sexta-feira, 13 de julho de 2012

Ela a cidade...


(...)
Mary sente que este homem lhe trará vivências de um passado também dela a desviar-se de fundos inexistentes. A comunicação à distância é uma fonte de luz que lhe indica algo que começa a ser percetível, sempre que as mensagens chegam pela manhã e se estendem até ao final da tarde. Depois vem um silêncio inquieto que se transforma em becos e ruelas nos seus sonhos. A noite vai e vem e a distância é medida por algumas frases que esboça sem saber bem o que fazer com elas. Mary, lê e relê as mensagens na esperança de obter alguma pista para entender o que é este amor, ou pretende ser na sua vida. O amor revela-se através das mais variadas formas. Há quem morra por amor, há quem mate por amor, há quem viva para morrer de amor, mas ela só quer sentir que o amor vive nela e possa finalmente atingir o fundo de uma rua onde ele a espera para juntos permanecerem. A meio da tarde, o silêncio da noite ainda permanece vivo no seu corpo. Sai para beber um café e senta-se numa das mesas da esplanada a olhar os rostos que passam.

Passou de relance uma figura, por entre os círculos de fumo que expirava lentamente. A sua pele escura e o seu jeito de andar balançando o corpo, fizeram-na lembrar os rituais à volta de um fogo ardente, onde os corpos se submetem aos ritos tribais do passado. Os seus olhos, pontos luminosos a saírem da órbita dos meios círculos traçados pelo fumo saído da sua boca semiaberta. Trazia neles, o mundo a dobrar-se sobre os seus ombros. A sua mochila já perdeu a forma redonda. O seu almoço, era preparado talvez por uma Maria qualquer que o acarinhava sempre que chegava cansado e com alguns restos de cimento no seu corpo. A obra ali de frente está quase a terminar e ele irá em outras, torneando as paredes alisando-as para dar vistas novas a outras figuras. O homem acolheu-a sem uma palavra que lhe dissesse que há mundos por descobrir nos seus olhos cor de chumbo. Olhou-a e disse simplesmente: “boa tarde”. Ela respondeu timidamente: “Boa tarde” ao que ele lhe devolveu: “bom descanso”.
Sorriu e pensou, que este final de tarde talvez lhe tenha dado uma ideia para conseguir acabar de fumar aquele maldito cigarro, apagando-o, e voltar aos pontos luminosos de uns olhos quase a quebrar as linhas impostas pelo seu pensamento. Este é um recanto de uma cidade fria. Dormita no silêncio de um dia e desperta para uma noite em branco. No entanto, sabe-se que há olhares que não se esquecem de dizer “boa tarde”; “bom descanso”, e ela, a cidade ainda a consome.(...)

(Ao Fundo de Mary - Dolores Marques)

1 comentário:

Filipe Campos Melo disse...

O entendimento é um árduo percurso

Um belo texto

Bjo.