quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A festa dos doces ainda não terminou


O Natal não é o que era. Silêncio envolto no nevoeiro. O nevoeiro a engolir o silêncio. Cheiro a terra e a lenha na lareira a arder. Açúcar nas pontas dos dedos. Canela pelo chão. Um bezerro prestes a nascer. A matança do porco com o seu último urro, largava um eco fundo na aldeia.  O frio amaciava as couves tronchas. 
Quando na lareira se aquecia, a doce brisa colocava-lhe nas mãos uma luz verde - ponto luminoso que a apresentava ao mundo e a DEUS por mais um ano de Luz. À roda do fogo e da alegria, lambuzava-se da mística temporada que descia das serras, nas suas partículas de luz. Os animais mordiam o verde suculento dos campos e Sara  observava o céu a saber das mudanças do tempo para o dia seguinte. 

Tudo era baço. Porém, decidira que tudo seria branco com a força dos ventos, e que o Natal fosse cedo. O vento uivava na serra, os cordeiros aninhavam-se na lã por tosquiar das ovelhas empoleiradas num socalco que desabara. Apesar do peso dos anos, Sara vendia saúde, para muitos futuros. Alisava com as mãos o cabelo e com ajuda de uma travessa, alinhava-o para o carrapito no alto da cabeça. 
Pendia sobre o braço esquerdo a pequena cesta de vime onde guardara uma estriga de linho. Ora fiando, ora guardando o gado, negava ao corpo algum descanso. Junto às ancas, o fuso forçado pela mão direita, rodava lentamente. A roca presa à cintura, apoiada no ombro esquerdo. Os animais não saiam do seu ritmo, com as beiças a castigar os montes de erva. Demorava-se na lentidão das horas. Apesar da ausência de tudo, havia um todo no infinito do seu olhar serrano. (O Natal avizinhava-se quando no Verão plantava o nabal de couves tronchas. Aguardava pelas fortes geadas para se terem doces e tenras como Deus manda) 

Sabia ser o último de 27 anos passados, em que se limitou a ser Mulher da terra e para a terra. No próximo ano, outras contas do rosário dariam nova vida à aliança que a fez ter dono e senhor de todos os seus pensamentos. 
Teria carne na salgadeira. As dornas e o lagar encheram-se do puro néctar das vinhas. São Martinho interpôs-se entre “As vinhas da ira”. Estas iriam ser mais suaves, acomodadas por entre os lençóis de linho ainda virgens, guardados na arca de madeira.

Era noite cerrada. Foi ver a Cabana e por ali ficou. Mais tarde Rute juntou-se-lhe. Sara, atenta, vigiava a fêmea prenha prestes a parir. Estendida no chão soltava gemidos lancinantes de dor. Lufadas de ar quente saiam da sua boca e aqueciam o espaço. A custo e a cambalear, levantou-se. Elevara-se o propósito de se fazer luz no momento de parir(...)Continua  em 

Lugares e Palavras de Natal - Colectânea.

Dolores Marques

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

"Uivam os Lobos" por Maria Teresa




Boa Amiga
O Livro “Uivam os Lobos”

Para mim, o livro tem um tipo de poesia muito subjectivo, onde a Dolores anda sempre a tentar procurar o que a rodeia e as vivências. Desta vez, foi muito das suas raízes. Transcrevo-as de forma subtil, ou seja muito camufladas. Realmente aprecio mais prosa que poesia, tendo mais dificuldade na sua interpretação.
Mas, apoio-a, continue a escrever, a imaginação está lá e o livro tem o seu valor literário.

E assim me despeço com um beijo da  Maria Teresa

(E despediu-se desta forma no papel e na vida. Partiu na sua última viagem. Eternamente agradecida por todo o apoio Grande AMIGA)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Quem é Aurora Simões de Matos (apresentação do livro "A Sobrevivente")

Aurora Duarte Simões de Matos nasceu no concelho de Castro Daire, numa bonita aldeia espraiada entre fartos milheirais e pinheiros bravios, numa das faldas do Montemuro. Ali, onde o rio se chama MÉDIO PAIVA, pois que a meio do seu percurso, entre a SERRA DA NAVE e a ILHA DOS AMORES, onde se junta ao misterioso Douro. 
Rio Paiva que Aurora trata no feminino, como se de ribeira se tratasse, como se de amiga lhe saboreasse a intimidade.

Sim, chamam a Aurora "CANTORA DA BEIRA-PAIVA".... " POETISA DA PAIVA"...." ROSA DO MONTEMURO"... carinhosos mimos que ela aceita, nomes  em que se revê, na missão que assumiu de cantar a sua terra e a sua gente.

Na nossa região, todos a conhecem, se não em pessoa... certamente de nome. É que, através de uma escrita escorreita e límpida, ela a todos chega, a todos compreende, faz parte da vida de cada um, pois que de cada um parece saber a história. Saber a história de cada um, contá-la ao mundo... a quem a quiser ouvir, melhor dizendo, a quem a quiser ler e entender. 

