sexta-feira, 30 de junho de 2023

Terra de ninguém


 Avistar o horizonte

e querer ver o mundo do além

é saber-se eterno

doado à terra de ninguém


Trespassar o véu e cair no céu

essa dor(mente) queda abrupta

que é sair-se de órbita

e ser-se um mero sinal no Espaço 


DM

poemas 2010

Lantejoulas


 

Procura-me na estação das flores

e na dança dos ponteiros 

do relógio…


Encontra-me em casa

onde arrumo, às pressas...

a noite 

nas lantejoulas 

dos vestidos que não uso

e que o tempo pare


Encontra-me hoje !


Amanhã é às vésperas 

do seu longínquo espaço

ainda não arrumei lá 

o meu lugar


Não me percas agora

que me esqueces

no bailado das asas

de todas as aves

que sobrevoam o Vale


Marta do Vale, pseudónimo


quinta-feira, 29 de junho de 2023

Vamos os dois, Amor




Vamos os dois, por aí acima

pelos ramos das árvores 

no tempo dos ninhos 

e dos frutos a florescer 


E depois, 

ao ouvirmos os presságios das águas 

nascentes da boca da fonte

saberemos ver nos espelhos de água:

um reflexo 

um caminho novo

uma existência ainda por nascer


Vamos juntos

subir às copas das árvores

a ver se avistamos os dois 

o mesmo Vale…


E depois, 

por sentirmos nos corpos, 

a estação nova das aves a cantar


Vamos os dois, AMOR


(Marta do Vale, pseudónimo)

Muros


 Já não me quero

em espaços fechados

onde os muros são frios

e os meus olhos

fundos inexistentes

onde o meu corpo descansa


Há a livre vontade de ir

e não voltar

a ser terra á vista

nos mares

onde a saudade se colhe

na linha do horizonte

e a tristeza se reúne

nos céus


Há estios desgovernados

e colheitas tardias

nos meus braços 


Dolores Marques

Partos


 Partos

.....

Tenho algum receio de voltar àquele chão

O silêncio ali sepultado, arrasta-se ainda como se fosse um manto antigo, agora rasgado, ensanguentado.

Ouve-se esse ruído, cujos ecos ferem os Santos ainda adormecidos. Elas, as santas estão todas vestidas de noivas. Nunca vi nenhuma grávida. Eram santas, por isso mesmo,  não tinham gerado vida. Controverso todo este cenário de água benta. Também não poderia ser de outra forma, o rio leva muita, e é  paredes meias com a igreja.

 Estou em crer, que pelo andar destes Santos, o rio Paiva estará prestes a desaparecer. Quando secarem todas as nascentes de água das encostas da serra do Montemuro,  ficamos limitados à água benta das igrejas. 

O tumulto começará aí....decerto.

Não há forma de dar Vida a algum santo. Era só para ele ou ela saberem como se irá viver sem água benta no futuro. Talvez possam dar à luz, o elemento água.

A minha mãe parou 3 filhos.

Eu fiquei no meio de dois homens.

Dizem que no meio está a virtude.

Não me seduzem alguns conceitos, resultado de frases feitas, cujo sentido é de manipular a opinião que temos das coisas 

Mas sim, nasci virtuosa porque virgem, dizem ainda os homens de hoje. Onde andará o homem de amanhã? Preciso encontrar a minha cara metade.

Virgem...preciso ser virgem...


Quem inventou que a virgindade era só um detalhe atribuído ao gênero feminino, devia ter sido castrado.... e pronto, sumia com todos os conceitos filosófico-religiosos, que desenham ainda  tiaras de flores secas nas paredes do confessionário.


Isto começa a alongar-se muito, digo o ventre.

Engordei, é isso.

Sim porque só por um grande milagre, eu podia ficar de barriga.

Virgindade, dizem que já a perdi. Eu acho que não. Sou até, "Maria e tudo", Maria Dolores é o começo do meu nome.

Como não me deixaram um resto de Virgindade, inventei um novo baptismo no rio Paiva.

Quem disse que só um homem da Igreja o podia fazer?

Se fosse uma mulher até seria interessante.

Mas as mulheres não podem dizer, rezar missas nem confessar ninguém, muito menos homens.

....mas isto já vai longe....este tipo de alarme diurno é esquizofrenia a deitar por terra todos os silêncios rasgados, partos nocturnos gerados pelo próprio.

