sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Saudações



Saúdo-Vos Amigos de todos os tempos, amigos de um tempo que não cesse nunca, para que não me sinta só mais uma pessoa a caminhar descalça.

Caminho mas num andar brando quase inanimada, sem força nas pernas , nem a força necessária no corpo, para poder avançar.


Esforço-me mas não sei como chegar, sem pisar as mesmas pegadas que já foram varridas pelo tempo há tanto tempo.


Amigos que me vêm sem me saberem de outro lugar, que não o das palavras que escrevo, vêm além delas mesmas, ou então, além de mim neste plano onde o abandono se fez lugar e o esquecimento se fez pesar na minha mente.


Tento alcançar a longevidade, doação desde todos os tempos mas não sei onde me encontrar.


Tento lembrar todos os eventos que tiveram lugar, num outro lugar e não alcanço esse lugar


Porque nada me diz nada, não sei como conseguir chegar.


De que vale ter olhos e não ver, ter pernas e não andar, ter corpo e não se saber movimentar,ter os sentidos todos, e não saber como usufruir dessa dádiva de todos os tempos.


Tenho medo de cair, e caio tantas vezes quantas as que me fizeram chegar.


Tenho medo de andar e ando tantas vezes quantas as que me fizeram partir.


Só sinto medo:

medo de perder o andar

medo de perder a fala

medo de perder a visão

medo de perder a sensibilidade necessária para o prazer desmedido que me faz ser ainda alguém, pronto para aceitar a vida e tudo o que quiser ser, ou não ser, mesmo sem conseguir caminhar.


Saúdo-Vos amigos

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Auroras Boreais






Gostava de poder acordar
A cada manhã
E falar-te de luas novas
Que nasceram
Durante a noite
Para que o teu renascer
Fosse leve como a brisa
E o teu despertar
Auroras boreais
Nascidas no meu olhar

Simples e concreto
Como um sonho
De onde saí ainda agora
Quando abri os olhos
E te vi aí sentado
À espera de novos horizontes
Num olhar novo

Sentir leve



Se a vida me quer
Porque não hei-de eu ficar
Do lado de cá
A sentir só, um sentir leve
Como se a vida fosse
A primavera a brincar
E o inverno a lembrar
A ternura que o verão
Deixa ao passar?

E áureo o Outono
A respirar







(Foto - Serra de Montemuro)

Ode




vadia é a noite
sem caminho
nem assento

a sapiência
é a medida exacta
que desvanece a fé

a matriz
cruza-se
no infinito
sem crença

angustia-me
não ver
não ouvir
não sentir
não distinguir
o emergir
esventrado
num corpo

assusta-me o silêncio
o pensamento sufoca-me
molesta-me esse
som perturbador

apartada é a alma
que não ouve a ode

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Se eu fosse só eu





Se as minhas dúvidas caíssem


Sobre os fardos de palha


Onde me deito


Quando na terra


Visito os altares de renome


E m’encontro


No meio de todas as lutas


E de todos os pontos


Que me fazem acabar


No meio da escuridão


*


Se as minhas raízes


Continuassem a descer


Sobre o ventre da terra


E quisessem saber


Das dores de um parto


A colher o sémen


De todas as colheitas


*


Se eu fosse só eu


Nada me faria largar


O meu eco antigo


A rasgar


As entranhas cristalizadas
Das cavernas


Onde guardo os olhos


*


Se eu fosse


Uma gota disseminada
A cair-te do alto


Pranto onde se guardam


As dores alheias


Estaríamos os dois


A furar as portas blindadas


De um céu que cedeu


E se fez horizonte


Nas nossas madrugadas


»


(2010)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Eras





O tempo escorre
Como o leito
De um rio
Corre para a foz

Indefinição
Que mede
Um espaço
e

O renega
Fraco espírito pedinte
A passar pela
Nova Era
Na espera

Refinado lugar das águas
Atroz
Veloz
Perdido
Sem voz
A finar-se

Nas correntes prenhes
Dos detritos
Graníticos da serra
Que já não ouve
O uivo do vento
Nem o sente
Senhor
e
Rei

O tempo
É cicatriz
Em ardósia protectora
De um telhado tosco
Assente em barrotes
De madeira de lei

Feito
Ou contrafeito
Movimento interno
Alimentando o tempo
Da mudança
Cravado

e
Estancado
Nos medos grotescos
Nos feitos gigantescos
De todos os tempos
Que eu simplesmente
Não guardei