segunda-feira, 23 de julho de 2012

Outros movimentos


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Na rua escura, desenhava nas suas pedras, uma esfinge cor do ouro e trazia um sol brilhante para junto dela. Via de quando em vez,  as pessoas que passavam e a rua era muito estreita para a aventura que o esperavam os longos anos que se aproximavam por outras vistas e outras ruas, onde os fundos existem para dar ainda mais cor à cor aos seus olhos. Gostava de ver os rostos na conquista de mais um rosto, uma figura expressiva que lhe devolvesse algo que ia perdendo com o passar do tempo. Alimentava-se dos seres que o visitavam nas noites de angústia e de solidão, quando no seu quarto se dispunha a sonhar com um mundo fantástico, onde pudesse revelar-se um ser, caminhando por todas as ruas. Ela a mulher que o tem, sabe-o em outros movimentos mais de acordo com a vontade que todos os homens têm. Terem uma puta na cama. Reconstitui cenas, elabora um puzzle bem à medida dos seus desejos. E se ela se mostrasse outra Maria qualquer, iria dar no mesmo? Ele amá-la-ia da mesma forma? E se ela se transformasse numa puta? Ainda não esqueceu aquele fetiche. Ele pagar-lhe para ter sexo com ela. Porque razão então tantos homens, as procuram? Às putas. Deve haver um motivo muito forte, para levar um homem a procurar os seus serviços, quando em casa tudo está ao seu dispor e de graça, com todas as graças exigíveis para não desequilibrar o orçamento familiar.
Primeiro passo, seria comprar roupa, lingerie adequada. Depois, preparar o ambiente noturno, o exterior e o interior. Ele irá encontrá-la numa rua escura. Ela dirige-se a ele, quer saber se gosta do que vê. Se a quer. Ele dir-lhe-á que sim e pergunta-lhe quanto cobra pelos seus serviços. Acordo feito e aí está uma transformação bem real sob as fantasias no submundo do sexo. Outras ruas, outros fundos, onde o amor se compra, fazendo do sexo um tráfico de corpos ambulantes na noite. A noite é sempre o ilusório transfigurando os gestos que ficaram esquecidos em qualquer lugar. Uma casa vazia, uma cama desfeita, onde uma mulher se deita e ali fica á espera que o seu homem se sinta mais homem, tocando os fundos de outras ruas (...)

(Dolores Marques – Ao Fundo de Mary)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Ela a cidade...


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Mary sente que este homem lhe trará vivências de um passado também dela a desviar-se de fundos inexistentes. A comunicação à distância é uma fonte de luz que lhe indica algo que começa a ser percetível, sempre que as mensagens chegam pela manhã e se estendem até ao final da tarde. Depois vem um silêncio inquieto que se transforma em becos e ruelas nos seus sonhos. A noite vai e vem e a distância é medida por algumas frases que esboça sem saber bem o que fazer com elas. Mary, lê e relê as mensagens na esperança de obter alguma pista para entender o que é este amor, ou pretende ser na sua vida. O amor revela-se através das mais variadas formas. Há quem morra por amor, há quem mate por amor, há quem viva para morrer de amor, mas ela só quer sentir que o amor vive nela e possa finalmente atingir o fundo de uma rua onde ele a espera para juntos permanecerem. A meio da tarde, o silêncio da noite ainda permanece vivo no seu corpo. Sai para beber um café e senta-se numa das mesas da esplanada a olhar os rostos que passam.

Passou de relance uma figura, por entre os círculos de fumo que expirava lentamente. A sua pele escura e o seu jeito de andar balançando o corpo, fizeram-na lembrar os rituais à volta de um fogo ardente, onde os corpos se submetem aos ritos tribais do passado. Os seus olhos, pontos luminosos a saírem da órbita dos meios círculos traçados pelo fumo saído da sua boca semiaberta. Trazia neles, o mundo a dobrar-se sobre os seus ombros. A sua mochila já perdeu a forma redonda. O seu almoço, era preparado talvez por uma Maria qualquer que o acarinhava sempre que chegava cansado e com alguns restos de cimento no seu corpo. A obra ali de frente está quase a terminar e ele irá em outras, torneando as paredes alisando-as para dar vistas novas a outras figuras. O homem acolheu-a sem uma palavra que lhe dissesse que há mundos por descobrir nos seus olhos cor de chumbo. Olhou-a e disse simplesmente: “boa tarde”. Ela respondeu timidamente: “Boa tarde” ao que ele lhe devolveu: “bom descanso”.
Sorriu e pensou, que este final de tarde talvez lhe tenha dado uma ideia para conseguir acabar de fumar aquele maldito cigarro, apagando-o, e voltar aos pontos luminosos de uns olhos quase a quebrar as linhas impostas pelo seu pensamento. Este é um recanto de uma cidade fria. Dormita no silêncio de um dia e desperta para uma noite em branco. No entanto, sabe-se que há olhares que não se esquecem de dizer “boa tarde”; “bom descanso”, e ela, a cidade ainda a consome.(...)

(Ao Fundo de Mary - Dolores Marques)