quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

ÔNIX


No caminho da descoberta instala-se o silêncio ,
o vazio,a cor da rocha íman transportador das energias do fundo da terra.
Onix a pedra ,a força das entranhas na natureza,resíduos de outras eras,
de outros mundos que acalma os temores,as angustias das noites.
As sombras e a luz num único elemento.
Enigmas dos antepassados,protetores da coisas terrenas..
Pudesse eu carregar na dureza da pedra escura que trago colada ao peito
toda a luz invisível que transparece no ângulo do olhar.
Pudesse eu levar-te a cor da esperança que se exaltam nas palavras.
nos pingos da chuva ,nesta nova era prestes a começar
Não saberia apenas dizer-te das sombras que a pedra afasta na sua capacidade única de protecção
Deveria dizer-te de toda a luz ,de toda a coragem ,da unidade ,do absoluto transcendental,
que transmitem as tuas palavras e que seria preciso aclamar.
Não deveríamos caminhar apenas na sombra
na ausência de mitos protetores.
E no crepúsculo da vida veríamos o paradoxo do tempo
a eterna dualidade do corpo e do espírito,da luz e da sombra.
Onix a pedra preciosa,o cristal do silêncio,o principio do vazio da alma.
Ágata preciosa que nos une neste mundo terreno,e onde as almas
se unificam muito além para lá da dimensão do mundo.
Atravesso os rios calmamente,onde as palavras ainda jorram de um fonte inesgotável
e onde eu tu somos a agua que faz correr os leitos de dimensões varias e transcendentais.
Deveríamos ser a luz constante transfigurada em palavras
enigmas seculares na força do sol ,magnetismos rochosos de um novo tempo
de um novo olhar.

De São Gonçalves para mim (ÔNIX) no dia do meu aniversário


Parabéns Dolores,um beijo grande.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Homem do fogo




Estranho silêncio 
Que s’acolhe
No meu coração
Isto é amor!
Homem do fogo…
Belo sentimento
Que s’agita
Dentro de mim
Quando afagas 
O teu corpo no meu 

Das tuas mãos 
Meigas e puras
Emanam raios de luz
Dum tempo infinito!
Homem do fogo…
Sonho meu neste lugar
Onde nasce a cada dia
Um ser tão frágil
Mas com cor
Realçando a vida

Uma nova flor
Que resiste às 
Intempéries
Que é a indiferença
Dos homens…de marca 
Dum passado 
Ainda presente

Matam por 
A (beleza)
E tu aí
Tão distante
Do amar 
A Deus
E ao Diabo
E a Tudo
O que seja cor
No amor
Por todos os homens
Que me cercam
E àqueles que não resistem
À  vontade
De serem só homens
E mais nada

E tu aí, Homem do Fogo….

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Graça



sou a graça
a fitar 
a teia 
que s’enleia
no rol
do silêncio
e com o medo
brinco no escuro

na ponta dos pés
ando
e desando
em cima 
da mó
que parte
e reparte
alguns grãos 
de trigo

sou vento
a colher
um raio 
de sol
e até 
ao sopé
da montanha
eu vou rindo
da seara 
sem dó

pé-ante-pé
vou sendo
a ventura
ainda que 
desventura
na bem-aventurada 
desgraça
continuo com 
a graça
que me foi dada
à nascença
mas só!

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Loucura e mais nada


(Imagem: google)

Sinto-me abandonada e sufocada
Por ter nas mãos uma ideia
E nos olhos um sentimento 
Morto dessa mesma ideia

Já não sei se as mãos 
Que se fecham agora 
São as mesmas que se abriram
Quando as tomaste para ti 

Há  nelas uma morte tão breve
Como quando a noite vem
Sem dar por ela

Loucos se fazem ao caminho
E nas loucuras que levam
Há dias cinza espelhados nos seus olhos

Correm rumores
De que, desenfreados vão
E nem sabem se voltam

Levam nas mãos vontades novas
Mas nos olhos visões noturnas
Que esperam só pela 
Sua última vontade
De quererem ser só loucura
E mais nada

Simplesmente

Não me dói nada
mas sinto que me quer doer alguma coisa
mesmo na vontade de querer ser simplesmente feliz

Porque


Porque pensar em dormir, se a chuva lá fora acabou de adormecer no silêncio das vozes todas que conheço?
Porque pensar em sair, se cá dentro acabou de nascer um arco-íris que vejo agora desenhado nas paredes?
Porque pensar em não pensar, se o pensamento é um caminho que me leva a tantos lugares onde a chuva cai?
Porque renascer nas vozes, se são carimbos acabados nas sobras de uma folha de papel
em branco?
Porque querer ser a verdade, se a verdade são utopias,  e folias em olhos vidrados na noite?
Porque não deixar em paz a flores que tentam crescer nos vasos pendurados nas janelas?
Porque remediar os pobres com as migalhas do almoço, quando há tantos sacos de comida às portas das igrejas?
Porque não deixar em paz, quem só quer estar na paz do seu desassossego?
Que todos os sossegos se reúnam nos céus onde se escrevem vidas e se deixam cair como pingos de chuva nos telhados das velhas casas....