E assim, poema a poema, crónica a crónica, conto a conto, livro a livro, Aurora vai conquistando adeptos, admiradores, leitores fieis em todos os continentes. Por isso, cada seu livro publicado, rapidamente esgota edições, merece a atenção da imprensa, enche de orgulho tanto as gentes simples e laboriosas de uma ruralidade agreste, como as vozes mais intelectuais e cultas da beira-Paiva e Montemuro, a vasta região que visceralmente a apaixona.

Aurora Simões de Matos escreve e publica desde menina-criança, pela mão de alguns dos seus professores. Desde jovem adulta até ao momento actual, foi colaboradora de cerca de duas dezenas de publicações regionais da imprensa escrita. O que lhe granjeou um vasto número de leitores fidelizados, como já referi,  onde naturalmente se contam muitos apoiantes das comunidades portuguesas no estrangeiro.

Escreveu seis livros a título individual, mais nove em co-autoria. Em prosa ou poesia, está representada em diversas antologias. 
Tem uma crónica traduzida em várias línguas, que faz parte de um livro distribuído por vários museus do mundo.
Autora e apresentadora do programa " QUANDO O VERSO SE DESFOLHA" da Rádio Clube de Lamego.
Fundou, dinamiza e coordena a TERTÚLIA ARTES E LETRAS NO HOTEL LAMEGO, espaço mensal que vai no terceiro ano de existência, sendo uma importante referência cultural na região do Douro.
É autora da letra do Hino Oficial de Castro Daire.
Prefaciou e apresentou várias Obras de Autores diversos.
É Membro Académico Honorário da Academia de Letras e Artes Lusófonas. 
Possui vários galardões, medalhas e diplomas de algumas instituições portuguesas e brasileiras ligadas à Cultura.

Aurora Simões de Matos é Professora do Ensino Especial, aposentada do Ministério da Solidariedade e Segurança Social.

Tem três filhas, cinco netos e um bisneto.

Faz parte do espólio dos orgulhos castrenses e é uma honra trazê-la hoje aqui e falar-vos da nossa querida escritora, não só pela sua obra imensa de grande qualidade, como também pela pessoa que me deu a sua mão, permitiu que entrasse no seu mundo….quase como pegar num bebe ao colo, alimentá-lo e ensiná-lo a andar. Uma bela pessoa, uma Grande Mulher que pisa e pisou o mesmo chão que eu, respira o ar da serra, sente estas coisas da força da terra e das gentes das aldeias do Montemuro. 
Uma mulher que revela muita sensibilidade através do que escreve, mas não só, ela fá-lo a viva voz sem medos e com grande sentido crítico, muitas vezes. 
Um vídeo que não me canso de ouvir, quando ela diz na apresentação de “Contos de Xisto:

“….e tanta a gente a escrever sobre a Sé de Viseu….e quem haveria de escrever sobre a Capelinha de São Bartolomeu, escondida entre os verdes milheirais da minha terra, onde no dia do Stº Padroeiro, eu vos garanto, a capelinha de São Bartolomeu, é uma catedral maior que o mundo, onde cabem todos os sentimentos.

E tanta a gente a escrever sobre a grande rotina diária das famílias da actualidade em que o pai vai levar o seu filho de automóvel ao colégio. A mãe vai levar a sua menina à creche, e à noite os avós vão buscar os meninos todos….e sempre de carro. Trabalho meu deus, para psicólogos, sociólogos e um ror de ólogos. 

Só que na minha terra, não há ólogo nenhum a falar sobre aquela mãe que transportando o seu bebe à cabeça dentro duma canastra, a deposita uma manhã ou uma tarde inteira debaixo da oliveira maior ou à sombra da tanchoada”

Escreveu ela em contos de Xisto, estas e outras verdades escondidas por entre os penedos, amordaçadas num profundo silêncio, um labirinto, onde só quem conhece os vários caminhos, sabe como neles se movimentar e encontrar uma saída. Neles ficará um registo da grande Mulher que abraçou as suas gentes e as fez renascer em cada página que escreveu. Os seus livros serão um templo reunindo todos os sentimentos. Com as suas gentes se entregará aos desígnios de Deus e encontrará no Universo um novo caminho. 

Mas, este sentido crítico é revelador da mulher coragem, porque ela dá voz, à voz nascida no ventre da terra, e também fecundada no ventre materno.  Mas esta Mulher coragem, Aurora Simões de Matos, ousou ir em frente e com a edição dos seus livros, leva longe outras
vidas, outros sentires, enfim outras mulheres. A exemplo disto temos este seu último livro “A Sobrevivente”

Porém, não posso deixar de referir que também ali está a minha avó, minha tia que ainda vive com 95 anos e tantas outras mulheres que foram a força da terra a germinar vida por entre as paredes de xisto.A semearem e cavarem a terra, a regarem os milhos, a cortarem mato no monte, a ajudarem os animais a parir, a cozerem o pão…etc. Sem nunca esquecerem a sua condição de mulheres no mundo, reflectido num olhar serrano dotado do conhecimento de vida na terra.

