quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Nevoeiro





O ruído é um surto
Mas as vozes abafadas
Na densa neblina
Trazem a misteriosa manhã
A esta cidade ensandecida
Onde os corpos
Se afogam
E rogam
Por mais uma noite muda
Nas avenidas mortificadas
Onde as gentes se perdem
E os amores se consomem

É esta a forma exacta
De um dia que chega
E com ela ainda a noite
Calada e sufocada

Parafraseando o medo
Em frases curtas
A alma não respira
Nem inspira
Os silêncios guardados
Numa manhã fria
Essa lâmina
A cortar o pensamento
Em bocados

Será mulher de antes
De agora
Ou será antes
Uma para depois
Do último adeus
Quando a noite cair
E o nevoeiro partir ?

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Pensamento Invulgar

Enquanto me sei num ponto de um pensamento vulgar
Um acontecimento vibra como vibram todos
Os pensamentos que saem do seu devido lugar

Pressinto que já fui uma coisa qualquer
Nem que seja só um pensamento
Sobre algo indefinido a viajar
No espaço ocupado por todas
As células desorganizadas
Na elaboração de uma catedral imensa
Onde se guardam todos os santos
E todas cruzes da santa fé

Fé em mim, que me pressinto e sinto
Enquanto as pedras tumulares caem
E os altares se retraem
Na reconstrução de novos horizontes
Aos mais incrédulos

Em série, vão os pensamentos
Sendo uns e outros
Uma coisa a sobrepor-se a outra coisa
Vulgarizando e destruindo
Todas as coisas

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Vão-se os Modos, Esvai-se o Tempo




Dominadora da montanha
A sacudir as correntes mornas do rio
Rodopiando num frenesi inovador
É a mestria do vento
Usurpador do sol
E libertador de todas as forças estranhas
Em cada alvoroço da noite

Aguarda-se pelo rejuvenescer dos montes
Em cada amanhecer dos pinheiros
Enquanto as pinhas se soltam desregradas
E em queda livre
Apaziguada pelo tinir fresco da brisa matutina
A embaciar as vidraças ainda fechadas
Das casas dos romeiros
E dos pregoeiros
E até dos lamaceiros

As horas acasalaram já com os segundos
E os relógios não sabem quando é a hora
De rodar os ponteiros
Neste ermo coberto de musgo
Pela humidade crescente
E assente em cada morro esburacado

Vão-se todos de uma vez
Mas ficam as marcas
De uma lufada de ar fresco, talvez
A suavizar os gestos
Que de enxada na mão
Arremessam nas tumbas dos mais sacrificados
Com golpe de mestre
Os acervos
Mutilando os servos
E os almocreves, da dita plebe
Ainda sem motivação para rezar
Unificando os tempos das ditas temperanças

Vão-se os modos
Esvai-se o tempo em que se entrelaçavam
As contas do rosário
Na dureza da carne
Que enchia os dedos todos de uma só vez

Vai-se o tempo em que se castigava o chão
Com pegadas do homem a caminhar descalço
Com desembaraço
Mas esgaço

Eu em Ti

Sinto a garganta seca, árida e ofegante

Como quem deseja um copo de água fria

Num deserto abrasador



Reparo na imagem imaculada

Faraónica e predadora do desejo voraz

Sanguinário do teu corpo

Fico fria, impávida e serena



Carne despida, mergulhada em suor incolor

Palpitante a serva do prazer carnal

Lúcida, atenta e pronta para o amor

Mas o coração fraco em batimento irregular



Amor eleva-me ao bradar de um salmo

Navega comigo na cauda de um cometa azul

Vai…leva este ser a viajar

Coloca-me na almofada do teu leito

E ajuda-me a não acordar do sonho

De mulher fonte do mundo sem fim



Energia do prazer invade o meu jardim!

