terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Muros


Sabia ao que vinha. Daquele lado, o vento assobiava aos meus ouvidos, como se eu fosse a alegria de um dia sim, a sorrir para o céu. Adivinhava-me e sorria-me sempre que eu lhe estendia a mão. Se não fosse pela minha fraca audição, saberia até ao que vinha no exato momento. Para quê tentar saber as coisas antes delas se sucederem como sucedem as rajadas de vento nos meus ouvidos? 

Bem gostaria de me permitir ser em todos os dias como o vento a querer saltar os muros que ladeiam a minha casa. Estão agora cobertos de musgo. Arredei todos os tijolos de vidro, para que não se sentisse nenhuma silhueta na parte de fora. Cobri-os com tinta plástica da cor do alcatrão e até colei neles recortes de jornais diários, onde se podiam ler as notícias todas que nos fazem cair em nós logo pela manha. À noite já não é a mesma coisa. A tinta escorre, os recortes ficam todos torcidos, e ainda se podem ver transparências a quererem sair de um espaço fechado.

Hoje à noite ligarei  a televisão no canal Panda. Aprendi com os meus netos. Nada melhor do que passar um tempinho antes do jantar a ver desenhos animados. Animam, animam e descontraem os músculos da cara. Não fico com os olhos tortos, se é que me faço entender. Se não entenderem, é porque não têm o canal Panda e vêem a casa dos segredos, ou a Gabriela. Não! A Gabriela já terminou! Dessa até gostava. Não tenho mais nada que me faça rir à noite. Gostava mesmo daquele ar descabido de alguns mestres das artes antigas a tentarem usar o que por si só já está mais que usado. Aquela frase deixava-me de pernas para o ar de tanto rir. “Deite-se que vou-lhe usar”.

Bem, mas agora pensando bem, penso que terei que pintar os muros de tijolos de vidro de outra cor. Vou usar cores berrantes para se poderem ver de cima. Assim quando o vento se quiser fazer ouvir nos meus ouvidos e estiver para chegar poderá lançar-se de para-quedas . Fica logo em casa. Para alguma coisa terá que servir este meu esforço em ter cores que saiam fora do âmbito normal dos usos e costumes de um povo a construir muros e outras coisas. 


(DM, através de Dakini)

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

ad eternum (dueto)



Cândido rosto, talvez
Adormecido no convés 

Cruza o rio em barcas novas
Sem remos, nem bússolas
Sem sóis e nem luas cheias
Que se enleiem por todas as correntes
Do límpido e transparente lugar
Onde os olhares se escondem

Sublime é a beleza 
Nos impuros traços
Que marcam a distância
Entre dois espaços
O meu e o dele

É em fúria, um abandono
Fardo pesado na branda folhagem 
Que dispersa, se afunda
Transcendendo as novas levadas cristalinas
Fruto dos últimos sacramentos
Em deleite, para o Ocaso

Mente descrente e abundante
Em pensamentos oriundos de outrora 
Como se fosse agora
A única demente
Mas crente 
Na figura carismática
Que vive por entre as auroras boreais
De todos os tempos

É efémera
Mas fêmea na sua doçura
Excomungada aos domingos 
Nas páginas de um missal antigo 

É silêncio gelado
A ferir a face primeira de um rosto
Que se veste de olhares fundos 
Na fundura do rio

Diz-me de um desejo eterno
De contar um conto
Que conte às histórias todas
Que já me contaram por aqui
A Ode - ad eternum

Diz-me que será a feição 
De todas as sombras da noite 
E em espírito perdurará
Será alma errante
Pelos poros todos da minha pele
Mas que nunca será marca
No céu, sem mim

Dolores Marques / Mary Dumond

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Mar




Um mar de estrelas cadentes 
Sem ondulações adversas 
Para que o meu 
Ondular presente 
Sinta a solicitação das águas 
A quererem atingir o cais 
Sem nada a levar 
E nada a trazer

DM - Ônix 2011- Esfinges

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

As Ruas




Se não vens 
Procurar-me
Na minha rua
Irei ver-te 
Passar na tua

Quero muito saber
Como são agora
Os teus passos
Quando andas
Sozinho por todas
As ruas que já
Nos conhecem