Invertendo a ordem das coisas, deixemos a Mulher escritora respirar a nova ordem de um mundo intensamente vivido no encontro com o outro. Caminhos de terra e de água, caminhos de vento e de fogo – a força intrínseca que lhe é natural, tal como são todas as paisagens das serranias. O mundo que abraçou retornará em silêncio num tempo que não será tempo, mas sim uma nova ordem de todas as coisas.


 Da sua nova varanda, voltada para as encostas, sossegar-se-á o corpo e os olhos no leito terno do rio, enquanto a sua alma, viajante, é um composto de várias fragrâncias a ocupar o espaço de um buraco negro no Universo. O Xisto, o seu longínquo caminho, abrirá caminhos novos a todos os que quiserem sentir a metamorfose laminar em ebulição constante. Pedra sobre pedra, lasca sobre lasca, ou simplesmente a imensa catedral em construção, o templo maior, edificado por palavras, que irão para todo o sempre ser a voz da terra, e terra com terra, respirarão a nova ordem das coisas Universais. 

Foi uma abordagem minha sobre a forma como a sinto, e muito mais haveria para se falar da escritora castrense, que aqui veio abraçar Lisboa com a “Sobrevivente”.

Aproveito para agradecer à Escritora Aurora Simões de Matos por este aconchego, feito de pedaços de terra, de alma da terra. E por falar em “alma da terra”, aproveito para citar uns versos do poema - “Lembra-me um sonho lindo” de um grande poeta e compositor Português  – Fausto.


“Lembra-me um sonho lindo, quase acabado
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada

Ai! Como eu te quero! Ai! De madrugada!
Ai! Alma da terra! Ai! Linda, assim deitada!
Ai! Como eu te amo! Ai! Tão sossegada!
Ai! Beijo-te o corpo! Ai! Seara tão desejada!”

Maria Dolores Marques C/Aurora S. de Matos em – 15/11/2014 na Apresentação do Livro "A Sobrevivente"


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Caíam as folhas

Caíam as folhas 
das árvores. Instantes depois 
ouvia-se com maior nitidez 
o balançar dos ponteiros 
do relógio da Sé

Este frenesim da cidade 
desenterrava as horas 
mortas em todos os silêncios
espraiados nos círculos
sobrepostos em volta dela

Dolores Marques
Foto: DM na Sé

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Verdes são as folhas

(Foto DM em Moção)

Estavam nuas faz pouco tempo, esqueléticas na sua forma em ramos esguios. Olho-as de baixo para que vejam através da sua altivez, a minha pequenez. O chão, esse está sempre de colo aberto à mínima escoriação do tempo. Sofre de tantas penas esta sôfrega manhã de Primavera, e eu caminho assim, meio desatinada pela beira da estrada. Há um céu que me indica as horas, mas de nada vale saber se há horas certas nesta cálida manhã. 

Encontro-me assim entre a nudez da alma, e a coloração de um verde-esmeralda, que em determinada parte do meu corpo se prepara para esculpir os sonhos, enaltecendo os olhares que amortecem as correntes do rio. Esta espera traz sempre novos ventos e outras investidas no cais, aparentando nobreza e fortalecendo as tábuas do passadiço. Abandono-me ao tempo em que não me cansava de contar as estrelas lá na minha aldeia:

- Há o “nascer do Sete-Estrelo”, que quando se avista por detrás do monte, será hora de encaminhar as águas;
- Há o “por da Estrela” que é a hora exacta na madrugada em que ela se vai, orientando o seguimento de outras águas, que descem da serra;
- Há a contagem das horas, através dos raios solares, que ao embater no morro escarpado pelo tempo, é também hora de acrescentar mais umas horas às águas que passam;
- Há o "meio-dia do sol", quando este atinge um ponto no firmamento, que é uma e meia da tarde - formas de contagem do tempo pelos antigos, para se calcularem os movimentos que aquele pedaço de terra dava à volta do sol.

Viver entre quatro paredes é o mesmo que viver enclausurada numa cidade que sustenta a solidez do mundo acompanhado das chuvas ácidas. O horizonte é vasto e eu por aqui, de solstício em solstício, sem saber por onde encaminhar os meus passos. 

Dava-lhe tudo de mim se mo pedisse, se não me rejeitasse, se não me encandeasse com esse seu brilho meio atordoado de uma vida gasta por sujeições do destino. De que adianta esmiuçar a minha dor, a minha permanência, se só será eu, quando souber ser ele? Pode até me virar do avesso, mas só encontrará o refugo daquilo que fui, porque a cada momento me renovo com o nascimento de novas flores, para vestir as palavras que escrevo. Sabem que são alimento do meu corpo e trajes da minha alma?  

Queria tanto voltar a ser poeira das estrelas em direcção ao sol. 

Apesar das diferenças de todos os momentos casados por excelência com a obliquidade de uma esfera gasta, que me volteia a consciência, entro sempre pela porta da frente. Este  términos de uma vida, onde operam em grande escala, todos os sentidos, a conjugação necessária que fará surgir o Verbo iniciático de um Deus Maior. 

