sexta-feira, 30 de julho de 2010

Haveria de ser, sim..


(foto D.M.)


Haveria de ser, sim
Um paraíso
Quando me acorrentassem
E se continuassem
Nos meus olhos

Enterraria o meu corpo no chão
Para que nele se deitassem
E se espreguiçassem
Como o sol se espreguiça na eira
Após as colheitas de Outono

(Esse Outono verde nas pupilas dos meus olhos ainda em sangue
Pelos mendigos que nunca viram o mundo)

Haveria de ser, sim
Um paraíso
Se neles encontrasse o tamanho das searas
Se deles desenterrasse as boas marés
Restolho de uma santa fé
A rolar, sempre a rolar na tômbola sagrada

Formas encontradas em vórtices giratórios
Cristais e mais pedras preciosas
No centro da terra
Cristalizadas por Júlio
Ou por um paraíso de nome Verne
Que de tanto esmiuçar o ar
Caiu, caiu
Em cima de um velho
E desmistificado centro

Vem comigo
Levo-te a ver
Aquele ponto escondido
Que foi meu e teu



Quando nos perdemos
No paraíso de Galileu

Vou contigo
Sempre que queiras
Amar um corpo
Que já não é meu
Por ser só, uma açucena
A esvoaçar no deserto

Tão perto que estaria desse mar que é teu
Se me dissesses onde fica o meu
Tão longe, tão longe, desse céu
Que foi oceano
E terra
E se perdeu

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Um ponto no escuro (P/José Antunes)


Seriamos muitos mais que um esqueleto no escuro
se soubessemos decifrar os pontos de uma tela em branco

Nela imprimiríamos as cores de um olhar sedento da forma das palavras

Seriam elas…
um novo colorido de gente
a desafiar o destino
a encantar o mundo com a beleza que lhes confere um corpo
que por ser as vestes da alma
traz consigo tudo o que ela precisa
para ser mais que um semblante desajustado ao mundo

Do absurdo sonhar…ao ambíguo sentir (de josé Antunes


(foto in Olhares. com)
*
Neste meu pobre mundo
que a sórdida fome açoita
com chuvas luarentas
onde se degrada a alma,
nele
deixo gravado em sangue
a fúria de cada sentir
na boca sem músculo
como o sabor da própria sede.…
*
Deixo que o débil existir
seja a fluidez do esqueleto,
de que o infame quotidiano
é seu exclusivo fim…
é nesta cela de névoa
pela angústia desenhada,
que defino o rumor
dos íntimos retratos
do meu abstracto!
*
José Antunes

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******************

sábado, 24 de julho de 2010

A rosca, a víbora e a lágrima

(Imagem google)


Perfurando à queima roupa
Trazendo na extremidade
O antídoto já pronto
Afoga-se no seu próprio veneno

A víbora…

Tiram-se as medidas
Em comprimento
No cumprimento
Do dever cumprido
E limpam-lhe a pele
Com uma lágrima

Mas de tanta poeira
Na atmosfera onde vive
Ante o antídoloto
Ela morre

A lágrima…

Sub-entenda-(se):
Dor lacrimejante
Abonando as medidas
Mais que desajustadas
À sua silhueta curvilínea

Firme, tão firme
Como as curvas
De uma rosca afiada
Laminando-lhe os pontos
Luminosos

Da lágrima…

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Escorre-se-me, por dentro

(Tela de Paula Rego)
*
Escorre-se-me nas veias
Este frouxo alento
Vírus embriagado na minha dor
A intensificar-me o desejo

(Sim, este forte implante, cravado em mim)

Há um portal no mundo
E um nome à espreita
Há uma hora tardia
E um tempo já morto
Há uma noite aberta
Onde me estendo ao comprido

Espero-te no início de tudo
E quero-te:
Meu princípio
Meu fim
Na soma do mundo

(Tenebrosos os gentios
que me deixam só, no Universo)

Um mundo
Que me é o inverso
A cair-me madrugada
Um mundo
Em puro devaneio
É dor da minh’alma
Um mundo
Que me esquece
Na flor que brota dos montes

(Alecrim benfazejo, à espera do sol da manhã)

Escorre-se-me por dentro
Este frouxo alento
Que me tem
Só…sempre só
Até ao último suspiro

Intensidade (de Inês Dunas)



Há um aroma a flores nas lágrimas que tombam...
Uma fragrância suave que reveste o cemitério dos pássaros que morrem em campos desafogados, no dia em que se fazem os ninhos...