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Esse lugar


Não estou aqui
Nem sei se vou
Por aí

(Nesse lugar faz frio)

O lugar que sempre
M'acolheu 
Está vazio

Não sei de mim
Nem de ti

Não há lugares cativos



(foto; Junto à Ponte da Ermida - Castro daire)

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Dizem que sim


Dizem que sim que há valores, uns que nos unem, outros que nos afastam. É quase certo que os valores somam-se e subtraem-se mas são eles que nos definem. É a maior dádiva que o ser humano tem. Somam-se amizades, solidariedades, benfeitorias, alegrias mas também esquizofrenias… e mais qualquer coisa ainda, num conjunto infinito de possibilidades, umas anárquicas, outras conforme o sistema energético de cada um, já para não falar sistematicamente de cada um dos valores que seguimos individualmente.

Mas uma coisa eu não sei – como se contabilizam os valores e qual a diferença entre eles e as mais valias de cada um. Será que para sermos uns vencedores teremos que deixar de ser nós? Então os valores servem para quê? Para nos despejar numa rua funda, sem nome, sem identidade?
Por exemplo; não me sirvam a amizade em bandeja de prata…não a quero assim a luzir por entre as mãos de quem só sabe ser subserviente e obediente às leis da física nuclear.
Há bombas que trazem sempre novas irradiações, aos olhos de quem quer ter núcleos vivos e não sabe ser em todos os lugares do mundo.

Deixemos os rios correrem para o mar.
Deixemos o mar saber que tem filhos que nasceram em qualquer lugar.
Deixemos as embarcações atracarem em todos os cais de pedra e acenemos-lhes que há vida ali.
Caminhemos sobre a terra em busca de alguma coisa que nos sirva de alívio para as nossas insónias.
Deixemos as noites serem menos noites
Deixemos os dias serem menos dias.
Esquecemos as duas faces; negra e branca que o luar cria na noite e sejamos nós próprios a luz em ação
Sejamos tudo mas não esqueçamos de ser nós, sempre que alguém nos propõe ser outra coisa qualquer.

Olha que os mares não se perdem
Os rios têm voz e as embarcações não lhe conhecem a foz
Mas, sabes que há maresias que valem por muitas marés e brisas que valem por muitas nortadas fortes à volta da nossa voz?

Como seria?


Se tivesse que correr por entre a chuva, como seria o meu olhar? 
Um mar, um rio, um lago, uma lágrima tua, um choro meu…? 
Como seria a minha fuga por caminhos alagados de todos os “suores” noturnos?

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Alma


Tenho saudades do mundo
Da vida em meu redor
Da minha alma
Quando cantava baixinho
E me dizia segredos muitos
Do tempo em que eu só
Queria ser alma e mais nada

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Viajantes





Andei por muitas ruas mas não vi
Todas as sombras, nem os grafitis
Nas paredes, nem os homens 
Que engoliam a sua própria sombra

Só me lembro que caminhava
A contar as pedras da calçada
Como se fossem contas de somar
Até ao fim de todas as somas

Fiquei sem saber como respirar
E a cada passo meu, surgia
Uma ideia, um pensamento
A sossegar os meus passos

Afinal, para que servem os olhos
Se não para seguirem direções
Diferentes em todos os lugares
Onde há ventos e chuvas e brisas

Encontrei as flores esquecidas
Nos canteiros e senti-lhes 
O aroma ainda fresco da manhã 
A perfumar todas as ruas

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

E tu....


sorri para ti
mas não me viste
cantei para ti
mas não ouviste

sonhei por nós
e vi-nos na corrente
translúcida

e tu tao sossegado
não sabias que os rios
são partes de nós

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Fome






Alimentam-se do meu corpo
Os senhores da morte
Trazem com ela
Todos os escombros
Duma só noite

Mas há noites lendárias
Para os filhos da miséria
Têm ruínas na alma
De tanto ajoelhar no chão
Em busca de pão

Seriamente vos digo
Que gosto de pão de mistura
Cozido num forno a lenha
Mas quem disse 
Que a lenha arde sem fogo?

Tenho um forte apego
À terra, ao rio, ao mar e ao céu
Mas dizem que a fome é negra
A mais ousada criatura
A criar filhos na noite

Destituídos dos seus modos
Excomungam os meus sonhos
E que voltarão sempre
Que houver miséria humana
A desonrar a sua castidade


quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Tudo é silêncio

 Quero do fruto proibido
A desordem natural
Espero a vida num labirinto
Mas não vejo a entrada
Não vislumbro uma saída

Bebo da fonte
Todas as vontades
Sacio o meu desejo impuro
Mato a minha sede agreste

O extermínio
É a força dominadora
Ouve-se o último tinir do vento
Na revolta do meu corpo
Não sinto a minha alma

O frio é agora um manto seco
Agruras de outros tempos
A sua incompleta figura
Calou-me
Amortalhou-me
Sufocou-me

Segui numa eterna procura
Fui calamidade na noite
Agora tudo é folhagem dispersa
Tudo é silêncio
Tudo é nada

A madrugada chega flamejante
E com ela
Andrajo
Pedinte
Andarilho pelo tempo

Pinta grafitis nas paredes
Agitam-se sombras loucamente
Inicia-se a fuga
Junto ao ventre imaturo

O desejo escorre
Como restos de pingos de chuva nas vidraças
No rio afogou-se o último suspiro da noite
Tela: DM = MD

Incapacidade


Não te posso deixar, sem me sentir ir
Não me posso salvar, sem tentar curar-te
Não me posso queixar, sem saber ouvir-te
Não me posso calar, sem saber distinguir os sons do silêncio
Não te posso guiar, sem saber ouvir os sinais...