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Dor

(foto DM Serra de Montemuro)



Rosto cálido
Mas deformado
Pelas agruras
Dum tempo
Sem tempo

Face nua
Marcada
No espelho
Pelo infortúnio
Cicatrizada
Pela corrente
De uma lágrima
De esperança

(Tempo
Dá-me tempos
De incenso)

Alvura da montanha
Mágica, peregrina
Do seu tempo

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Acordar da Manhã

(foto: DM)

Inconsciente mas ciente
É o tempo
Em que se abrirão as portas do futuro

(Varre-se-me da memória o espaço sagrado)

Descrente…mente
Porque não sente
Negligente… consente
Mas não se sabe gente
Vagabunda…esvai-se em pó

Visionária do mundo
E crematória de um espaço nu
Santificado lugar onde a alma repousa
E nunca fica só

Selados os passos mas desnorteados pela estrada
Sortilégios são esses momentos cárceres
Nos horizontes perdidos dos meus olhos
Por todas as horas passadas
E por todos os dias transformados
Em mediáticas figuras
Sombras de um mundo
Configurações obtusas à roda do imaginar fortuito
A remendar o sonho

(Fragmentos transformados em fantasias reais)

Esse descuido meu
Que me persegue enquanto cega
Por corredores sombrios
Esse nevoeiro a atafulhar o silêncio que me circunda
Essa consciência acabrunhada
Por não saber de criteriosos saberes
Esse caminho onde me principio que desconheço
É onde me leva ao encontro do latejar
De todas as partes densas do meu corpo

Realidade presente a encher bolhas de ar
No longínquo espaço
Sumindo-se na atmosfera consistente
Onde o pensar é improviso e enganador

O nevoeiro cai
O dia renega a noite
A mente aconchega-se e reparte a sua parte
A névoa que se esvai
Enquanto o corpo sustenta as novas partículas
Com o sempre novo
Acordar da manhã

Extraviados

(foto: DM)


Lembro do tempo em que parti
Das ausências e das presenças
Das semelhanças dos rostos mediáticos
Dos farrapos vestindo a magreza ainda acesa
Por todos os donos do chão que eu pisava

(Magros os gestos no amanho
Da imensa e colorida terra firme
Acusada de desleixo
Pelo abandono dos seus antepassados)

Estranha forma essa que a sustenta
Alma errante num espaço inócuo
A fome alimentava-se no seu corpo
Etéreo círculo consumido pelo fogo

São braços que se erguem
Em nome de ideais esquecidos
Mas lembrados por todos
Os entes queridos que tombaram
No mesmo espaço
Ocupado que foi, mas desertor
Na copa de uma árvore que fita o céu
E arranha o ar com os galhos já secos

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

A poesia de AnaMar



Dor(ida)






Dói-me o cabelo
(não a cabeça)
mas o cabelo que cai sem ser Outono
chuva em meadas de fios (a)dourados pelo tempo
que os teus dedos já não penteiam
em suaves sobressaltos embaraçados pelo vento
cabelos livres
cabelos lisos, tão lisos
searas de trigo amadurecidas pelo teu beijo (a)guardado
rios de luz que o sol reflecte
águas revoltas no amar de corpos
cabelos meus e teus em toques de almas
cabelos que se perdem no tempo
em que as carícias
escasseiam
escorregam
pelos cabelos alinhados
finos
ralos
penteio-me no outro lado do espelho
onde
permanecem inquebráveis
os cabelos
com que te revolvo os dedos
as mãos
o olhar
o corpo até ao coração.
Sorrio aos fios dourados
com que teço gestos
de sim (n)em não.

*******************


AnaMar (pseudónimo)

O livro esperado (de AnaMar)



Um convite para todos. Conhecidos, desconhecidos. O livro esperado, de Anamar, é já, Sábado, 26 Novembro, 15h00, Palácio Belmonte, em Lisboa, a sua apresentação

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Mar adentro

(Foto: DM)


Enquanto espero pela recaída do meu corpo
Vou caindo nos teus braços
Deixando que m’embales nesse mar que é teu
E me leves a viajar rumo a novas descobertas

Já nada impede este meu canto
Enquanto musa adentro do mar alto
Sabendo de todas as viagens consentidas
Mas não sentidas
Num corpo que esmorece
Enquanto a lua não acontece
Também ela nos meus braços

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Sendo Livre o Sonho



(foto: DM)



A ave que se esgueira pelo telhado
Em busca de alguns pingos de chuva
Que restaram da noite
Mata a sede e remedeia o seu corpo frágil
Para início de mais um pico migratório

Mistérios guardados debaixo das suas asas
Até à próxima estação
E eu aqui a tentar descodificar um som
Que se ouve agora no alçapão

Será um sonho? Uma visão?
Ou simplesmente uma ave
A tentar assimilar todas as formas
De como saber voar ?

