segunda-feira, 31 de março de 2014

Chuva

Hoje vi um poema
que dançava  à chuva
inspirava  ainda
a ordem natural
de todas as coisas terrenas
ao beber a última
gota que descia
de uma chuva miudinha
que quase se perdia
nas pedras da calçada


DM

quinta-feira, 27 de março de 2014

Luz na cruz

Transcendente
o aconchego da manhã
como se o dia quisesse
eternizar-se no meu corpo

Inspira-me num verso nu
suavemente
e lentamente
se faz luz
na cruz

Mas, o arfar do peito
indigente
intransigente
não consente
absorve-lo por inteiro

Ainda e só
carrego às costas
um ser moribundo
que nasceu agora
de um espasmo
contraditório
à luz

DM/Dakini

terça-feira, 25 de março de 2014

Ar

Sofria de claustrofobia
mas tentava
encontrar
um buraco fundo
para aí se multiplicar

Encontrou-se por fim
trancado num balão de ar


DM/Dakini

quarta-feira, 19 de março de 2014

Amanhã...Pai

Amanhã,
quando aqui
não estiveres
esperarei por ti
num tempo
ainda por vir

Amanhã,
serei semente
nos campos
onde outrora
correram rios

Amanhã,
regarei a terra seca
onde ainda existem
novas sementes

Amanhã,
nunca será amanhã
quando na terra
plantar vontades novas
de te trazer
de novo a mim

Para o Pai, os Pais
Dolores Marques

segunda-feira, 17 de março de 2014

Nova ordem das coisas

A normalidade
é fruto de uma desordem
cedida ao normal funcionamento
da ordem estabelecida

Há deuses por todos os cantos da terra
e todos sabem da nova ordem
das coisas terrenas

Sabem também da minha descrença
ao consentir-me dias santos
sem me lavar com água benta
mas também sabem da minha consciente
anormalidade em convergir
com outras coisas mais transcendentes
em lugares onde os vivos se remedeiam
e os mortos se presenteiam
com novos lugares comuns


DM(Dakini)

sexta-feira, 14 de março de 2014

Fim

O fim é quase
o princípio de algo
que se assemelha
aos movimentos
migratórios
de um corpo celeste
para se encontrar
num lugar
onde nada existe

Dos corpos deitados
nas sombras
esqueléticas
surge assim, o início
a contrariar
o verdadeiro testemunho
do corpo travestido
mas não assumido
no seu único sentido

DM/Dakini

quarta-feira, 12 de março de 2014

Eco feroz

Tentei até sair
para te descobrir
em alguma
das tuas ruas

saberei distinguir
lá no fundo
um mundo
onde ainda existas?

soletrei o teu nome
e só o som da minha voz
foi eco feroz

DM(Dakini)

terça-feira, 11 de março de 2014

Verso e reverso



Havia de tudo um pouco no seu pranto
Sem dias certos para sorrir ao mundo
Foi tecendo em horas mortas, o espanto
Que deu voz a um sonho profundo

Desse sonho nasceu um novo olhar
Desfilando no verso e no seu reverso 
Até chegar ao templo, e se fechar
No altar-mor do seu novo Universo

Ainda que viva em todos os rios
Ainda que se afunde em outros mares
Sentirá o mesmo que muitos gentios

Que por sorte encontre o seu Norte
E no seu inverso se possa aventurar
Nos limites do seu consorte


Dolores Marques

terça-feira, 4 de março de 2014

Estreitando Laços

É no silêncio que ouço o meu próprio canto
Mas é aqui neste palmo de terra
Onde repouso a minha voz
Que te ouço
Que te espero
Que nos remedeio
Estreitando laços
Enlaçando-me nos nossos próprios laços

Mereço-me assim
Nesta sujeição perfeita
Sempre que me sujeito a ti
Numa viagem interminável por caminhos outros
Que nos trazem sempre a paz que merecemos
Silencio-me e vou indo na voz de um silêncio inquieto
Mas acabado num quase início de noite
Onde brilham os sonhos mais distantes

São eles um meio de nos reerguermos
E de nos dizermos das gentes que somos
Das crenças que obtemos
Neste patamar sombrio
Onde as ilusões criam raízes
E soltam gargalhadas matinais
Por sobre a terra onde nascem os sobreiros
E as oliveiras

Quero porque quero
A luz que lhe cobre os ramos
Os da Oliveiras…
Quero porque quero
Os adornos dos ramos gigantes
Os dos sobreiros...
São terminais de uma floresta verde
Onde me endireito e me conserto
Quando faço da cortiça esteira para meu leito
E dos olhos negros das oliveiras
A luz que me guiará…um dia

Há um mundo que desconheço lá fora
E esse é meu sustento
Quando daqui me for embora
Mas por enquanto deixem-me aqui ficar
Preciso ir-me num sono lento
E ficar
A sonhar que me fui num momento

Dolores Marques
(Poema na Antologia da Chiado Editora - Entre o Sono e o Sonho)