Sobrevivo sempre a novos temas, mas este corpo avesso a tudo o que o tempo traz, deu um volte-face desagregando as noites e purificando os dias, do mais puro néctar que a vida tem para lhe dar. Caminhamos assim contrariamente à emancipação da única verdade que nos faz ser, seres invulgares e diferenciados na terra que nos revolverá às cinzas, e de lá, nos fará renascer únicos na forma. Só assim poderemos encetar novos voos por entre os dedos das nossas mãos, porque são eles, um reflexo laminar do tempo que nos resta. 

Verdes são as folhas e nelas me deito até à próxima investida do Outono.

Dolores Marques 2010  (Ônix in "A Voz do Silêncio")

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

A Sobrevivente - novo livro de Aurora Simões de Matos





Fazer renascer uma alma antiga da Seara
É criar uma nova Fénix
A sobrevoar ainda as espigas douradas na mesma Seara (Dakini)

« A Obra contém, de facto, alguma ficção, como retrato real de uma época.
Mas não será precisamente essa ficção que, na verosimilhança da sua autenticidade, ao importar como cenário que em nada altera o essencial da biografia, permitirá, com o maior realismo, uma melhor compreensão do mundo feminino em que nasceu e viveu Maria do Céu Trindade, em tempos de verdadeira subalternização da mulher?
No entanto, nela encontraremos, muitas mais vezes, a realidade da protagonista a parecer-nos, hoje, pura ficção.

A título de exemplo, uma chamada de atenção para o capítulo " Perdido o Refrão da Vida " , no registo de uma fase em que a idosa, já única habitante da Quinta da Seara, lugar de extrema solidão, isolado e perdido nos socalcos da Ermida, teve, durante muito tempo, a terna companhia da "Querida ", a cabra com quem partilhou a casa e os afectos. Com quem teve longas " conversas ", já que - garantiu ela à autora destas linhas - o animal percebia tudo o que lhe dizia...

Ou para o facto de, nunca tendo dançado em jovem, por proibição do pai e dos irmãos, ter entrado pela primeira vez numa discoteca, depois de ter feito já cem anos.Para surpresa da sua alma, esta estreia triunfal, no gozo pleno dos direitos de mulher, sem ninguém a impedir-lhe ou a censurar-lhe o prazer de uma dança.

Ficção???...Não!!!...Realidade pura. »

Aurora Simões de Matos 
( no livro A SOBREVIVENTE, a lançar no dia 13 de Setembro, em Castro Daire)

domingo, 13 de julho de 2014

Uma leitura a "Uivam os Lobos" por São Gonçalves

"Uivam os lobos" Dakini.

"Quando existem pessoas com a capacidade intrínseca de esmiuçar palavras,verso a verso, poema a poema, revolvem-se as páginas em branco, sente-se a respiração ofegante do livro e no imediato momento silencia-se".
Assim começa uma parte da dedicatória que me foi dedicada do Livro "Uivam os lobos " da poetisa Dakini

Devo começa por dizer que esmiuçar estas palavras e estes poemas,nunca foi tão fácil e tão difícil ao mesmo tempo.
Os poemas deste livro levaram-me ao centro das minhas emoções,das minhas memórias,das vivências de menina nascida e crida numa aldeia do litoral do pais.
Existe uma semelhança de caminho percorrido,de trabalhos realizados de cultos venerados.
Descobre-se através deste livro um sentimento de pertença a uma identidade ,uma identidade pessoal,uma identidade social ,cultural e religiosa.

Pela viagem que se faz através dos poemas ,a memória de um povo renasce naquilo que pode ter de mais rico,de mais humano,de mais verdadeiro.
Moção a Terra Mãe da autora ,serve de inspiração e de palco,onde as mais variadas tarefas rurais,os mais variados cultos,o sagrado e profano se desmistificam nas palavras e nos poemas.

O exemplo disto está logo nos primeiros poemas do livro.

"Traziam campainhas
a chocalhar nos montes
e nas mãos
línguas de fogo
douta inspiração
chegada cedo
de lugares primitivos

-miravam-se em rios de água benta
de um pranto amarelecido.

Será este poema uma alusão às curandeiras das aldeias,mulheres com uma sabedoria imensa,e temidas por tanto;,mulheres que misturavam o sagrado e o profano,curavam as feridas do corpo e da alma com as ervas colhidas nos montes e as orações veladas.? 

Há em todo o livro uma relação ao religioso,como se os elementos da natureza e o culto dos homens fossem a única redenção à solidão dos homens e das mulheres esquecidos no meio da serra,cuja força pode despertar sentimentos ora de posse ,ora de de abandono,ora de medo,ora de fascínio.

" A rua onde moro
é escura no pranto
ladainha surda
como um lobo da matilha
na voz clara do amianto

O beco onde te encontro
é mansão de luas novas
calafetadas nos beirais
onde um isolado lobo vive.