As lágrimas são como nós, têm medo de morrer sós...
Num bailado de solidariedade, as lágrimas lançam-se do precipício dos olhos sempre de mão dadas...
A intensidade com que caem no chão é tão violenta que o chão não aguenta e abre-se em fendas de pranto, trespassado pela dor.
E o embate esbate-se num silêncio mórbido, como se a sua morte, fosse o inicio da morte do mundo...
Todas as lágrimas nascem com medo de morrer por isso tentam esconder-se umas atrás das outras, tentando passar despercebidas, para não serem escolhidas...
Algumas, as mais fortes, agarram-se às pestanas, imploram, choram, lutam pela vida...
Mas os olhos são apaixonados pela dor, estão cegos de amor e querem oferecer-lhe o brilho das lágrimas, para a conquistar...
Então sacodem-nas, pisam-lhe as mãos com as pálpebras, obrigam-nos a escorrer cara abaixo...
E elas tentam agarrar-se a uma ruga de expressão, numa réstia de esperança em prolongar a vida que lhes ditou o destino de nascer apenas para morrer, suplicam perdão...
A voz vê-as passar a arranhar o rosto, e soluça violinos de desgosto...
Os dedos tentam agarra-las, mas as lágrimas só podem ser tocadas por outras lágrimas...
E os lábios comovem-se por as ver fenecer e tentam beija-las antes de morrer...
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De Inês Dunas, aqui

"As lágrimas são como nós, têm medo de morrer sós...
Num bailado de solidariedade, as lágrimas lançam-se do precipício dos olhos sempre de mão dadas..."

Escreveste a dor espelhada no rosto.
Lembro-me de quantas vezes, quando estou triste, o espelho me mostra logo em primeira mão, um rosto caído, pálido, sem vida.
Quiseste vencer-me: entre ter um rosto caído no chão e um olhar em direcção ao céu, mas eu gosto de olhar para cima e ter gotas de orvalho a inundar-me a face. Gosto de pisar a terra e sentir-lhe a dureza fria nas solas dos pés, lavá-los com as águas da chuva que passaram já pelo meu cabelo.
Gosto de te saber aí sem dor, sem palavras que me façam olhar o chão e ver cair uma lágrima perdida do meu rosto

Gosto de te ler Inês. A tua poesia é forte até na dor
beijos

Dolores Marques

Aromas

(foto, DM)


Fascina-me
Esse intenso aroma
Esse implícito coalhar
De água benta
A parafinar-me o peito

Envolvência
Que me põe a descoberto
Sempre que me cobres
Por um beijo suado
Trancado pela brisa da noite

Entras sempre
Pela porta errada
E deitas-te no meu corpo
Como abutre perdido
Na montanha

Essa irmandade
Criadora
Quando te esvais
Enérgico
A furar a madrugada
Ainda em flor

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Luminescência


(Foto DM)

Encontro-me em estado anáfora
Benzina que se ergue nesta simetria
Ao encontro da miopia ardente dos meus olhos

(Há um norte e desnorte que antecipa a vida caída no meu regaço)

Imagino-me em chão aberto
Cárcere de um tempo em que me sentia nua
Mendigando pelo pão-nosso de um dia só

Abençoado aquele que me oferece as searas
E m’ilumina as noites
Abençoado aquele que me esquece
Enquanto mendigo o Amor por outros caminhos

Calorosos momentos em que me ofereço em veneração

Por uma morte esquelética a cair nas esquinas por onde andei
Que m’ afronta
E m’amedronta os olhos

Santificadas sejam as vozes
E beatificados os corpos que descem à vida
E que esta terra infame me cubra por inteiro
E me reparta em pedaços

Retalhos mórbidos de um sono perpetuado na tua boca
Abundância fanada por um viajante doutros mares
Em derrame pelo meu corpo

(Aguardo pelo sol, ou pelo que resta dele, enquanto moribunda ao teu olhar)

Que seja meu companheiro
De um caminho a Norte
Que trespasse a minha pele já fétida
Que se submete à sorte de um aconchego a Sul

Que nas planícies, eu veja de tempos a tempos
A história dos nossos dias, num raio crescente
Que acima de nós, se avistem os astros
Que me falem alto de um ponto
Em que te encontro

Fiquei muda e quieta
E já nada me move deste espaço
Onde assento a minha dor
E mostro-te que há mais
Muito mais a Sul
Para além desse mar que nasce no teu colo
Acabrunhando a arte de bem saber existir

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Entre um sim e um não...