Quero muito 
Saber de ti
E se a tua vida
Ainda está igual
Àquela que conheci
Quando os dois
Caminhávamos
E sentíamos
Que só juntos
Saberíamos
Onde e como 
Iriam terminar
Os nossos passos
Quando já não 
Existissem mais ruas

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Sono da noite


Isto de dormir sempre para o mesmo lado, faz-me tombar quase sempre para esse mesmo lado. Um jeito de dormir estranho que me não deixa repousar, como se a minha cabeça fosse um abrigo de todos os pensamentos obscuros, sempre às voltas e reviravoltas numa cama desfeita por todas as voltas que meu corpo dá.

Esforço-me para que meu corpo se mantenha em repouso, mas, acordo com marcas vincadas nos olhos. Quase uma cegueira entrefolhos que surge pela manhã, quando me levanto, abro a torneira do duche e deixo a água escorrer como fios cristalizados pelos buracos do chuveiro. Ela escorre enquanto eu tento ainda encontrar algum sonho que tenha ficado colado nos lençóis. Procuro uma dobra do lençol, ainda em estado perfeito, e arremato-a assim só com dois dedos esticados, para que não esqueça que logo mais, há ainda muito para alinhavar quando o meu corpo encontrar o sonho ou o que resta dele, à espera da próxima noite.
Não adianta fechar os olhos à noite, só porque se sabe que chega sempre a manhã. Sei, que se não houver uma pontinha da noite em cada manhã nos meus olhos, não haverá nem mãos nem dedos para encontrar algum fio de luz, que ficou para velar o sono da noite.



quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Ser Livre como tu




Colocar em prática um pensamento, 
uma ideia, um sentimento, 
nem sempre é tão rápido e eficaz, 
como ter um pensamento, uma ideia, 
um sentimento…

Este cresce como uma flor, 
acontece como o vento
aparece com o tempo
é simplesmente um sentido novo 
a dar ao pensamento, a uma ideia
a um sentimento…

Simples na sua forma pura e bela
de se dizer: 
- Amor, pensei e tive uma ideia hoje

Em ser livre e dar-te a mão 
colhermos flores pelos campos
contarmos estrelas no céu
dizermos olá ao sol 
e acenarmos com um lenço branco à lua

Amor pensei e tive uma ideia agora 
- Ser livre como Tu, 
(sem tempo, sem idade, sem dia, nem hora…)



(Desenho de Ruy Barros)

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Jeito novo de ser


Nem sei se a felicidade é sempre um jeito novo de ser, ou se o olhar a sente como um beijo carimbando todas as novas faces do dia, quando chega assim tão coloridamente belo…
Feliz 2013
(Na foto:Minha filha,Filipa)

Felizes os que...sabem...podem....


Não me sinto, e por isso o que tenho é um nada simplesmente. Talvez a consequência disto seja mesmo o nada que me tem. Mas se alguma coisa falhar, eu passarei a ser alguma coisa mais do que isto. Se tudo permanecer igual, intacto ou na sua simplicidade um ato inapto então serei mesmo a designada (falha), concebida, retratada, acusada, mas agora sim, com algo mais do que nada mesmo correndo riscos, com um efeito nefasto de continuar a querer ser alguma coisa.

Felizes os que sabem um pouco mais e não deixam nada ao acaso. 
Felizes os que mesmo sem o saberem vão sendo a luz na noite, e não a deixam cair nas mãos dos pobres.
Felizes os que no inverno têm mãos limpas para a chegada da primavera.
Felizes todos os que recebem sacramentados todos os desejos e vêem no sonho marcas do futuro.
Felizes todos os bem-aventurados nas ruas desertas e frias, ruas sem nome e com a fome nos olhos.
Felizes todos os que amanhecem nos dias de domingo na praça
Felizes todos os Natais e Pascoas que têm gente e são simplesmente flores cobrir as mesas em todos os dias e todas as noites. 
Felizes os que podem ainda falar para dizer: Feliz Natal, Feliz Ano, Feliz o dia que te receber, como um amanhã (NOVO).

Beijos e abraços a todos! Sejam felizes!!!