quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Templo

(Foto D.M. - Rio Paiva)




Talvez a difamação seja só um meio de profanar o templo onde guardo todas as lembranças de menina. Talvez seja só uma memória que ficou algures em outro tempo, quando ainda não sabia se tu virias ao meu encontro. Recebo-te como quem recebe um credo, atendendo a que não sei como ficar neste patamar elevado ao surrealismo e idealizado por um olhar triste, porque sempre te sinto ir sem saber se voltas cedo ou tarde neste dia em que me debruço na janela e vejo as águas paradas no Tejo. São elas que me levam quando descanso os olhos nesse leito sossegado. Lembro os dias em que ficava na noite à espera de ouvir um som, um qualquer som que me dissesse onde te poderia encontrar e nada me dizia nada, a não ser um amontoado de vivências soltas, quando em outro rio me deitava e me deixava ficar a ouvir o estalar das pinhas nos pinheiros, até que o sol se fosse. Foi sempre assim este templo; portas abertas para o tudo ou o nada, paredes nuas onde pinto todos os sorrisos, vidraças furadas, estilhaçadas pelo meu olhar novo e deixando-me ficar simplesmente à espera que o sono me leve para algum lugar.

Profana esta melodia que de dia se confunde com os ruídos da tua rua, quando as palavras são só um meio para iniciar a fuga, essa loucura escondida a paredes meias com o medo de serem encontradas, o desejo de serem profanadas até à mais pequena nota onde se inventam outras melodias escondidas. Talvez as palavras se diluam, talvez as crendices se apaguem e provoquem o desfecho duma história que faz do templo um lugar para se encontrar o verdadeiro acreditar nas palavras que merecem ser ouvidas e não profanadas num canto qualquer da tua rua.

Pessoa





Sou assim
Talvez uma só pessoa
Ou várias
Sem nunca saber qual delas
É a minha verdadeira pessoa

Não vês que a crença
Em mim
Sempre foi
Por não me saber
Nem aí
Nem aqui
Nem em lugar nenhum

Há uma imagem
Que vive

Quando me visto de branco
E me olho no espelho

Este reflexo
Partido em fracções
De um momento
Onde encaixo
Os meus olhos
E não nego
Não nego
O que vejo
Em mim
Como pessoa

Sou eu assim
Uma só pessoa
Ou todas as que viste
Enquanto me limitava
Só a ser
Para ti
Pessoa

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Mar

Um mar de estrelas cadentes
Sem ondulações adversas
Para que o meu ondular presente
Sinta a solicitação das águas
A quererem atingir o cais
Sem nada a levar
E nada a trazer

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sol


Vi um sol a nascer por dentro dos teus olhos,
quando sorriste e ficaste a olhar o céu…

(A Primavera é o ponto de partida
O lugar onde nascem novos horizontes nos meus)

Fiquei ali a ver-te sorrir
mas não viste que nos meus olhos
há um novo sol até ao próximo Verão


Saciados os olhares que nascem sem credos nem mitos
que nos façam chegar num porto seguro
e deixar que o sol seja um ponto de encontro

(O lugar onde te sinto)

Novas Viagens



Saber onde ir
Quando os nossos passos
Nos levam a lugares distantes
E os nossos olhos
Se preparam para seguir
Novas viagens
Em versos nus
Onde os poemas são alma
E o corpo
Divina inspiração
Para que não sinta
A dor da partida

Tu




Abandonaste as ruas
E apagaram-se as luzes
Dos candeeiros

Agora só o nevoeiro
Me diz como chegar
E onde aportar
Quando chegar a noite
E com ela
A única estrela
Que conheço

Tu!

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Mundos




Numa viagem
Sem fim
Levo-te comigo
No meu sonho
Mostro-te a força
Do vento
No sopé
Da montanha
A desafiar as águas
Onde descanso
Na margem de um rio
Que nunca me trai

Deixo-me embalar
Na corrente
E vou acabar
Como quem termina
A última jornada
E não sabe
Que há fundos
Que esperam
E desesperam
A construir
Novos mundos

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Céu

(Esculturas; Ricardo Kersting)




Os mirantes dos teus olhos
São tornados quentes
A ladear o céu
Ondular doce
No mar que é meu

Distancia tão curta
Que se perde
Em noites de breu
E o meu olhar
A chegar ao teu

O cais é um deserto
Novo horizonte
Que se perdeu
Se não sabe o norte
Desse céu

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Multiplicidade de formas

(foto DM - Serra de Montemuro)



“Em Agosto secam os montes
E em Setembro as fontes”
(Frase Popular dita por minha mãe Deolinda)
*

Se o vento do norte
Vier cedo
Acolhê-lo-ei
Como quem colhe
A brisa que passa sempre
Pela manhã
E me diz que é a hora

O cuco já se mostrou
A cigarra já cantou
As formigas labutam
Sob o sol escaldante
Este roçar ao de leve
Sobre as pedras de xisto

Múltiplas formas
Obtusas, reclusas
Medusas endeusadas
Altivas e desgovernadas
Mostram a derradeira verdade
Nada e criada
No ventre imaculado

Terra agreste
Sapateando a dor
Ventos inclinados
Sobre o dorso
E simplesmente
Feições graníticas
Que serão eternas
No ponto mais alto
Onde a chuva cai
O sol descai

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Um Mundo

(Foto DM - Rio Paiva)



Um ser que me diz do mundo
E de tudo o que ele tem
De mais valioso
É um ser apenas
Com todas as formas
Que lhe dá cor e movimento