Uivo quente
mas eloquente
em transe por mais
sempre mais
calafrios"

A força da serra e o encanto do rio que a atravessa é uma constante neste livro.As serras servem muitas vezes de eco aos lamentos dos homens e dos animais,de refugio as inquietações e medos,e o rio, um local de paz e de redenção.Alquimia do ser ,os elementos da natureza,A Terra,a água e o ar,confluindo para uma vontade de metamorfose.

"Ouvir o som
de uma voz inquieta
quando nela descansa
um luar enfraquecido 
é saber que está além,
e não aquém,do saber
quando já tudo se viu 
nas correntes de um rio."

Dizia no inicio deste meu trabalho escrito,que este livro é um livro de pertença uma identidade ,seja ela social,cultural ou religiosa.
Sabe-se através da biografia que Dakini,deixou a terra natal ainda em criança,e que apesar disso a visita muitas vezes,e de onde sempre renova a sua inspiração.
Sabe-se também que a memória é um rio onde correm todas as metáforas,todas,as alegorias.
Este livro prova mais uma vez ,que a preservação das nossas raízes,da nossa identidade ,da nossa memória pode ser preservada pela poesia e pela viagem ao lugar mítico da nossa existência.

São Gonçalves

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Ana Coelho apresentou Dolores Marques em Uivam os Lobos


Dolores Marques
A viver em Lisboa desde os 10 anos mas nunca esquecendo as suas origens. Sempre teve a necessidade de fazer outras coisas que não as de sempre, num período da sua vida, aceitou o convite para integrar o grupo folclórico e etnográfico da Casa do Concelho de Castro Daire em Lisboa, onde permaneceu cerca de 3 anos. Mais tarde foi impulsionadora na criação de um grupo de música tradicional portuguesa, com alguns elementos do rancho e outros que entretanto conheceu, tendo-se mantido este grupo apenas um ano, mas com um trabalho representativo dos cantares tradicionais da sua região, entre outros.
A fotografia é também um foco de interesse, focando-se ora na paisagem granítica da Serra do Montemuro, ora nas correntes do Rio Paiva, que passa próximo da sua aldeia, ou então; captando expressões de rostos, que com a terra convivem e dela tiram o seu sustento. Na cidade, os becos, os grafitis, as quintas abandonadas, os palacetes antigos, o rio Tejo são o que mais atrai a sua objetiva. 
“Aldeias da minha cidade” o título que tem dado aos últimos álbuns de fotos publicadas; são exemplo de que existe um fio de ligação entre a cidade e o campo, que ainda se mantém. O que se pode observar também, em outros álbuns a que deu o título de “Fragmentos do tempo”.
O primeiro livro de poesia “Olhares” surge em 2008, revelando assim o início da sua escrita. Neste livro nota-se já, uma forte ligação à sua terra natal e a todo o ambiente onde cresceu e passou a sua infância - A Serra do Montemuro, assim como o Rio Paiva, são imagens recorrentes e aqui descritas de  forma simples e natural, tal como era a sua escrita acabada de nascer, havia poucos anos. 
Logo após regista-se no site da editora WAFF onde inicia a publicação regular dos seus poemas, seguindo-se o site Luso-poemas. Site este; onde nos conhecemos e a Dolores foi um elo importante na minha escrita e naquilo que hoje sou na escrita, foi ela a impulsionadora para a minha primeira participação num livro; com a antologia Tu cá Tu Lá em 2009. Esta antologia nasce de um blogue, que a Dolores criou com o objetivo de unir autores e divulgarem as suas escritas. Criamos uma ligação de amizade e ajuda mútua, onde me foi permito conhecer a mulher para lá da escrita. Uma mulher com a força das suas palavras na vida. 
“Subtilezas da Alma” foi o seu segundo livro de poesia editado em 2009  e  o seu primeiro em prosa “Às Escuras Encontro-te” aconteceu em 2010.

