quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Viagens


(Foto Dolores Marques)


Enquanto os seus pés mediam a distância entre atravessar a rua e ficar por ali mesmo, atravessou-se-lhe na sua direcção, um nome. Era um daqueles nomes que já ninguém ouve e ninguém se lembra que existem a marcar um momento na vida de alguém. A pedra, era tosca, mas deixava que o relevo das letras, ainda sobressaísse aos olhos de quem fizesse paragem por aquela rua. Era uma rua estreita, escura e com um cheiro nauseabundo. Aguarda pelas folhas amarelecidas que sempre fazem ali ponto de passagem, até que as primeiras chuvas do Outono lhes dêem vida e as conduzam a outras ruas.

Pensou, e repensou e nada nem ninguém reparava nele, e todos seguiam o seu destino, e ele com o olhar fixo naquela coluna de pedra branca, que de tantos anos exposta às intempéries, já se tornava difícil distinguir os relevos das letras. Mas mesmo assim, ele não desistia e continuava a tentar decifrar-lhe os contornos, a tentar aperfeiçoar a leitura na tentativa de saber quem gravou ali naquela pedra dura, as letras que foram marco na travessia do tempo. Ali mesmo ao lado, um carro pára. Dele, descem duas mulheres com um passo atabalhoado. Os véus negros que lhe cobrem o rosto, impedem-lhes de decifrar que ali existiu em tempos, uma coluna de pedra com um nome gravado. Voltam a entrar no carro, em busca de algo que se assemelhe aos contornos de uma viagem rumo ao tempo, onde as palavras tinham vida própria e diziam de nós em todas as ruas, em todos os locais, em todos os jardins onde a Primavera se despede com alguns traços contornáveis do Outono.

É este o momento exacto em que lembra do nome que tem dado vida àquela rua. Atravessa-a para o outro lado e desce pela linha do eléctrico e instantes depois ouve-se o eco dos seus passos no chão do Martinho da Arcada. Bebe um café quente e atravessa a praça em direcção ao rio. Senta-se a olhar as correntes que se movimentam em torno de um cais que dorme aos pés da musa de todas as letras gravadas em pedra branca. O Tejo já não é o que era, e tal como o tempo, vai esquecendo aqueles que lhe deram o nome Lisboa, e ainda são marcas nos lugares, e lugares no tempo.

1 comentário:

Flavia Assaife disse...

Dolores,

Saudades de ti! Bela narrativa, envolvente, "viajante" contigo pelas letras e sentimentos...

beijinhos

Flávia Flor