Não posso nada sem ti

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Indefinição

                                                       Paranoiac Visage – 1935 Dali


Veio de muito longe
Despedir-se do sol

Trazia um manto 
Para sossegar os olhos
E realçar a dor 
Tingida de branco

Triturou o ar 
Com o seu 
Bafo quente

Foi só por uma vez
Que mirou o seu reflexo
No círculo 
Que seus olhos traçaram

Cárcere inabitado por todos
E ele definhava ali mesmo

Chamas esvoaçantes
Culminaram na intrometida esfera
Aglutinando o pensamento abstrato

(Tinha dado continuidade 
Ao seu corpo
No limite dos seus passos)

Excomungada a sua alma
Adivinhava um novo tempo
De espera

Pereceu 
Sem que todos os astros
Formassem fila única
E lhe mostrassem
A sua última viagem

Seria ali a criação
Dum novo paradigma
Contrastando com a imagem
Agora indefinida

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Tão breve


Sentada e recostada nesta cadeira, vejo-te passar em busca de alimento diário.
Tão breve é a minha passagem pela tua queda, que me junto a ti para te ajudar a erguer, para que sigamos caminho junto dos nossos semelhantes.
- Semelhanças que são como andrajos arrastados pelo vento, imagens distorcidas e envelhecidas pelo tempo em que não andávamos, mas rastejávamos.

Fecho os olhos, e ainda assim, vejo uma imagem indefinida tocada por alta voltagem a apontar em todas as direções, mas sem conseguir tocar qualquer ponto. Levanta-se um dedo e não atinge sequer a dimensão de um ponto.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Outros movimentos


(...) 
Na rua escura, desenhava nas suas pedras, uma esfinge cor do ouro e trazia um sol brilhante para junto dela. Via de quando em vez,  as pessoas que passavam e a rua era muito estreita para a aventura que o esperavam os longos anos que se aproximavam por outras vistas e outras ruas, onde os fundos existem para dar ainda mais cor à cor aos seus olhos. Gostava de ver os rostos na conquista de mais um rosto, uma figura expressiva que lhe devolvesse algo que ia perdendo com o passar do tempo. Alimentava-se dos seres que o visitavam nas noites de angústia e de solidão, quando no seu quarto se dispunha a sonhar com um mundo fantástico, onde pudesse revelar-se um ser, caminhando por todas as ruas. Ela a mulher que o tem, sabe-o em outros movimentos mais de acordo com a vontade que todos os homens têm. Terem uma puta na cama. Reconstitui cenas, elabora um puzzle bem à medida dos seus desejos. E se ela se mostrasse outra Maria qualquer, iria dar no mesmo? Ele amá-la-ia da mesma forma? E se ela se transformasse numa puta? Ainda não esqueceu aquele fetiche. Ele pagar-lhe para ter sexo com ela. Porque razão então tantos homens, as procuram? Às putas. Deve haver um motivo muito forte, para levar um homem a procurar os seus serviços, quando em casa tudo está ao seu dispor e de graça, com todas as graças exigíveis para não desequilibrar o orçamento familiar.
Primeiro passo, seria comprar roupa, lingerie adequada. Depois, preparar o ambiente noturno, o exterior e o interior. Ele irá encontrá-la numa rua escura. Ela dirige-se a ele, quer saber se gosta do que vê. Se a quer. Ele dir-lhe-á que sim e pergunta-lhe quanto cobra pelos seus serviços. Acordo feito e aí está uma transformação bem real sob as fantasias no submundo do sexo. Outras ruas, outros fundos, onde o amor se compra, fazendo do sexo um tráfico de corpos ambulantes na noite. A noite é sempre o ilusório transfigurando os gestos que ficaram esquecidos em qualquer lugar. Uma casa vazia, uma cama desfeita, onde uma mulher se deita e ali fica á espera que o seu homem se sinta mais homem, tocando os fundos de outras ruas (...)

(Dolores Marques – Ao Fundo de Mary)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Ela a cidade...


(...)
Mary sente que este homem lhe trará vivências de um passado também dela a desviar-se de fundos inexistentes. A comunicação à distância é uma fonte de luz que lhe indica algo que começa a ser percetível, sempre que as mensagens chegam pela manhã e se estendem até ao final da tarde. Depois vem um silêncio inquieto que se transforma em becos e ruelas nos seus sonhos. A noite vai e vem e a distância é medida por algumas frases que esboça sem saber bem o que fazer com elas. Mary, lê e relê as mensagens na esperança de obter alguma pista para entender o que é este amor, ou pretende ser na sua vida. O amor revela-se através das mais variadas formas. Há quem morra por amor, há quem mate por amor, há quem viva para morrer de amor, mas ela só quer sentir que o amor vive nela e possa finalmente atingir o fundo de uma rua onde ele a espera para juntos permanecerem. A meio da tarde, o silêncio da noite ainda permanece vivo no seu corpo. Sai para beber um café e senta-se numa das mesas da esplanada a olhar os rostos que passam.