Comecei a ler Dolores Marques, após edição do seu primeiro livro “Olhares”. Um livro de poesia simples e fluida aberta a todos os leitores.  
Seguindo-se o livro “Subtilezas da Alma”, e alguns textos em prosa publicados nos sites que fazia parte,  realça o seu interesse por uma filosofia oriental, período em que se dedicou a estas, e que complementou com a primeira e segunda iniciação em Reyki. Fez o primeiro nível de Sistema de Corpo Espelho, e inicia a prática de Taichi/Chikung
Os temas que apresenta na sua escrita vão-se alterando com o passar do tempo, querendo dar ao leitor e a si mesma a autora e não a mulher, Dolores Marques inicia uma separação da sua escrita: 
Dolores Marques desaparece dando voz ao perfil  “Ônix” - Matilde D’ônix.
Pouco tempo depois surge Dakini. A necessidade de revelação de um Eu mais realista; mais terra, mais ar, mais fogo, mais água. Um todo, tendo como ponto-limite, um ponto no espaço infinito. Um céu maior. Os fluxos migratórios das gentes da terra provocaram o seu encontro com a cidade onde vive há cerca de 50 anos. Mas mais uma vez, volta às origens e  nota-se em Uivam os Lobos e outros textos que a sua inspiração vem de lá das terras altas. 
Mais tarde, surge com outro perfil “Epifania”. Aqui manifesta-se um Eu oculto, que se revela em vários momentos da sua escrita. As publicações são na sua grande maioria em prosa, e os temas muito diversificados, ora terra, ora ar, ora fogo, ora água. Após questionar a autora sobre este perfil, que se manifestava de forma irregular na sua escrita, sendo que algumas pessoas inicialmente não entendiam muito bem se eram duas ou se só uma naquele perfil. Pessoalmente gostei muito deste pseudónimo e das duas vozes que “falavam” ao leitor. 
Confidenciou-me que levou algum tempo a entender quem dialogava com ela e a levava a escrever aqueles diálogos e que só poderia ser Dakini. Podemos aceitar que nos diálogos de Epifânia, a Dakini aparece e desaparece como por encanto? É que pelo que percebi, Epifania tem estado muito silenciosa. Será que ficou zangada, por este livro ser da Dakini e não dela própria?
Resumindo e pelo que já conversei com a autora, sobre estes pseudónimos, eles não foram pensados nem idealizados, foram surgindo consoante as variações da sua escrita e que segundo ela, serviram para separar a escrita, nos sites tal como a tinha já separada e com os devidos nomes. Dando a quem a lê a multiplicidade criativa de uma mulher \autora construtiva e diversificada. 
O seu maior orgulho de agora; os seus 3 netos, Guilherme, Afonso e Tomás

Tobias Rocha também fotografou

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Apresentação de "Uivam os Lobos", por Filipe Campos Melo


Boa tarde,
Começo por agradecer o convite da Dolores, uma querida amiga que muito estimo, e dizer que é com muito gosto que aqui estou.

Cabe-me, nesta sequência, a apresentação do livro que hoje aqui nos trás
A primeira tarefa para quem pretende apresentar um livro é, evidentemente, ler o livro,
E assim fiz.

Acontece que, efectuada essa tarefa, surgiram-me vários questionamentos,

Esclareço, nenhum em relação às palavras que hoje vos são apresentadas, porque reconheço nesta escrita uma evidente qualidade, quer pela profundidade, quer pela sensibilidade, características que sempre encontro no verso da Dolores

Mas uma hesitação prolongada quanto à forma de iniciar esta apresentação
É que, após ler e reler, demoradamente, o livro, surgiram-me, quase instintivamente, inúmeras ideias e formas de o abordar 

E, de facto, talvez seja apropriado falar de abordagem quando nos dispomos, como foi o meu caso, a invadir as palavras de outra pessoa,
Embora, confesso, terminadas as leituras, a sensação que permaneceu é de que, afinal, foi o texto que me invadiu, numa pluralidade de inquietações.

Resolvi, então, deixar as palavras repousar durante uns dias,
Até que, num determinado momento, um eco se tornou predominante
“Não se deve voltar ao lugar onde fomos felizes”.

Devo esclarecer que, definitivamente, não concordo.
Eu, pessoalmente, recuso-me é a voltar aos lugares onde fui infeliz.
Mas, na verdade, todos nós, inevitavelmente, mais cedo ou mais tarde, regressamos a esses lugares

Esta ideia – de não voltar ao lugar feliz – impôs-se, assim, como o ponto de partida para esta apresentação

E como um improviso absoluto é sempre absolutamente imprevisível, vão-me permitir que vá utilizando umas notas que alinhavei a este propósito

 “Não se deve voltar ao lugar onde fomos felizes”.
Ora, regressar a um lugar, percorrer um caminho anteriormente percorrido, é sempre uma peregrinação.

Poderíamos talvez definir o conceito dizendo que uma peregrinação é o caminho que um devoto, voluntariamente, se predispõe a fazer rumo a um lugar que crê ser sagrado.

Assim, uma peregrinação é sempre uma romagem motivada numa crença.

Às vezes é prece, promessa ou profecia,
Outras vezes é autopunição e até via para a redenção de um “pecado-passado”.

Há, contudo, na sua variação conceitual, constante e inquestionavelmente, um traço de religiosidade que lhe é indissociável

E se assim é, para compreender uma peregrinação é absolutamente necessário, antes do mais, perceber porque determinada pessoa se predispôs a efectuá-la.
Mais ainda quando sabemos que peregrinar tem sempre imanente uma ideia de penosidade e de sofrimento.

Esta é a minha fundamental convicção – este livro é uma peregrinação.

É certo que, enquanto caminhar, uma peregrinação implica movimento,
Mas, todavia, peregrinar não exige necessariamente um deslocamento físico, nem o seu percurso é necessariamente medido em metros.

A invocação interior de uma memória é seguramente uma deslocação, mesmo sendo, como reconheço, uma deslocação inerte.
Este movimento (aparentemente imóvel) reconduz-se como pensamento
E o pensamento, pela sua inderrogável essência, estático nunca é.