Progenitor é ele...e não precisa do sexo oposto

Um parto de silêncio não é o mesmo que um pacto de silêncio.

Por isso escrevo. Sou livre ainda, apesar de não ser virgem....

.....


Dakini

quarta-feira, 28 de junho de 2023

Gemidos


Passou agora aqui o canto das aves

Trazia rasgado um sorriso

Como quando se ouve a Norte

O timbre do vento

Com as cores de alguns pingos de chuva


Gemido quente entre o tinir das lâminas

Amolador quedo e sisudo… pensa


Enquanto espero que um tom diferenciado

Amoleça o eco das minhas têmporas

Recebo na palidez do meu rosto

Uma asa ferida…


DM

Uma era da cor do sol



Eram dourados o céu e a terra

era um olhar cor de bronze

nascido numa era da cor do sol


Dos olhos soltavam-se faíscas

tais pirilampos a cobrir a noite


Na boca nasciam rios

à semelhança de outras eras

propícias à nova estação


No corpo germinavam 

as novas sementes

de onde nasceriam as novas flores


Nas mãos nasciam 

outras brisas ressequidas 


Nas pontas dos dedos

havia ventos ciclónicos

a separar os raios solares


Via-o sempre nos meus sonhos

esguio o corpo...felinos os gestos

olhos fixos no mesmo local

onde me encontrou


Caminhava breve

soluçava em prantos

movia-se como se fosse

uma nuvem de algodão


E foi então que se lembrou

de como as noites baixam

aos meus olhos


Sendo livre o meu sonho 

é-o na forma abstracta

dum pensamento 

a dar novas formas ao corpo 

nascido e criado no mesmo lugar


É agora a hora de mudar as cores

que nascem nas quedas de água cristalina


Os olhos tombam 

as mãos descaem

o corpo amolece

o olhar sucumbe


O pensamento quebrou-se

nos momentos em que nada

lhe pareceu igual à cor do céu


ONIX Poemas 2013

Intervalo de tempo


 Nasci num intervalo de tempo

Tempo que passa por mim como se eu fosse um dia de Inverno

Ainda que esse encontro seja marcado por um dia gélido de Dezembro

Ainda que a noite seja um resumo poético à lareira 

Serra, terra minha, mãe de todos os tempos passados à janela

O rio ao fundo

As águas passadas

As correntes de ar, agitadas no telhado

Xistosos os momentos calados


E eu deitada

os olhos no tecto

e as marcas do tempo do fogo nas mãos


ONIX. Dm


Habitantes de um lugar


Dizem que o sonho mora perto de ti

mas eu não sei onde moras

dizem também 

que tudo se move em direção ao sonho

mas que sonho é esse 

e em que lugar da noite se guarda

irrelevante caminho ?


Assombrado por silêncios malfadados

vento forte uma noite

perfil enigmático em cadeia


A monte, não é um lugar seguro


À imagem dos dias, somos

indubitavelmente

esculturas de anjos 

metade, em busca da outra metade


Um poema mentiu-me a vida inteira

Eu julgava ser a sua autora

Ele supunha ser o meu dono

para sempre 

Sempre que eu ousasse ser poesia


Soube sempre ler estes versos  

contrários a tudo o que sabemos 

ser verdadeiro ou falso 


São só uns versos curtos

que o elegem meu 


Mas, meu quê?


Não possuo esse domínio, ainda

Eu ser ele

Ele ser eu

Ou quem pensamos ser no mundo da ilusão


E tu

quem raio pensas que és, neste poema?

Deus?

Os deuses vivem no paraíso

E o paraíso

é muitas vezes o corpo de uma mulher nua 

deitada numa praia deserta 


E nós

habitantes de um lugar 

não podemos saber tudo


Mas que lugar é este?


Dakini,dm

terça-feira, 27 de junho de 2023

Eu era feliz, dizem

 


Quem diz que eu era feliz, 

não sabe nada, 

sobretudo sobre a felicidade 

ser um ser vivo

 pronto para entrar em mim 

a qualquer momento


Tu és a felicidade...

Sinto-o cá dentro, esse caminho longo

Onde tudo é possível, 

quando caminhamos Juntos


 Eu era louca dizem….

