terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Ecos

Lá fora
no avesso do mundo 
há um rio que deserta 
mas chora num lugar 
sem fundo

(A lua solta-se breve e costumeira
tal orgasmo do sol a colidir com a noite)

Enquanto se espera
pelo som abafado
das pingas grossas
nas vidraças
tudo é a graça
que por sua Divina Graça
une o céu com a terra

Na serra
ainda a lonjura
do tempo
se mantinha acesa
enquanto o sino
se balançava 
irrequieto 
por quanto o som 
traiçoeiro
se adentrar pelas maiores dores
do mundo cá dentro

Por demais extenuantes
eram os seus ecos
vibração, paixão
talvez até comiseração
por um rio perdido
agora por mares tumultuosos
de obrigação 
ou quiçá, pelos altares
onde se ajoelham 
todos os Mestres 
que trazem a bem aventurança
de todos os tempos

(Calados, frios e sombrios
são todos os tempos do mundo)

E ali
somente as águas paradas
recebiam as mãos abertas
para um todo
inseparavelmente cuidado
como se cuidam
todos os sonhos
quando navegam em águas brandas
até à chegada
das novas chuvas
para regarem os campos

Enquanto isso
o sino tocava às almas
e desprezava uma lágrima perdida 
na imensidão do tempo
agora espelhada na pia de água benta

ÔNIX 2016

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Cálice

Quando do céu me distanciei
há milénios
numa secular distância 
entre medos e aflorações diversas
plena era a abundância 
entre as folhagens verdes
com a nova dança dos ventos

Quando na terra me enraizei 
e a Oriente se decidiu
que seria uma só voz
a concluir o enredo da história 
de todos os que sabem onde mora 
o Deus nosso conhecido
e nós nos sabíamos 
a pertencer ao seu povo escolhido

Revigorados os campos
alinhados os bagos brancos
e cheios os olhos da imensa claridade
que chegava do cálice sagrado
sobre um rubro manto de verdade

Plena era a imagem reflectida nas mãos 
de quantos os sentados à mesma mesa 
a ouvirem as doze badaladas
no alto da torre

ÔNIX 2016

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Reflexos Meus

Sonhava ver-te
do lado de lá
deste rio

Sonhava assim
como quem vê
a sua própria
sombra
em movimentos
disformes
nos reflexos da lua

Percursos alienáveis
travessias apagadas
nas translúcidas
correntes
rio inatingível
de sonhos lavrados
em vultos caídos
Desgraça minha
em caminhos meus
voltagem acinzentada
pincelada de mistério
outrora sedutor
das águas

Auréola acobreada
na aragem que passa
camuflada
estrangulada
e ensaiada
na eterna lucidez
dos percursos meus

Alienação das águas
nos caminhos
corrompidos

Mas mesmo assim
eu quero ir
por este sonho acima
encerrar-me
no limbo posto
quando te encontrar
do outro lado
em reflexos meus
modelos teus

Dolores Marques; Poemas 2009