Passou de relance uma figura, por entre os círculos de fumo que expirava lentamente. A sua pele escura e o seu jeito de andar balançando o corpo, fizeram-na lembrar os rituais à volta de um fogo ardente, onde os corpos se submetem aos ritos tribais do passado. Os seus olhos, pontos luminosos a saírem da órbita dos meios círculos traçados pelo fumo saído da sua boca semiaberta. Trazia neles, o mundo a dobrar-se sobre os seus ombros. A sua mochila já perdeu a forma redonda. O seu almoço, era preparado talvez por uma Maria qualquer que o acarinhava sempre que chegava cansado e com alguns restos de cimento no seu corpo. A obra ali de frente está quase a terminar e ele irá em outras, torneando as paredes alisando-as para dar vistas novas a outras figuras. O homem acolheu-a sem uma palavra que lhe dissesse que há mundos por descobrir nos seus olhos cor de chumbo. Olhou-a e disse simplesmente: “boa tarde”. Ela respondeu timidamente: “Boa tarde” ao que ele lhe devolveu: “bom descanso”.
Sorriu e pensou, que este final de tarde talvez lhe tenha dado uma ideia para conseguir acabar de fumar aquele maldito cigarro, apagando-o, e voltar aos pontos luminosos de uns olhos quase a quebrar as linhas impostas pelo seu pensamento. Este é um recanto de uma cidade fria. Dormita no silêncio de um dia e desperta para uma noite em branco. No entanto, sabe-se que há olhares que não se esquecem de dizer “boa tarde”; “bom descanso”, e ela, a cidade ainda a consome.(...)

(Ao Fundo de Mary - Dolores Marques)

sexta-feira, 15 de junho de 2012

A um passo


…estás a um passo de mim e nunca mais chegas.

Até que se faça luz para poderes ver onde colocas os pés, eu vou sendo a esperança, o amor, a confiança no teu novo caminhar

(Ao Fundo de Mary)

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Ao Fundo de Mary


(...)
Naquela manhã de Sábado, a rua estava intransitável. Pessoas com sacos e mais sacos das compras da semana. Os táxis paravam e arrancavam com destinos certos e elas vagueavam em busca de um espaço sossegado, sentar e conversar. Junto aos seus pés um corpo estendido no chão sem sinais de vida. Olhavam os transeuntes ao encontro de um sinal, um só que fosse. Mas nada nem ninguém parava naquele local habitado por um corpo, prestes a desfalecer na valeta. Olharam-se, como que a tentar saber a forma de atuar. Mary pergunta a Isabel.
- Estará morto?
- Não me parece. Ainda tem posta a gravata. O casaco caído ao lado. Deve ter desmaiado
- Toco-lhe?
- Não sei. Já reparaste que ninguém pára. É como se não existíssemos. Nem nós e nem ele
Sem mais palavras curvaram-se na tentativa de ver se respirava
- O senhor está a ouvir-nos?
- Precisa de ajuda?

A cabeça do homem roda no sentido onde elas estavam e responde que precisa de ajuda. Mary e Isabel seguram-no cada qual em seu braço, ajudando-o a levantar-se. Homem na casa dos 35, alto, moreno, estava num elevado estado de embriaguez. O seu bafo, tresandava a bebida anulando todos os cheiros do espaço que ocupavam. Elas olharam-se de novo como  que a saber o que fazer e logo se ouviu a sua voz. Uma voz doce, delicada, que lhes dizia.
- Moro ali naquela praceta. Ajudem-me a lá chegar por favor.
As pessoas simplesmente passavam e nada diziam, lançando-lhes  um olhar em jeito de desprezo, pela miséria que assola por todos os cantos desta cidade. Conduziram-no até á porta de casa, a alguns escassos metros. Ele subiu as escadas. Elas nunca souberam se chegou bem. Era um prédio antigo sem elevador, escadas de madeira, corrimão de ferro.
A rua continuava cheia de gente que caminhava com pressa. O cheiro que ocupava o local, era agora de peixe, de fruta, de carne..etc. A praça do Chile é ainda um local muito movimentado nas manhãs de Sábado. Mais acima, na Alameda, falam dos tempos em que o cinema Império era um local muito frequentado nas noites de Sábado. Deu lugar a uma Igreja qualquer e do jardim vêm a Fonte Luminosa, para nela refugiarem  o olhar e se limparem dos cheiros que seus corpos assimilaram. De luminosa, nem a água, só restam as suas figuras esculpidas em pedra. Tinham finalmente encontrado o local ideal para se sentarem e conversar
....

Ao Fundo de Mary

terça-feira, 12 de junho de 2012

Lenda inacabda


caiem-lhe faíscas nos olhos
são negras
vestidas para a noite lendária
a beliscá-lo por dentro

dançam
e rodopiam
num frenesim
incorpóreo
adentro do meu mar
acetinado
rendilhado
e
remendado
até à última noite


sexta-feira, 8 de junho de 2012

Sabiam-se na espera...

(...)
O tempo,  é agora mais uma constante na espera da mudança que opera nos terminais de quatro paredes sem teto onde os olhos possam descansar. As noites são uma força intrínseca que gela nas veias enquanto o sono não vem. A mulher furtiva em todas as ruas que conhece, quer aventurar-se por outros caminhos mais de acordo com a sua vontade de  ir mais longe. Ele não sabe como sair deste lugar, oprimido e humilhado pela sua incapacidade de se manter de pé. A cada dia que passa, Mary tem mais certezas de que ele é o homem que sempre esperou, mas que, por via das circunstâncias renega para longe do seu olhar. Os valores que segue dominam-na por completo. Precisa de um homem que cuide dela, como sempre lhe ensinaram. Pela ordem natural das coisas da vida, o homem, é a força dominadora, a que segura o boi pelos cornos e se faz à luta como um guerreiro das montanhas. A mulher frágil e pouco dada a linguagens incapazes de a manter fora da lei, vai sendo domesticada até ao ponto em que cair por terra e a deixarem ser só terra. A mãe natureza cuidará do resto, como cuida das ossadas dos homens que povoaram as cavernas, e ainda cuidará dos homens novos dos tempos modernos. Sabiam-se na espera, mas não se sabiam no sereno que sempre chega de madrugada quando o sol entra pelos buracos das persianas e os faz despertar para mais um dia. Um só dia carregado de surpresas sempre que chega a noite e o silêncio os acolhe. Ele mais uma vez do lado de lá, ela mais uma vez do lado de cá. (...)