Loucos os poucos versos 

que nos definem

não sabem da loucura 

de quem nos lê


Sem poesia sou nada 

Uns parcos sonhos nascidos 

Ainda eu era menina


Nunca soube porque o era

Se pensava, falava, sonhava


Sonhava os meus sonhos

Às vezes os teus, os nossos


Eu era feliz, dizem… 


Dakini, pseudônimo 

Universo tântrico



A somar ao silêncio 

mais silêncio

mais ausência

mais dor

mais os violentos ventos do norte 

quando o meu corpo é bramido silencioso, 

templo de um único sol


(Quando o sol se põe todo o silêncio é rei)


Trajada a noite para uma longa viagem, 

tudo pode ser invertido num espelho, 

ocasionalmente ...

escrevendo um poema com a luz que desenha 

uma sombra deitada,


(Só para saber dela e de mim)


Eu sou do tamanho dela

Ela não tem tamanho 

Talvez por não ter nenhum tamanho

 não sabe como ficar colada a mim… 

despida


Num universo feminino 

o homem é dono de uma sombra decepada.


(Sobe por ela acima, esse modo único de prazer )


O dele é um caixa aberta para o mundo artificial

Os orgasmos ponderados

Soberbos os metódicos tempos 

Os gritos mudos

Os fluidos na demanda do prazer, 


(Indomáveis em gênero oposto ao real


Ao real lobo faminto   

Tudo lhe é 

Tudo lhe é concedido

Tudo lhe é farto, devido

E ele tudo concebe nos agrestes picos montanhosos


O longo disfarce da lua a debruçar-se sobre o meu corpo 

pernoita em mim, devagar

É dono da minha solidão, nunca de mim será, 

enquanto sóbrio


Terá que albergar o céu e a terra no dia a dia 

dos seus passos

Terá que erguer a taça vazia ao sol

até que do céu cheguem baptismos sucessivos

que o meu nome não deixará de ser rio

ou mar 

ou vento a soprar no vale 

onde descansam das intempéries,

os guerreiros 


A noite passada uivaram os lobos

Eram uivos cegos, famintos de desejo

Esta noite nasceu um novo cântico nocturno 

com a força do másculo 

deitado ainda sobre uma das sombras


Ontem dormiu ela, sossegada, não acordou

Hoje não sei se acordo eu, 

desassossego-me no sono

dono deste vai e vem sombreado


O Universo tântrico é um denominador comum


Dakini, “Onde Está o Homem?”

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Verbo


 Verbo


Nos bastidores de um cenário 

onde o poema contracena 

com o Poeta

os versos são meros viajantes 

em concordância com o Verbo


O corrupio é uma variável

a contracenar com os ecos 

de um silêncio mordaz

que faz conjugar os verbos todos

enquanto o verdadeiro Verbo 

se limita a ser só Poema


Dakini, pseudônimo 

Ilusão


 Ilusão


São sorrisos que inspiram 

sentimentos cristalinos

burburinho de silêncios 

na dança das águas

seguimento de um temporal

a ser domado por causa única

e singular 


(Há quietude nos teus lábios

colados nos meus)


Existo na segunda metade do tempo

imperfeita leitura nas páginas

por ti redigidas

a paixão era a de um livro

e o amor esse intocável sermão 

no altar da noite 


Mestre de silêncios

escritos antigos na solidão 

em queda livre me lanço 

sobre todos os ventos


Serva de um sentir livre

no tempo preso às marés

esse senhor fado, corpo esbelto

nascido de um furacão


(Há sorrisos que inspiram a ser eu

única até na morte lenta de uma ilusão


Onix.dm

Noite


 Noite


Agora que não sei 

em que morada da noite, 

o dia se fechou.


O agora é só um momento, 

quando eu e tu, longe ou perto

nesse habitável circulo da noite.


Só um som me fará 

despertar deste lugar

(Inabitável…)


Só o cair da noite 

nas folhas da tua árvore,

me dará um único fruto

dos colhidos no dia 

em que fomos muitos


Marta do Vale, pseudónimo

Foto tirada na serra do Montemuro

Ao centro


 Ao centro 

Nada mais do que um verso

Define o vôo de volta a casa

Onde o silêncio se propaga 

Até ao amanhecer 

Tal mendigo sem tempo certo


O prazer existe ao fundo

Onde não existe tempo

Todo o silêncio é humano

Menos o tempo de cada um

Trancados num aquário


Os olhos vidrados 

Vertem lágrimas douradas

Lampejos fúnebres

Por tão pouco tempo de existência

Nesse fundo alegórico

Onde o prazer é uma metáfora

Alheada do poema 

Ao centro 


Onix.dm

domingo, 25 de junho de 2023

Só quero não ser Eu


 Só quero não ser Eu


Porque me doem ainda os sonhos distantes...