Sendo livre o sonho, sonha quem quer

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Periferias

(Escultura: Ricardo Kersting)




Como é bom saber-te
Nessa periferia
Do ir e voltar
Um jeito multiforme
Sabedor das formas
Humanizando e retratando
Numa rotação única
Mas contida
Nas fases da lua

Esse Universo das cores
Hemisfério alegórico
Onde mestre, se é
Ou simplesmente alma
Em busca da província
Das mil cores

Como é bom conhecer-te
Alegria por seres vida
A recriar novos modos
Olhares eruditos
Explícitos na unicidade do Ser

Essa certeza que tens
Esse dom que reténs
Na pedra talhada
Pelas tuas mãos
Quando de lá
Se soltam os sons
De outros tempos medievais

Como é bom sentir-te
O epicentro da tua vontade
Um querer profundo
A emergir do centro
Onde nasceu um dom
A abrir novos portais
Dos templos ancestrais

Esse movimento interno
A devorar as trevas
Dum saber externo
Simulacros, artefactos
Estética e ética
Melodias em serigrafias
Desejos a crescer nas furnas
Quando ainda há telas em branco
Nas pupilas dos meus olhos

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Gaivota

Enternecedora fonte de energia que me envolve. Belo é o ocaso, alaranjado, deslumbrador a entrar pela retina do meu olhar enquanto fumo um cigarro. Ao fundo da praia, junto à rebentação das ondas num baloiçar quase sincronizado, saltitando nos salpicos da maré, uma silhueta rasga o ar que respiro neste fim de tarde, através do seu andar cativante e belo.



Acendo mais um cigarro, fecho os olhos e mergulho no som atabalhoado a irromper por instantes o silêncio onde me isolo. As pestanas estão imobilizadas sob as pálpebras fechadas, o meu meditar é contínuo ao baloiçar do pensamento duvidoso, atormentado e trancado.



Nisto como em forma de braço estendido um raio de luz, rogando…(Agradeço à força motriz, por elevar a minha mente a um novo estado).



- Dás-me um cigarro?



Este som arrepiante liberta num frenesim insaciável todo o meu ego, enquanto o coração bate a um ritmo descompassado, e as ideias se aglutinam numa orgia de sacrilégios carnais.

Em transe

(foto: DM)



Ao centro de uma ara, jaz um corpo sem rumo:
sofrido, esquelético, de tez corroída por canais de um tempo sem fim

Nos seus sonhos voam anjos em espirais, montados nos seus unicórnios alados

O céu é de um tom anil e enternecedor – mortalha que o limpará de todos os males do mundo.

Desperta-o uma dor lancinante
O seu coração trespassado por uma seta com ponta de diamante e resplandecente inundando as cores do arco-íris.

Em transe, ergue-se o seu corpo e ouve-se a sua voz:
- Também sou pó

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O lugar dos eleitos


Existe o lugar dos eleitos, onde te coloco e te elejo o sabedor de todas as minhas formas obscuras e sem sentido, de todo o meu jeito que te arrasa enquanto ser. Todos os outros se sentaram ao meu lado e não me souberam sentir nem me souberam mostrar o seu jeito e que por forças adversas não se conseguiram reerguer, tentando levar-me para um espaço que tento abandonar há muito - o lugar dos mortos.

Existe agora um novo ser, um ser que tem medo até de ser, pelo que sentiu e viveu no lugar dos eleitos. Saberão eles continuar o caminho e dizerem-se mestres de todas as formas que lhe foram dadas e relatadas até ao mais ínfimo pormenor? Saberão eles que o meu lugar foi só um espaço ocupado por todas as formas que se diziam disformes, para que se pudessem desenterrar todos os pontos negros que se foram amontoando até à conclusão de um processo que se diz agora morto mas que ainda não foi liberto para se poder processar de novo?

Existe sim o medo, um calafrio na espinha, um desmembrar de um corpo que se remete de novo ao isolamento, enquanto a alma parte em busca de todos os seres e quer encontrar o teu lado lunar, o espaço onde guardas todas as memórias de uma vida que se quis mostrar, que se quis sentar a teu lado para que lhe desses novas formas. Este será sempre um modo único de ser um ser em movimento, enquanto a lua se movimenta para dar nova luz à noite que me acolhe, enquanto não chegas.