Um mundo
Dentro de todos
Os mundos internos
De um saber medonho
De um querer
Sem tamanho
Que me tem

Para Lá do Rio




Foto D.M. - Rio Paiva




A noite caiu
Sobre os meus olhos
Nascente afrodisíaca
Das muitas estrelas
Dizem-me que há vida
A brilhar no escuro
E do muito a descobrir
Para lá do rio
Quando chegar a manhã
Com tudo o que tem de novo
Reafirmando a cor
Do movimento das águas

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Dueto de Mulheres (Declamação e vídeo de Elisabete Luis)






Vida que Acontece



Ser mulher é ser lágrimas caídas
E desabrochar
Como as flores mais destemidas

Sou uma flor de jasmim
Ainda por ser....
Olhos de água em rios estendidos
Um vento que passa breve

Sou nascente que corre desvairada
Ao encontro de todos os rios
E de todos os mares

Transformo-me em maré que amanhece
No areal dourado
E se estilhaça junto ao cais

Sou fonte inatingível do encanto
Que adormece entrelaçado
Em cristais enfeitiçados

A vida que floresce
Em ramos empobrecidos
E em raízes esmigalhadas

Sou a vida que acontece


Dolores Marques



*********


Porque Sou Mulher
Sou saudade dorida sorridente


Sou açúcar que tempera liquido quente em noite fria


Sou conjugação em tempo Presente


Sou a mão estendida que segura o vento que corre embalado contra as montanhas


Sou quem limpa as lágrimas da chuva quando triste e alegra sorrindo dizendo -vai correr tudo bem


Sou a manta quente que todos procuram abraços em tristes momentos e desanimados


Sou a arvore digna e altiva que murmura em surdina - tu és capaz...tu és capaz


Sou o pedaço de cal que ninguém olha... ninguém liga mas quando usado pode desenhar lindos caminhos de saída


Sou leoa destemida e valente para defender quem ama dá a sua própria vida


Sou tudo isto talvez porque sou mulher


*****
Elisabete (LISA)


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Um apontamento sobre o Livro "Ás Escuras Encontro-te" de Giraldoff

(foto de Bom Norte)

Talvez a vida seja uma caminhada
Um passo sobre passos vendados
Um encontro de espaços
Uma espera


“Às escuras, encontro-te”, é um livro íntimo e pessoal, onde o corpo se faz corpo desnudo, entre silêncios e sussurros, entre gritos e preces.
Do ponto de vista formal, encontramos no livro diversos registos: a prosa narrativa, a prosa descritiva, a prosa poética e o verso.
Essa multiplicidade, ao contrário do que pode aparentar, não dificulta a leitura do livro, apenas exigindo que a mesma seja atenta e ponderada, e não dissipa, seguramente, o traço de união que encontramos e que torna o livro um todo encantante.

A obra é uma jornada, pelo interior de uma (belíssima) alma, nas suas angústias, nos seus sonhos, nos seus devaneios, nas suas energias,
Mas também no seu confronto com o mundo.

E, assim, é uma caminhada pelos espaços opostos e convergentes que a/o compõem.
Um espaço de encontro, de desencontro e de espera.

Um dos aspectos mais interessantes do livro, surge-nos de forma invulgar.
A obra é um lugar de intersecção entre o “Eu” e o “Outro”.
Todavia, este “Outro” não é uno e surge-nos em faces multifacetadas:
- O “Outro” que é ainda um “Eu” (um “Outro eu”)
- O “Outro” que é intemporal, é místico, é mito (e assim é espera)
- O “Outro” que existe, seja ele o passado, o presente ou o que, por desconhecido, se anuncia vir a Ser.

E o mesmo se poderia dizer do “Eu” que embora uno (aqui sim) é ainda assim desfragmentado.

É nesses movimentos e intersecções que a sublime sensibilidade de Dolores Marques se revela de forma incontornável e irresistível.

Gostei muito de ler.
Filipe Campos Mello






Esfinges

(foto D.M.)



Este silêncio diz-me tudo
O que preciso saber
As horas não passam
O sono não chega
Chego a ter visões do futuro
Esse destino incerto
Como incertos são os meus passos
Enquanto o passado se esvai
No nevoeiro acabado de chegar

Há uma calma imensa
No povoado das serras
O céu de cor cobre
E o rio a choramingar
A ausência dos raios solares
Cobre-se de luares virgens
A colorir a corrente
Que esmorece
E suavemente adormece

Tenho ainda este olhar baço
A esboçar luas e sóis
Sobre os telhados de xisto
Das casas remexidas
Escombros a remendar
Os pontos negros na noite

As luzes ao longe
São como esfinges
Que não sabem onde ficar
Quando a noite se for
E a madrugada voltar
A ser flor da manhã
A furar as vidraças fechadas
De uma casa vazia
Sem nada que a faça ser
Um único lugar
O ponto de encontro
De um novo amor


Uivo da Noite

(foto. D.M)


Este vento miudinho
A cair na noite
Como todos os sons estranhos
Que ouço neste silêncio oculto

Que se vá enquanto durmo
Para que no final da noite
Eu acorde com novos timbres
A esmiuçar esta melancólica verdade
Onde reside a maior força que conheço

Será ela a fonte
Que matará a minha sede
De o saber ainda inteiro
Nos meus braços

Este uivo
Alegando um saber intrínseco
Ao seu uivar na noite
É como um grito
Que chega sem saber
Como partir
Ao encontro de novas descobertas