, preferia ainda mantê-lo na posição horizontal. Estou fechada e trancada por dentro e o movimento da rua é um composto de várias formas a rodar em sentido contrário. Para não cair em desuso logo à noite vou dormir encostada à parede.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Novos Rumos


(Acrílico em tela- Dolores Marques in Reiki
SEI-HE-KI - Dragão da proteção.
Mantra: SEIRREKI.
- Significa: Deus e a Humanidade são uma só pessoa.)
*
*
*
Se eu pudesse
Admoestar os oceanos
E voltar com o corpo marcado
E o sol tatuado nos olhos…
Se eu pudesse avivar o olhar
Acentuando o círculo
Decalcando novos rumos
Firmando os meus passos
Ao encontro da tua voz...

Mas de que vale sentir a presença
De uma linguagem fora de tempo
Se a marca deixada nas minhas mãos
É alegoria descontente
Nos cubículos onde os olhos se escondem

Se eu pudesse
Atingir o cabo do infinito
Sempre em tempo marcado
Pelos meus dedos

Desmistificava um mito
Rebuscava um rito
Para que uma nova história
Recontasse sem voz
As memórias emolduradas
Num momento criativo
Onde o futuro é um marco
A separar o tempo

Amanho-me em terras distantes
Que teus pés pisaram
E semeio um novo ponto equidistante
Para que no ir
Encontre um novo equilíbrio
E no vir
Te sinta uma nova linha
A traçar novos encontros comigo

A nova revolução (De Clarisse)

(O livro de poesia de Clarisse Silva)

I
Proibido o despudor no poder
Enraizado e alimentado
Nas cabeças desumanizadas
Em objectos infrutíferos e efémeros.

Proibida a desfaçatez e a mascarada tez
Em obvia falsidade.

Proibida a crença nas imagens humanas
De mentes insanas
Carregadas de moral,
Neste universo perfeito de despeito.

Proibida a proliferação da peste
Que vomita adjectivos e ideais
De sonhos provocados e irreais.

Proibido a audição de gravações
Realizadas em directo
Directamente aos corações.

Proibidas televisões manobradas
Em manipulações internamente forjadas
Em diárias jornadas
Perfumadas de cravos
Transformadas em escravos
No fim da ditadura
E continuação da escravatura.

Que seja proibido
O uso da liberdade
Em abuso da idoneidade…!

Que seja proibido
Gravadores ambulantes
Fingindo-se de pessoas
Se achando importantes!
*
Clarisse em:
http://www.worldartfriends.com/modules/publisher/article.php?storyid=31555

*
Clarisse,
A nova revolução, será sempre aquela que não sendo uma revolução por ser uma transformação, se coaduna com a "Força do SER". Nela se vê o que à luz de um novo olhar se sente, vendo mais além.
A nova revolução está a acontecer neste momento em todos nós, mas que ainda não vislumbramos, que por ser tão intensa, nos boqueia e nos transfere para outras revoluções que já deram tudo o que tinham que dar.
A nova revolução traz um cunho muito nosso, caracterizado pela "Força do SER"
*
Um beijo para ti, Dolores Marques

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Tão-somente eu













Porquê?
Porquê eu
E porque não a noite
Se a vejo tão nítida
Tão brilhante
Tão terna e refrescante
E eu neste retiro
Que me engasga as palavras
E me toma de um jeito tão seu

O céu é um círculo aberto
Visto da minha janela
E eu
Tão-somente eu
Trémula na voz
Que não me diz de mim
Em lugar nenhum

Porquê?
Porquê eu
Neste longínquo espaço
Onde me procuro
E não me encontro
Não sinto os braços
Nem as pernas
E não ouço os meus passos

Os olhos
Tranquei-os por dentro
Deste frenesim
Que me toma de um jeito tão meu

Não me sei perto de um farol
E as luzes são tão intensas na rua
E eu tão alucinadamente, eu
Nas vistas da minha janela

O rio ao fundo, dorme
E eu não sonho
Nem nada que me faça sentir pelo menos
Um nada, somente…

Porquê eu
Se me apego às estrelas caídas
E nem elas me seguem
Neste caminhar contra o tempo

Porquê eu?

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Vultos


(Foto Dolores Marques)


Assegurei-me que te sacudirias
Tão breve quanto a luz que nasce dos teus olhos
E sim, chegaste tão tu
Tão somente virgem e inalterável
E eu, fiquei a ouvir-te
Sentada no morro que me sufocava
Reorganizando-me
E concentrando-me
Nesse sonambulismo grotesco
Nessa masmorra sinuosa
Onde as ideias te sangravam a mente

Galguei muros, e imbui-me de foros novos
Mas não atingiste a verdade dos meus olhos
E caíste do alto
Como pedra acossando os lobos
E abalaste pelos matagais
Adentro de uma imensa conjuntura
Onde os momentos se declinam
Por verem um mundo inteiro a cair no vazio

Por fim assomaste-te o inverso da única certeza
Que há em nós
Militantes de uma guerra há tanto tempo esquecida

Mas eu não me evadi
Queria saber de ti
Entrar no teu círculo
Saber-te na tua fantástica viagem
Aos confins de um mundo
Que já foi teu
E que agora me queres doar
Sem dívidas a cobrar

Confundi as cores dos teus olhos
E não atingi a tua verdade
Aquela que rolava pela tua face rubra
De ódio contido onde os vultos se escondem

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Viagens


(Foto Dolores Marques)


Enquanto os seus pés mediam a distância entre atravessar a rua e ficar por ali mesmo, atravessou-se-lhe na sua direcção, um nome. Era um daqueles nomes que já ninguém ouve e ninguém se lembra que existem a marcar um momento na vida de alguém. A pedra, era tosca, mas deixava que o relevo das letras, ainda sobressaísse aos olhos de quem fizesse paragem por aquela rua. Era uma rua estreita, escura e com um cheiro nauseabundo. Aguarda pelas folhas amarelecidas que sempre fazem ali ponto de passagem, até que as primeiras chuvas do Outono lhes dêem vida e as conduzam a outras ruas.

Pensou, e repensou e nada nem ninguém reparava nele, e todos seguiam o seu destino, e ele com o olhar fixo naquela coluna de pedra branca, que de tantos anos exposta às intempéries, já se tornava difícil distinguir os relevos das letras. Mas mesmo assim, ele não desistia e continuava a tentar decifrar-lhe os contornos, a tentar aperfeiçoar a leitura na tentativa de saber quem gravou ali naquela pedra dura, as letras que foram marco na travessia do tempo. Ali mesmo ao lado, um carro pára. Dele, descem duas mulheres com um passo atabalhoado. Os véus negros que lhe cobrem o rosto, impedem-lhes de decifrar que ali existiu em tempos, uma coluna de pedra com um nome gravado. Voltam a entrar no carro, em busca de algo que se assemelhe aos contornos de uma viagem rumo ao tempo, onde as palavras tinham vida própria e diziam de nós em todas as ruas, em todos os locais, em todos os jardins onde a Primavera se despede com alguns traços contornáveis do Outono.

É este o momento exacto em que lembra do nome que tem dado vida àquela rua. Atravessa-a para o outro lado e desce pela linha do eléctrico e instantes depois ouve-se o eco dos seus passos no chão do Martinho da Arcada. Bebe um café quente e atravessa a praça em direcção ao rio. Senta-se a olhar as correntes que se movimentam em torno de um cais que dorme aos pés da musa de todas as letras gravadas em pedra branca. O Tejo já não é o que era, e tal como o tempo, vai esquecendo aqueles que lhe deram o nome Lisboa, e ainda são marcas nos lugares, e lugares no tempo.