(Ao fundo de Mary)

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Das mãos


Das mãos
Inertes de Maria
Hoje “depositadas”
No mundo distantes
Logo sepultadas

A quem a morte
Subitamente
Precocemente roubou:
A energia, o som
O talento, o dom
A escrita
A melodia

Eleva-se o grito
Do absurdo
Que a morte
Aparenta

O contrário de tudo
O nada talvez
Ou a importante
Fragilidade humana

Quase divinamente
Criadora
Simultaneamente
Redutora
Profundamente

Das mãos inertes
Ontem criadoras
Do talento da escrita
Escapa-se ainda
A música
Que não o grito
Da revolta

Da impotente
Condição humana
A escrita eterna
Que em Deus redima

A dor da perda
Que imortalizará
A voz sublime
Das suas mãos

(Autor: desconhecido)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

E Eu

Talvez visse a outra face de uma imagem prestes a desaparecer, se me dispusesse a viver a vida por detrás dos espelhos que sustentam a minha silhueta, a tentar descortinar os traços que lhe dão forma. Invisíveis são agora os movimentos na tentativa de encontrar a única forma viva que eles conhecem . Será somente luz ou sombra, e eu, uma figura construída à sua imagem. Esbelta, sou agora uma construção edificada, realçando todos os lados obscuros. Serão talvez os traços imaginários que me dividem em duas, e eu, imagem despida de um eu próprio.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Porque me dói





Porque me dói

Porque me dói escrever sobre a vida ?

Porque sou
Uma ilustradora da minha pequenez

Porque me dói escrever sobre o Amor?

Porque sou
Uma exposição de arte abstrata, mas nata na dor

Porque me dói escrever sobre a dor?

Porque me dou a todas correntes imaginárias
Que passam pelo meu corpo

Porque me dói escrever sobre a alegria?

Porque sou
Um paradigma a encolher-se nas curvas e contra curvas
Onde se cruzam vontades minhas de me alargar num sorriso

Porque me dói escrever sobra a tristeza?

Porque sou
Uma farsa a dominar a minha vontade de chorar

Porque me dói escrever sobre tudo o que mexe?

Porque sou
Uma folha seca a deslizar no alcatrão
Ao encontro da próxima estação

Porque me dói escrever sobre as gentes?

Porque sou antes de mais
Uma procura incessante
Em me encontrar em alguém

Porque me dói escrever sobre a minha própria negação?

Porque sou antes de mais
Um mais(+)
Ou um  menos(-)
Numa fração de segundos
Enquanto o tempo passa

(DM) = (MD)

(Dolores Marques)

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Profecias

Há nos limiares do tempo
Um pendular suspenso que balança…
E m’equilibra noutra dança
Mas o meu corpo é o re-verso na ténue faísca
 Onde nasce a luz uniforme do meu olhar

Caminhos intransponíveis neste renascer
 Onde o verbo É
 E deixa de Ser
 Quando consente que nos limites
 Se consiga verbalizar
 Sobre o
Cosmos re-unificado

- Como abrir os olhos e falar-vos sobre um cometa
Que rasgou a atmosfera neste leve balançar?

 Há um estado de fidalguia nos seus versos
Simples melodias esgrimam o ar
E esta espera…
Que sempre me desespera

- Ler-te no infinito...poeta do meu altar
É re-escrever-me no mesmo lugar
De onde me viste chegar…

 Leva-me sempre por outros trilhos que também pisa
 E sabe que o meu corpo se espreguiça nos seus versos
 Mas, mesmo assim, não pára de me fazer doer
É como sentir a terra a tremer...

- E o frio encolher-me toda neste corpo, preso à vida 

Já não posso caminhar sobre o seu ventre
Vou fincar-me na extensão breve do tempo
E absorver dele a fina corrente

 Insígnia das utopias de um profeta
Que marcou encontro com certas profecias
Que, sem saber se é poeta
Por profeta ser
 Remete-se para a magistral leveza do Ser

 (Tela: Jomasipe)

terça-feira, 22 de maio de 2012

Por quanto tempo

A minha maior satisfação é saber que há razões muito próprias e outras propriamente ditas, sem saberem sequer onde encontrar a melhor solução para tratar-lhes da saúde mental. A minha razão, é uma sequência de eventos a acontecer ao mesmo tempo mas sempre com a mesma predisposição para a não razão… Seria talvez uma conjuntura deveras interessante, saber que há muito tempo existi sem saber, ou existo agora sem conhecer a diversidade de eus dispersos pela minha vontade em ser mais do que realmente sou. Sou só eu mais eu…por quanto tempo….SOU (DM)=(MD)

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A poesia

A poesia é “agiota”, dizem alguns
 As palavras merecem ser tratadas pelos próprios nomes, dizem outros
A melancolia é a voz dos poetas, dizem ainda outros Eus
A tristeza é a sua devoção, de onde advém alguma inspiração, diz outro alguém

 Sim. Alguém que se distrai com alguns versos soltos pela manhã
Sim, alguém que admite que há momentos mortos na voz dos poetas
Sim, mas, e os poetas vivos, onde estão?
 Sim, mas a morte de todos os poetas será por certo, todos os momentos em que escreve a tal poesia “agiota”?