Porque não sei como sonhar longe, assim tão longe, sem sobrevoar o Vale.

Porque sou como um veio de sangue que corre louco sem um pedaço de ti.

Porque há suores frios no meu corpo, como são os dias em mim.

Porque já não sou a mesma corrente inovadora, à procura de alguma porta aberta.

Porque sou eu toda, fechada em mim, com um pouquinho de nós.

Porque me doem os olhos nas noites em que não chove.

Porque espero pela melhor hora da coragem a encher um copo vazio

Porque sinto que morro em cada instante nosso, que vive em mim.

Porque já não sofro quando viajo na noite sem um sonho por perto.

Porque…

Porque tenho dias que me dói a loucura, outros a lucidez, e outros, a exclusão de mim.

Porque não sei ainda para onde vou.

Porque a cada passo em frente, mais caminhos se abrem.

Porque, agora só quero procurar um espaço da noite ainda em sobressalto…


Só quero não ser Eu.


Marta do Vale, pseudônimo

Ontem escrevi-te um poema


 Se o pensamento voasse


Ontem escrevi-te um poema

Só um que te pudesse falar baixinho

Da Alma ainda a desabrochar nesse jardim

Construído à beira-mar, por nós dois


Esbocei num papel rasgado

O resumo do poema 

Para que te soasse inteiro

Tal como tu és o meu primeiro


Pensei nas melhores imagens

Imaginando-te simplesmente, Amor

Ainda que numa escala invertida 

Mas, consentida pela simbologia 

De uma grafia antiga


Projectei sobre esse momento, um nome

Que me lembra ainda 

Uma mensagem singela em aramaico


Se o pensamento voasse

Resumido numa só palavra

Que nos libertasse deste caminho

Que percorremos, solitários


Marta do Vale (dm)

In Yang


 In Yang


- Não, não sou poeta. Escrevo poemas, dizes?

- Nao sei se assim os lerão.

- Lê-me um poema meu e dir-te-ei se sou poeta, ou se porventura, serás tu o poema.


- Em que ficamos? Preferes ser poeta ou poema? 

- Vou beber água à fonte que resiste ainda na casa de cima.

- Eu tenho fome. Sinto um desejo a crescer nas mãos. Acho que prefiro colher frutos do pomar. Das romãs, sugo o primeiro elixir do dia, como se fosse o último da vida desse arbusto florido.


- Os meus pés dão sinais de um cansaço estranho, como se o meu corpo os largasse, condenando-os aos subúrbios de um céu a preto e branco. 

- Enquanto isso, o meu corpo assume-se esquartejado, resistindo somente a alma, como se fosse a casa de Deus.


- O meu coração dá sinais de euforia, enquanto tombadas, as romãs se achegam perto da boca.


- Procuro rimas para um poema sem voz.


- Nada me importa, desde que sejam libertas todas as aspas que alguns poetas têm ainda presas, na garganta.


- Não, não sou poeta, escrevo poemas, dizes? 


Epifania (pseudónimo)

Sombra

 

Sombra


Não me queiras mal

que eu também não


Não te sinto perto 

nem longe  

transferência incolor de néons

cintilante desvio de vidas passadas 


Sombra...sombra...sempre tu 

equivoco rastejante  

fria

madrugada além do dia

não me digas nada hoje

talvez amanhã sejas poema

um corpo

a alma que sorri


Não sei como avançar sem te levar

sombra inquieta

melódica

metódica

amante da noite

rastro de sangue 

quebranto de um santo

ainda vivo


Herege…herege…herege

é este pecado meu


Não me queiras mal 

que eu também não 

o vento, agora companheiro

varre as sombras dos caminhos…


Guia incompleto

replecto de mistérios

não me sei noite 

nesse cruzamento de dados...

não me sei dia

nesse limiar da tristeza


No limite serei eternamente nós 

sabias disto

ser um dos maiores… nós?


Não….

decerto não

eu e aquela sensação 

clareza de um rio veloz 

corrente insidiosa 

toma-me…inerte…

sempre inerte este invólucro da alma


E tu, sombra 

que vives à sombra de mim

pára

não me afrontes 

enquanto durmo


Que sonho


Dakini, pseudônimo