(foto DM)
*
Como sobreviverão os supostos entendedores dos estilos marcados, que depois de esculpidos, são marcas sãs pelo corpo, pela boca, pelos cabelos, enfim, por todos os poros da sua pele branca, tresmalhada, desconfigurada…,arreada nas margens de um rio que corre e passa tão devagar, já perto do mar?

São cupidos para um mar ardente de solidão

De sonhos não, porque deles não se alimentam. Repartem-nos de refeição em refeição. Enfim…poder-se-á dizer retalhados aos molhos, dispostos no chão...tais vampiros que viajam na noite à espera de sangue novo, vivo, porque mortos já eles estão.

Como sobrevirão quando lhes faltar os modos, as flores, os sorrisos, os beijos, as trocas de letras alternadas e pesadas como atributos de contramão?

Ensopados, revestem-se do mais puro quilate, e vão, e vão, sugando, as mais-valias de um sim ou de um não…

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Post-Scriptum (de Sophie G.)


S
e
n
t
o – me
como se ainda te escutasse
Como se este lugar vazio……..nada me
dissesse
como se, do princípio, restasse
………………………………………………a me tade
(E do comprimento oculto
………………………………….da lágrima,
rompesse o movimento silenciado
………………………………………………….do verso.)

Tranco a voz em concha
……………………….na mais escura fraga.

E, do fundo das águas, recua
…………………………………………o clarão
da treva.
São destroços de mármore
ao longo do lado decifrado
…………………………………….do canto
………………..São dois palmos
………………………..a meio
e um archote vergado
ao centro.

(Serão passos sobre espaços
…………………………………….formas libertas que se escoam.)

Ao nascer da névoa,
……………………………as primeiras aves
……………….emergem do tempo
Pelas arcadas nuas
………………………….Sobre as terras fundas
No tear da pausa
…………………….de um rosto incompleto.

P .r .o .l .o .n .g .o .- .m .e
……………………….onde as aves se despedem
E sobre as iniciais
………………….s-o-l-e-t-r-a-d-a-s
…………………………………………..do nome
Inscrevo
«Sobre-nome
………………………………..de Meu Começo
*******************
Sophie G. http://www.worldartfriends.com/userinfo.php?uid=367
************************

Não há como ficar indiferente à forma, ao conteúdo e principalmente ás imagens que contém o verso, o inverso e naturalmente o reverso de que se revestem, quando tentamos sobrepô-las num ínfimo espaço fechado
- Será este espaço, o tempo onde te sentas e recordas o mundo que já foi teu quando ainda eras criança a brincar dentro dos teus olhos?

- Serão estes versos reescritos nas memórias trancadas de uma vida ajustada a ti mesma, quando te levantaste do chão e seguiste novos rumos num espaço aberto a novas investidas?

- Será a tua imagem reflectida num espaço liberto de todas as outras que formaram à tua volta um circulo englobando todas as outras figuras geométricas?

- Serás tu um outro movimento a completar o círculo?

Sophie,
As tuas imagens transportam-me para um mundo onde tudo é possível e principalmente onde o AMOR e a PAIXÃO, se revestem da mais pura alquimia formando novas partículas em todas as dimensões possíveis.

(Dolores Marques)

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Sommerville in "Solidão"

(Tela de Paula Rego
Ah…Esta angústia
de ser
somente só o estúpido ruído
das paredes
à prova de som
*
de Sommerville
**********

Arrepiante esse ruído que nos transforma em estátuas...
Virgens por dentro e gastas por fora

Mensagens do Tempo



(Imagem Google)
*
Sempre que me faço estátua
Nas tuas mãos
Sôfrega de um olhar atento
Lês-me imagens fidedignas
De um sonho distante
Mas presente nas mãos calejadas
De quem sofre por medo
Do tempo

É este vento
A cortar-me o ar que respiro
Que me diz de um sítio
Onde encontrar
A rosa dos ventos
Calada
Inerte
E sem norte
Ou nascente
Ou poente

Jaz num pedaço de papel
Que me escreveste
Enquanto eu dormia
Sem me agasalhar
Deste frio desnorte