Evento

Com tantos eventos a acontecer ao mesmo tempo, e eu sem tempo para participar no verdadeiro evento:

 - A VIDA

 Será que o evento já começou?
Será que já lá estão todos ?
Será que todos sabem a verdadeira intenção deste evento?
Será que passarão imagens distantes de quando eu era a própria VIDA?
Será que irão gravar todas as chegadas e todas as partidas?

 Até que o "auditório" fique vazio, vou ficar por aqui, a tentar lembrar do meu último evento

 Depois, será nesse espaço em branco, que escreverei alguma poesia, ou tentarei decifrar alguns versos escritos nas paredes nuas do salão.

O livro





(No lançamento do novo livro de São Gonçalves, que incluiu algumas palavras "minhas")



Um livro, é-o, na medida certa, se os sentires forem a justa medida de um valor muito nosso, para que ele (livro) ao permitir que folheemos as suas páginas, se pareçam com pétalas nas mãos de uma criança.





quinta-feira, 10 de maio de 2012

O novo livro de São Gonçalves


Este livro de São Gonçalves conta com a participação de três autores, incluindo eu própria, o que me deixa muito feliz e grata pela preferência.

Agradecida mais uma vez à São Gonçalves (não sei já como o fazer), pela sua dedicação e carinho pelo meu rio, pela ordem com que corre, pela desordem com que se comove, sempre que a sinto a caminhar por entre as correntes e a batizá-las com novas fragrâncias de palavras.






Como um rio é um livro bilingue,escrito em Português e Francês,a língua materna,a língua que amo e me fascina e em Francês a língua adoptiva,aquela com a qual comunico no pais que me acolheu.


Este livro para alem de ser um rio de palavras onde autora navega se perde e se encontra,é também um livro de partilha.No inicio de cada capitulo há um dueto de três autores com quem partilhei palavras.


Ana Coelho
Dolores Marques
JC Patrão.


Assim como no capitulo final onde as palavras já são um mar procurando a serenidade no tempo.
São Gonçalves

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Um saber sobre...


Um saber sobre os desígnios de um todo meramente intencional, ou de um nada que satisfaça os mais afortunados para que se saiba mais sobre:

- Sentir a força do “efeito borboleta”
- sentir o efeito molhado de um beijo
- sentir a força de um abraço, fechado
-  saber que a Primavera chegou e se mostrou
-  conseguir andar sem se balançar, ora para a esquerda, ora para a direita
- saber onde é o seu centro
- saber ocupar o seu lugar no teu centro
- saber como colocar as hóstias no céu da boca sem as esborrachar
- saborear pão de mistura ao pequeno almoço
- como se desviar da estrumeira dos caminhos
- libertar os olhos,  das cores de uma cegueira maldita
- deixar de usar gravata
- deixar de fumar charutos
- deixar de usar baton
- deixar aparecer os cabelos brancos
- saber como fazer um batido de frutas da época
- saber –se,  sem se saber a pertencer aos lugares comuns
- saber-se, sem se saber pertencer a alguém
- sabe-se dono de mundo,  sem antes  se saber  dono da sua própria vontade
- argumentar com  o EGO - denominador comum de todas as forças obscuras,
   e saber como colocá-lo intato, no seu lugar
- saber porque se é gentinha, quando se podia ser gente, simplesmente
   (os “inhas” são mesmo picuinhas)
- moldar a face e descobrir máscara sob máscara, escondida no tempo
- saber teorizar sobre a teoria do caos
- saber-se a ser o início, a partir do fim

( FIM…)

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Correntes


Ficar só
No silêncio absoluto
Ruído intenso
Zumbido afiado
Suores frios
Calafrios

Ficar só
Na certeza
Camuflada
Ou na verdade
Do tempo
Que chega
Invertido
Esmiuçando
Lembranças
De um passado
Morto
E enterrado

Ficar só
Entre quatro paredes
E afiar as unhas
Para rasgar
Em cruz
Uma folha de papel
Em branco

Ficar só
Entre dois mundos
O de lá
E o de cá
E sentir
Estremecer
O corpo
Já entorpecido

Ficar só
E esperar
Um torpedo
A esburacar
O chão
Que piso

Ficar só
À transparência
Ente o mar
E o rio
O meu rio
Que corre
Corrente
Contra a corrente

É como ficar só
Sem nenhum sentido
Obrigatório


quinta-feira, 26 de abril de 2012

Luzes


vejo-te madrugada
a ensaiar novos tons
para o dia que começa

 cores diversas
que enchem os dias
e se misturam
nas noites

misto de luzes
que se reúnem
no firmamento

quando do céu
chegar a voz única
do tempo
doação à terra
que o  viu nascer

será a força
que resgatará
o mundo
e o conduzirá
na busca
do elo dourado

há olhares
que se principiam
e outros
que se reiniciam
e um olhar
sempre a postos
a tocar um ponto
no horizonte
****************
(na foto - Filipa Almeida, minha filha)

