(...)
Na rua escura, desenhava nas suas pedras, uma esfinge cor
do ouro e trazia um sol brilhante para junto dela. Via de quando em vez, as pessoas que passavam e a rua era muito
estreita para a aventura que o esperavam os longos anos que se aproximavam por
outras vistas e outras ruas, onde os fundos existem para dar ainda mais cor à
cor aos seus olhos. Gostava de ver os rostos na conquista de mais um rosto, uma
figura expressiva que lhe devolvesse algo que ia perdendo com o passar do
tempo. Alimentava-se dos seres que o visitavam nas noites de angústia e de
solidão, quando no seu quarto se dispunha a sonhar com um mundo fantástico,
onde pudesse revelar-se um ser, caminhando por todas as ruas. Ela a mulher que
o tem, sabe-o em outros movimentos mais de acordo com a vontade que todos os
homens têm. Terem uma puta na cama. Reconstitui cenas, elabora um puzzle bem à
medida dos seus desejos. E se ela se mostrasse outra Maria qualquer, iria dar
no mesmo? Ele amá-la-ia da mesma forma? E se ela se transformasse numa puta?
Ainda não esqueceu aquele fetiche. Ele pagar-lhe para ter sexo com ela. Porque
razão então tantos homens, as procuram? Às putas. Deve haver um motivo muito
forte, para levar um homem a procurar os seus serviços, quando em casa tudo
está ao seu dispor e de graça, com todas as graças exigíveis para não desequilibrar
o orçamento familiar.
Primeiro passo, seria comprar roupa, lingerie adequada. Depois,
preparar o ambiente noturno, o exterior e o interior. Ele irá encontrá-la numa
rua escura. Ela dirige-se a ele, quer saber se gosta do que vê. Se a quer. Ele
dir-lhe-á que sim e pergunta-lhe quanto cobra pelos seus serviços. Acordo feito
e aí está uma transformação bem real sob as fantasias no submundo do sexo. Outras
ruas, outros fundos, onde o amor se compra, fazendo do sexo um tráfico de
corpos ambulantes na noite. A noite é sempre o ilusório transfigurando os
gestos que ficaram esquecidos em qualquer lugar. Uma casa vazia, uma cama
desfeita, onde uma mulher se deita e ali fica á espera que o seu homem se sinta
mais homem, tocando os fundos de outras ruas (...)
(Dolores Marques – Ao Fundo de Mary)