sexta-feira, 15 de junho de 2012

A um passo


…estás a um passo de mim e nunca mais chegas.

Até que se faça luz para poderes ver onde colocas os pés, eu vou sendo a esperança, o amor, a confiança no teu novo caminhar

(Ao Fundo de Mary)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Ao Fundo de Mary


(...)
Naquela manhã de Sábado, a rua estava intransitável. Pessoas com sacos e mais sacos das compras da semana. Os táxis paravam e arrancavam com destinos certos e elas vagueavam em busca de um espaço sossegado, sentar e conversar. Junto aos seus pés um corpo estendido no chão sem sinais de vida. Olhavam os transeuntes ao encontro de um sinal, um só que fosse. Mas nada nem ninguém parava naquele local habitado por um corpo, prestes a desfalecer na valeta. Olharam-se, como que a tentar saber a forma de atuar. Mary pergunta a Isabel.
- Estará morto?
- Não me parece. Ainda tem posta a gravata. O casaco caído ao lado. Deve ter desmaiado
- Toco-lhe?
- Não sei. Já reparaste que ninguém pára. É como se não existíssemos. Nem nós e nem ele
Sem mais palavras curvaram-se na tentativa de ver se respirava
- O senhor está a ouvir-nos?
- Precisa de ajuda?

A cabeça do homem roda no sentido onde elas estavam e responde que precisa de ajuda. Mary e Isabel seguram-no cada qual em seu braço, ajudando-o a levantar-se. Homem na casa dos 35, alto, moreno, estava num elevado estado de embriaguez. O seu bafo, tresandava a bebida anulando todos os cheiros do espaço que ocupavam. Elas olharam-se de novo como  que a saber o que fazer e logo se ouviu a sua voz. Uma voz doce, delicada, que lhes dizia.
- Moro ali naquela praceta. Ajudem-me a lá chegar por favor.
As pessoas simplesmente passavam e nada diziam, lançando-lhes  um olhar em jeito de desprezo, pela miséria que assola por todos os cantos desta cidade. Conduziram-no até á porta de casa, a alguns escassos metros. Ele subiu as escadas. Elas nunca souberam se chegou bem. Era um prédio antigo sem elevador, escadas de madeira, corrimão de ferro.
A rua continuava cheia de gente que caminhava com pressa. O cheiro que ocupava o local, era agora de peixe, de fruta, de carne..etc. A praça do Chile é ainda um local muito movimentado nas manhãs de Sábado. Mais acima, na Alameda, falam dos tempos em que o cinema Império era um local muito frequentado nas noites de Sábado. Deu lugar a uma Igreja qualquer e do jardim vêm a Fonte Luminosa, para nela refugiarem  o olhar e se limparem dos cheiros que seus corpos assimilaram. De luminosa, nem a água, só restam as suas figuras esculpidas em pedra. Tinham finalmente encontrado o local ideal para se sentarem e conversar
....

Ao Fundo de Mary

terça-feira, 12 de junho de 2012

Lenda inacabda


caiem-lhe faíscas nos olhos
são negras
vestidas para a noite lendária
a beliscá-lo por dentro

dançam
e rodopiam
num frenesim
incorpóreo
adentro do meu mar
acetinado
rendilhado
e
remendado
até à última noite


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Sabiam-se na espera...

(...)
O tempo,  é agora mais uma constante na espera da mudança que opera nos terminais de quatro paredes sem teto onde os olhos possam descansar. As noites são uma força intrínseca que gela nas veias enquanto o sono não vem. A mulher furtiva em todas as ruas que conhece, quer aventurar-se por outros caminhos mais de acordo com a sua vontade de  ir mais longe. Ele não sabe como sair deste lugar, oprimido e humilhado pela sua incapacidade de se manter de pé. A cada dia que passa, Mary tem mais certezas de que ele é o homem que sempre esperou, mas que, por via das circunstâncias renega para longe do seu olhar. Os valores que segue dominam-na por completo. Precisa de um homem que cuide dela, como sempre lhe ensinaram. Pela ordem natural das coisas da vida, o homem, é a força dominadora, a que segura o boi pelos cornos e se faz à luta como um guerreiro das montanhas. A mulher frágil e pouco dada a linguagens incapazes de a manter fora da lei, vai sendo domesticada até ao ponto em que cair por terra e a deixarem ser só terra. A mãe natureza cuidará do resto, como cuida das ossadas dos homens que povoaram as cavernas, e ainda cuidará dos homens novos dos tempos modernos. Sabiam-se na espera, mas não se sabiam no sereno que sempre chega de madrugada quando o sol entra pelos buracos das persianas e os faz despertar para mais um dia. Um só dia carregado de surpresas sempre que chega a noite e o silêncio os acolhe. Ele mais uma vez do lado de lá, ela mais uma vez do lado de cá. (...)


(Ao fundo de Mary)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Das mãos


Das mãos
Inertes de Maria
Hoje “depositadas”
No mundo distantes
Logo sepultadas

A quem a morte
Subitamente
Precocemente roubou:
A energia, o som
O talento, o dom
A escrita
A melodia

Eleva-se o grito
Do absurdo
Que a morte
Aparenta

O contrário de tudo
O nada talvez
Ou a importante
Fragilidade humana

Quase divinamente
Criadora
Simultaneamente
Redutora
Profundamente

Das mãos inertes
Ontem criadoras
Do talento da escrita
Escapa-se ainda
A música
Que não o grito
Da revolta

Da impotente
Condição humana
A escrita eterna
Que em Deus redima

A dor da perda
Que imortalizará
A voz sublime
Das suas mãos

(Autor: desconhecido)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

E Eu

Talvez visse a outra face de uma imagem prestes a desaparecer, se me dispusesse a viver a vida por detrás dos espelhos que sustentam a minha silhueta, a tentar descortinar os traços que lhe dão forma. Invisíveis são agora os movimentos na tentativa de encontrar a única forma viva que eles conhecem . Será somente luz ou sombra, e eu, uma figura construída à sua imagem. Esbelta, sou agora uma construção edificada, realçando todos os lados obscuros. Serão talvez os traços imaginários que me dividem em duas, e eu, imagem despida de um eu próprio.