terça-feira, 24 de abril de 2012

Miséria Humana


  1. Miséria humana
    Gente tresmalhada que não sabe a origem dos seus medos
    Miséria humana
    Pobre gente que por não ter onde cair, vai caindo
    Miséria humana
    Humilhação em cima da mesa, por falta de uma côdea de pão
    ... Miséria humana
    Dos que não tem o que comer e vão comendo… migalhas
    Miséria humana
    Rostos disformes com calafrios na espinha
    Miséria humana
    Bombas que rebentam à porta de casa e não destroem as pedras da caçada
    Miséria humana
    Mãos em cima de fardos de palha, o que resta da ceifa da semana
    Miséria humana
    Corpos deitados numa praia deserta e o mar a sacudir os cascos de um navio
    Miséria humana
    Escassez da terra, do céu, do mar e de além-mar
    Miséria humana
    Enquanto as raízes das árvores secam e os frutos caem em bocas fechadas
    Miséria humana
    Saber falar e não saber o que dizer a quem está perto
    Miséria humana
    Não saber o que é o amor e sentir a dor e o desamor
    Miséria humana
    Sequestro da mente para pensar em nada
    Miséria humana
    Todos em pé à espera que o dia comece
    Miséria humana
    Todos em fila indiana para não perderem o norte
    Miséria humana
    Dois corpos a dormir lado a lado, sem saberem um do outro
    Miséria humana
    Os que trazem a miséria ao colo
    Miséria humana
    Olhar de perto a cidade numa noite de verão e saber que há gente a cogitar em vão
    Miséria humana
    Os que apontam o dedo indicador e não tocam em lugar nenhum

    …Miseráveis os que sem saber onde começaram, querem sentir-se esvair em algum lugar

    (Imagem retirada da Net)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Holocausto


Imagino o mar como um potencial destino dos deuses
Imagino sim, um mar prostrado a seus pés
Imagino como será esta força dominadora
E imagino simplesmente que sou onda sem ter onde rebentar

Respiro ainda, sim!
Aspiro um ar denso, poluído que se entranha
Nas entranhas todas do meu corpo

Sou onda sem ter o que abraçar
Sou maré sem ter onde se entregar
Sou simplesmente um movimento aberto a todos
Os que descem do farol mais antigo

Sim, a torre mestra que suporta um céu maior
Sim esse céu que foi mar e terra
Sim, esse céu que foi sol e lua
Sim, esse céu que foi o holocausto da humanidade
E a fez calar

Respiro ainda
Sim, e aspiro um ar salgado
moribundo
e furibundo por não saber onde se afundar

A extrema-unção dos vagabundos
Que na noite serena me namora nos dias santos
E me desflora nas noites errantes

Caminho só agora
e sou mar
e onda
e sol
e lua
e terra
Sem poiso certo
Suspensa na atmosfera densa

A extrema-unção dos vagabundos
É a chama acesa que incendeia os corpos lá fora
Lá, onde não há chão onde descansar
Lá onde a vida cessa sem cessar
Lá onde os caminhos se cruzam e delambidas bocas se fecham sem se beijar
Lá, há todo um corrimão de línguas afiadas prontas para me furar

Lá, onde os monstros choram e as lágrimas correm para o mar

terça-feira, 17 de abril de 2012

Razão



Perder a razão ou simplesmente deixar de a ter ao querer afirmar-se dono da sua própria razão, ou então, tê-la como um dado adquirido em expressões que elevados ao quadrado, se multiplicam e se desmistificam.


- Como se a razão fosse, um dado adquirido

- Como se a razão se propusesse a ser mais do que a soma de vários pensamentos, quando nem o pensamento é uno.


Proponho um brinde à razão:

À razão de ser

À razão de existir

À razão de coabitar no mesmo espaço onde o pensamento é vago, como vagas as ideias que a levam a querer assumir-se dona de tudo e de todos.

Aos que querem ter razão

Aos que não se querem submeter á razão dos outros

Aos que sabem como lidar com o próprio pensamento em ação para se afirmarem donos da sua razão

e

A todos os que sem saberem, caem nas maquiavélicas propostas de um pensamento abstrato, por pensarem que sabem onde encontrar a razão dos indefinidos.


Adianto-me à minha própria razão e digo-lhe só duas coisas:“Deixa-me em paz” ou “vai edificando um novo pensamento, mais de acordo com a minha vontade em não querer ter razão", ou então, ou então, assumir-me-ei por completo na razão - denominador comum de todas as frações de segundo em que a perco por completo.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Andrómeda

(foto: DM)



Quero a face da lua
A descobrir nas noites
Um universo
De fragrâncias soltas
E aguardar pelo último sol
Nascente no meu rosto

Encontras-me sempre
No aroma das flores silvestres
Num traço castigando
Os poros a descoberto
No meu corpo
Enquanto os meus olhos
Envoltos em fios luz
Tão fina mas tao gasta
Dançam no teto liso
De uma casa sem paredes
Nem janelas
Para me aventurar
Nos caminhos
Da nova Andrómeda

quinta-feira, 29 de março de 2012

Sombra

(Foto: Pedro Faria)

Descem à montanha
As cores do Inverno
Sobranceiras melodias
Enchem as levadas
Metálicos os traços
Riscam no ar
A nova silhueta

(Dissolve-se na neve
Que derrete
Enquanto a montanha chora)

Que é da cúpula
Onde adormece?
Que é do resguardo
Onde se esquece?
Que é do remate
Do seu corpo?
Que é de todos
Lá fora?

