domingo, 20 de fevereiro de 2022

Cantem e encantem as ruas




Apesar do medo, apesar de tudo o que nos faz andar de cabeça inclinada  a contar as pedras da calçada, ainda há  quem viva simplesmente cada amanhecer novo.

Um cântico matinal a dar vida própria às pedras da calçada. Um homem que  por mim passa, a olhar em frente. 

Sempre em frente e de cabeça levantada, cantava. Não conheço a música nem a letra, mas ele sim, porque continuava a olhar em frente com a cabeça levantada, cantava e encantava, as ruas.


Fiquei ali parada. Nisto ouço  uma criança arrastada pela mão da mãe,  colada ao seu choro, como se ele fosse a continuação do seu sono. Fazia dele uma cantoria triste logo pela manhã. Pensei! Ainda é tão cedo. Deve ter sono, ou então um medo qualquer de andar pelas ruas. Um lugar onde quase nunca se vê e nem se ouve o despertar para um novo dia, mas sim, um arrastar de pernas até que a noite chegue e nos devolva o pacto que quase fazemos com o silêncio, mesmo que a dois, ou a três, ou ao que quisermos somar, quando pensarmos  nas pedras  da calçada que contámos logo pela manhã.


(Dolores Marques )