quinta-feira, 29 de março de 2012

Sombra

(Foto: Pedro Faria)

Descem à montanha
As cores do Inverno
Sobranceiras melodias
Enchem as levadas
Metálicos os traços
Riscam no ar
A nova silhueta

(Dissolve-se na neve
Que derrete
Enquanto a montanha chora)

Que é da cúpula
Onde adormece?
Que é do resguardo
Onde se esquece?
Que é do remate
Do seu corpo?
Que é de todos
Lá fora?

Já o sol se põe
E ela sem saber
Onde descansar o corpo
Já a noite chega
Rival da sua sombra

Estivais outonos
Que lhe ensinam
A separar as águas
Enquanto na terra
Amadurecem os frutos

Já o dia começa
Estigma do seu saber
A encolher-se
Perante a hecatombe
Dum raio de sol
Partido pela metade

Todo o sonho nasce
A preto e branco
E se faz luz crescente
Nos seus olhos

Sombra inquieta
Adormecida na montanha
Gelo dos seus medos
Inverno dos seus dias
Ressequidos

Tudo é mudança
A acontecer na tela
Onde se esquece

(Sombra
Um eu que termina
Um outro que começa)

segunda-feira, 26 de março de 2012

Tempo de mudança



(Foto: D.M.)



Sei que me olhas

Como quem vê o horizonte

Como quem sabe que para lá

Existe um novo movimento

Em espera


A vida que se quer

Como quem sente

Que cada passo

Será um começo

Na linhagem do tempo


Esse meio tempo

Que nos espera

Nascerá tão breve

E removerá todos

Os exímios traços

Que a linha da vida

Nos concede

Enquanto esperamos

E desesperamos

Pelos tempos de mudança

Mundos

(foto: D.M.)




Estou cada vez mais próximo da fonte, da real vontade de beber sem me embriagar com partículas poluentes, que causam distúrbios moleculares intransponíveis.

Transcendendo a livre circulação das correntes estagnadas, talvez a concentração das águas paradas me faça retroceder e ver à transparência uma nova imagem, cristalizando todas as vontades de me aventurar por novos rios sem saber onde encontrar a nascente que se perde na montanha.


Lá onde o céu começa e a terra acaba para dar novos mundos ao MUNDO.

sábado, 24 de março de 2012

Silhueta

(Foto: D.M. - Rio Tejo)
a sombra
silhueta tosca
a acordar a manhã
e ninguém dá por ela
gélida, assumida
travestida

o rio em silêncio
traz a correria
das águas pardas
à cidade
a rua completa-se
com o desassossego
das gentes que
enchem as vielas
e com elas
a verdade nua
mas crua
da manhã submersa
no nevoeiro

o relógio parou
na noite
estancou a madrugada
num rosto deformado
e simplesmente gente
gente disfarçada
dum pudor citadino
e com ele
um novo peregrino

quinta-feira, 22 de março de 2012

Infinitamente



(Foto: D.M)

Onde queres que vá contigo?
Ao fundo do poço? Não posso! Posso sim amparar-te a queda e assegurar-me que não cairemos os dois
Ignorante!
Não sabes, que não há asas que amparem o voo entre quatro paredes?

A água estagnou lá em baixo!

O resultado da queda será um amontoado de esperanças vãs, sem a consciência de que a água é a tonificação para todos os males, mas não aqueles de que sofres. Esses serão sempre o teu habitat, serão o que quiseres menos a tua consciência em águas profundas a nadar sem braços nem pernas.

Seguro-te mas planamos os dois! Tu serás a ave, e eu, as asas de um condor que voa o último voo até atingir um novo horizonte.

Se de horizontes falo, falo-te sempre de novos. Uns são a sequência de outros. O meu horizonte é o limite até atingir novos limites, infinitamente para lá.


Loucura


vivo em demasia
a loucura
do mundo todo
que há mim

talvez um sonho
ou uma verdade
que se quer
vontade minha
que desconheço

essa ingrata
que se quer
inteira e livre
só para mim
expõe-se assim
sem limites
desenquadrada
do espaço
que me aguarda
sempre

segunda-feira, 19 de março de 2012

Imagem Indefinida




(Tela de Leila Proença)




Se me confundir com a imagem

Que me diz de mim

Não quero saber dos momentos

Que ela me traz

Porque me sei arredada do céu

E cairei na terra amolecida

Pelos meus passos


Saberei dar uma nova forma


Às minhas doidices

Como se me soubesse

Num cubo de vidro

A limar as arestas

Que definem o espaço

Em estado etílico



Furo com os meus olhos

Os pedaços que sobraram

Da queda que dei

E não serei nunca à sua medida

Para tornar a ver a luz do dia



O céu é a cor do meu leito

Quando me deito

Mas entro num sonho

A preto e branco



Noite tão noite

Como a sombra desenhada no chão

Dia tão dia

Como a visão tornada ilusão



Tão branco o branco

Dos meus olhos

Tão negra a sombra caída a meus pés


A imagem indefinida sucumbiu








terça-feira, 6 de março de 2012

Princípios

respira a palavra
de ordem
natural(mente)
o momento intemporal
do homem
e o ritmo
dos dias
o último lamento
dos tempos
que se amofinam
no silêncio
e se perpetuam
nos atos
princípio de todas
as telas
enquadradas nas paredes
de um altar
e o terço em redoma
acabrunhado gira
perante o reflexo
dos dias cinzas
e em cada ímpeto
finda a respiração
do homem
desusado
arrepiado
encurralado
assim se principia