Assim, quando é só pensamento, a peregrinação é um vaguear, um percorrer de lugares passados, nos quais, bem sabemos, a angústia sempre assoma e nos confronta.

Pela própria natureza do passado, que, por o ser, não volta mais.

Mas se o passado – precisamente por ser passado – não volta,
A ele – por passado ser - podemos nós regressar.
Assim se pode encontrar, nos primeiros versos do primeiro poema, a anunciação de um caminho

«Traziam campainhas
a chocalhar nos montes/
e nas mãos
línguas de fogo/
douta inspiração/
chegada cedo
de lugares primitivos»

Reitero, na minha interpretação, sempre discutível e subjectiva, “Uivam os lobos” é uma peregrinação.

Um regresso ao lugar passado, seguramente,
Ou como diz o verso, “aos lugares primitivos”.
Não deixa, aliás de ser curioso notar que, em latim, peregrinação diz-se “per agros”, ou seja “pelos campos”.

Por lugares e também por um “Eu”, interior e anterior, que se auto observa.

E, de facto, no livro, pelo verso, o sujeito poético retorna à terra inicial, no mesmo recriada, como bem se refere no prefácio deste livro,

Nesse prefácio, aliás excelente e que enriquece o livro de forma marcante, desenvolve-se a ideia
Dessa umbilical ligação do verso à terra, tantas vezes infértil,
Da indissociável raiz da palavra que se escreve num palco de memórias, onde se encena, citando o prefácio, “todo um imaginário que acompanhará (a autora) ao longo da sua vida, despertando-lhe tanto medo quanto fascínio”.

Afirmação que, aliás, o verso confirma

«Estão as portadas fechadas
e eu tenho frio/
muito frio dos lugares inóspitos/
e medo/
muito medo dos açaimes brancos»

E quando assim é, voltando ao prefácio,
Nenhuma defesa será suficiente contra as raízes que se estendem da terra até ao Homem, fixando-se nas redes inefáveis e inevitáveis da sua memória”.

E é exactamente através dessa memória que se inicia esta peregrinação ao passado,
É um regresso a um determinado tempo,
Um tempo inicial, percorrendo os campos, voltando á fonte da inspiração, original

Mas não só,
O sujeito poético, observador, parte de um tempo presente e regressa aos lugares passados, através da memória, recriando esses lugares,
Mas também, num movimento ambivalente, projecta-se no futuro, mimeticamente antecipando o devir, poeticamente o pressagiando.

Diz o verso

«Tenho medo/
muito medo das colinas/
onde me esperam
outras histórias /
visionárias de novos mundos»



Como referi, para se perceber uma peregrinação é necessário compreender a motivação que a sustenta.
Dispus-me, assim, a tentar perceber qual a motivação deste livro, desta peregrinação.

Uma das pistas mais imediatas é a percepção da sistemática em que o livro se estrutura

O livro é composto por dois capítulos e, diria ainda, por um epílogo
Função que atribuiria ao último poema “Já me vi em dias de Sol, sem sol”, para mim, aliás, talvez o mais belo e profundo poema deste livro.
Todavia, se realmente o for, é um epílogo oculto, porque no livro não o encontramos com essa autonomia formal

O que encontramos é um primeiro capítulo denominado “Mimetismos”,
E um segundo capítulo intitulado “Cultos”.

Ora, poderíamos dizer que mimetismo é a semelhança que um determinado ser ou organismo adquire por influência do meio onde se insere,
É, no fundo, a adaptação a uma realidade através da sua replicação
Estamos, aqui, portanto, perante o conceito de evolução convergente
Na verdade, todos somos objecto de socialização, de forma sempre intensa, muitas vezes forçada
E, cada vez mais, vivemos numa sociedade mimética

Do ponto de vista das espécies,
Referência inevitável em face do título do livro,
O mimetismo é um processo de evolução da espécie, resultado da sua mútua interação, que conduz a uma harmonização ou padronização de comportamentos

Neste livro, o sujeito poético figurado é um lobo, melhor uma loba, que
Tendo deixado a alcateia, caminha agora solitária,
Num percurso que procura a compreensão do mundo onde se insere,
Mas que é simultaneamente um percurso de auto-compreensão

Este primeiro capitulo do livro, é o regresso ao passado, á terra,
E, assim, aqui vamos encontrar o sonho, às vezes pueril, a crença, o amor (o conceito primeiro, o amor original), mas também a desilusão, a descrença, o desamor que logo lhes sucede

E, assim sendo, existe também, imersa ao verso, uma ideia de evolução divergente, na medida em que percebendo a sua mimética aculturação, num olhar ao espelho, o sujeito poético rebate-a, questiona-a, rebela-se

Na verdade, há aqui uma ideia de destino, a ideia de uma predestinada convergência com um mundo que não era o pretendido, mas que é o mundo efectivamente existente – o presente

Assim diz o verso,

«Não sei porque te desenharam um rosto/
te deram formas ignorando o simples facto de te saberes uniforme/
contornando as margens das velhas correntes
que estagnaram no lodo que as fabricou»


Dizem que os lugares se alteram com a passagem do tempo
Mas muitas vezes o passar do tempo altera ainda mais a pessoa que os observa
Talvez os lugares nunca sejam exactamente iguais,
Mas certamente diferente é o sujeito quando a eles regressa

Assim, este movimento de regresso nunca se chega a desprender completamente do presente que o observa, e, por essa razão, sente-se no verso uma profunda nostalgia, às vezes saudade, às vezes conformação, outras vezes até crítica

Como se escuta no verso

«Dá-me da madrugada
o que é a tua voz/
e diz-me dum sítio/
dum lugar incerto/
mas dum tempo certo
onde me esconder»


Porque as coisas nunca são como as imaginamos, nem sequer como as vivemos, há uma marcante nostalgia neste capítulo
Até porque, afinal, esta peregrinação é uma auto-peregrinação

O segundo capítulo denomina-se “Cultos”
Um culto processa-se por um acto solene, por uma liturgia
Um culto é, assim, um caminho solene para a compreensão,
Quando se perceciona o objecto do culto,
Compreende-se também a identidade e a motivação do devoto.

Neste sentido também neste capítulo encontramos um caminho de auto-compreensão
Mas já não no tempo passado,
Agora é um estar, um passo presente que, simultaneamente, antecipa o futuro

E, assim sendo, necessariamente um espaço de esperas, como se diz no primeiro poema desta parte

«Mundo submerso
por duas lágrimas
a molharem-me os pés
ainda nus sobre a terra/
enquanto a chama corrente
aguarda pelas variações/
num tempo de espera»


Mas é também um espaço de angústia, às vezes nostalgia, outras quase desespero

«Aconteceu-me um tempo
que me arrasta
lá para os lados
onde me esperam
todos os moinhos de vento»

Cultos, é assim, um auto reencontro, entre a percepção de um passado, tanto aculturado, quanto doloroso,
E o questionamento de um presente-futuro

Deste movimento emerge a poesia, num olhar que se define métrico poema

«Tristes são todos os olhares
que engoliram o mundo /
sem saberem
onde enterrar os corpos/
Foices a calcular a métrica
que os fará alcançar /
os caules
as folhas
e
as raízes secas
 junto ao chão»


Permitam-me apenas mais um sublinhado,

Existe um traço essencial que percorre todo o livro,
Que é simultaneamente mimetismo e culto,

Um amor, uma emoção profundamente marcante, que procede da origem e que, ainda que agora ausente, se mantém demasiadamente presente

Como por exemplo se sente neste trecho:
«Esqueci-me de ti
quando o vento se aproximou /
falando-me nas horas vagas
dum mar imenso de saudade»


Disse que para se perceber uma peregrinação seria necessário compreender a motivação que a sustenta.

Retomo, agora e como ultima referência, o título do livro: “Uivam os lobos”.
Um uivo é um grito entristecido, um eco de um passado que se antevê igual

E, se assim é, pergunto-me: Mas, afinal, porque uivam os lobos?

Escutemos, uma última vez, o verso

«Uivam os lobos
por falta de nortadas quentes/
caminhantes na certeza
de uma única noite/
que será eterna»


Filipe Campos Melo

quarta-feira, 28 de maio de 2014

"Uivam os Lobos" o meu próximo livro de poesia


“Uivam os Lobos” assemelha-se a um palco de memórias. Nele se contam, e encontram, de um modo imensamente vívido, uma série de imagens remanescentes de um outro tempo, aqui presente sob a forma de um eco, retumbando por entre os versos que o firmam.

“Sou libertina de um costume antigo
tenho o corpo feito de metais
boca de sangue e ferro
braços presos nos matagais”
(Do poema “Tenho medo”)

“Soando nas têmporas
as batidas cardíacas
a reboque de um eco forte
no alto da cabeça”
(Do poema “Marés Negras”)

Nos poemas de Dakini, os quatro elementos confluem de um modo contínuo e extremamente natural estando estritamente ligados à vida de quem vive no (e do) campo, debatendo-se com os efeitos nefastos das intempéries e jubilando com os tempos propícios ao afloramento. Desta forma, somos convidados a tomar parte de um mundo recordado e, consequentemente, também recriado, onde se ouvem as campainhas “a chocalhar nos montes” e o “caminhar das águas”, ao mesmo tempo que o fogo se ateia para que nele se concentrem “todas as fogueiras” e o “vento uiva”, apesar do seu eco adormecer sozinho “a contraluz”. 
Moção, a terra-origem de Dakini, desempenha, neste livro, um papel fulcral, servindo, não só de cenário e inspiração, como também de lugar de aprendizagem - já que foi aqui que a autora deu os seus primeiros passos e absorveu as suas primeiras estórias, iniciando a construção de todo um imaginário que a acompanhará ao longo da sua vida, despertando-lhe tanto temor quanto fascínio(...)

Do Prefácio de Sofia Gabro

Também irão participar: Grupo "Almas no Teatro, Palco Oriental, Magda Manuel São Gonçalves e Casa do Concelho de Castro Daire