Já o sol se põe
E ela sem saber
Onde descansar o corpo
Já a noite chega
Rival da sua sombra

Estivais outonos
Que lhe ensinam
A separar as águas
Enquanto na terra
Amadurecem os frutos

Já o dia começa
Estigma do seu saber
A encolher-se
Perante a hecatombe
Dum raio de sol
Partido pela metade

Todo o sonho nasce
A preto e branco
E se faz luz crescente
Nos seus olhos

Sombra inquieta
Adormecida na montanha
Gelo dos seus medos
Inverno dos seus dias
Ressequidos

Tudo é mudança
A acontecer na tela
Onde se esquece

(Sombra
Um eu que termina
Um outro que começa)

segunda-feira, 26 de março de 2012

Tempo de mudança



(Foto: D.M.)



Sei que me olhas

Como quem vê o horizonte

Como quem sabe que para lá

Existe um novo movimento

Em espera


A vida que se quer

Como quem sente

Que cada passo

Será um começo

Na linhagem do tempo


Esse meio tempo

Que nos espera

Nascerá tão breve

E removerá todos

Os exímios traços

Que a linha da vida

Nos concede

Enquanto esperamos

E desesperamos

Pelos tempos de mudança

Mundos

(foto: D.M.)




Estou cada vez mais próximo da fonte, da real vontade de beber sem me embriagar com partículas poluentes, que causam distúrbios moleculares intransponíveis.

Transcendendo a livre circulação das correntes estagnadas, talvez a concentração das águas paradas me faça retroceder e ver à transparência uma nova imagem, cristalizando todas as vontades de me aventurar por novos rios sem saber onde encontrar a nascente que se perde na montanha.


Lá onde o céu começa e a terra acaba para dar novos mundos ao MUNDO.

sábado, 24 de março de 2012

Silhueta

(Foto: D.M. - Rio Tejo)
a sombra
silhueta tosca
a acordar a manhã
e ninguém dá por ela
gélida, assumida
travestida

o rio em silêncio
traz a correria
das águas pardas
à cidade
a rua completa-se
com o desassossego
das gentes que
enchem as vielas
e com elas
a verdade nua
mas crua
da manhã submersa
no nevoeiro

o relógio parou
na noite
estancou a madrugada
num rosto deformado
e simplesmente gente
gente disfarçada
dum pudor citadino
e com ele
um novo peregrino

quinta-feira, 22 de março de 2012

Infinitamente



(Foto: D.M)

Onde queres que vá contigo?
Ao fundo do poço? Não posso! Posso sim amparar-te a queda e assegurar-me que não cairemos os dois
Ignorante!
Não sabes, que não há asas que amparem o voo entre quatro paredes?

A água estagnou lá em baixo!

O resultado da queda será um amontoado de esperanças vãs, sem a consciência de que a água é a tonificação para todos os males, mas não aqueles de que sofres. Esses serão sempre o teu habitat, serão o que quiseres menos a tua consciência em águas profundas a nadar sem braços nem pernas.

Seguro-te mas planamos os dois! Tu serás a ave, e eu, as asas de um condor que voa o último voo até atingir um novo horizonte.

Se de horizontes falo, falo-te sempre de novos. Uns são a sequência de outros. O meu horizonte é o limite até atingir novos limites, infinitamente para lá.


Loucura


vivo em demasia
a loucura
do mundo todo
que há mim

talvez um sonho
ou uma verdade
que se quer
vontade minha
que desconheço

essa ingrata
que se quer
inteira e livre
só para mim
expõe-se assim
sem limites
desenquadrada
do espaço
que me aguarda
sempre

segunda-feira, 19 de março de 2012

Imagem Indefinida




(Tela de Leila Proença)




Se me confundir com a imagem

Que me diz de mim

Não quero saber dos momentos

Que ela me traz

Porque me sei arredada do céu

E cairei na terra amolecida

Pelos meus passos


Saberei dar uma nova forma


Às minhas doidices

Como se me soubesse

Num cubo de vidro

A limar as arestas

Que definem o espaço

Em estado etílico



Furo com os meus olhos

Os pedaços que sobraram

Da queda que dei

E não serei nunca à sua medida

Para tornar a ver a luz do dia



O céu é a cor do meu leito

Quando me deito

Mas entro num sonho

A preto e branco



Noite tão noite

Como a sombra desenhada no chão

Dia tão dia

Como a visão tornada ilusão



Tão branco o branco

Dos meus olhos

Tão negra a sombra caída a meus pés


A imagem indefinida sucumbiu








terça-feira, 6 de março de 2012

Princípios

respira a palavra
de ordem
natural(mente)
o momento intemporal
do homem
e o ritmo
dos dias
o último lamento
dos tempos
que se amofinam
no silêncio
e se perpetuam
nos atos
princípio de todas
as telas
enquadradas nas paredes
de um altar
e o terço em redoma
acabrunhado gira
perante o reflexo
dos dias cinzas
e em cada ímpeto
finda a respiração
do homem
desusado
arrepiado
encurralado
assim se principia

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Gestos



tudo o que faço

para remissão

dos meus pecados

são migalhas

nas mãos dos pobres


remeto-me ao silêncio
mas nem sempre
atinjo o estado de vigília
que me faça entrar
no círculo traçado
pelo tempo

sou talvez uma nova teoria
de mãos estendidas
a saber-se dona
de todos os gestos
que o silêncio engole

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Manifesto

haicai humedecido

na relva

que cresce ainda calada


são timbres da noite

pasmada

nos ramos que cortam o ar


na antemanhã nasce

um novo dia

abre caminho à solidão


há corpos ainda benzidos

dos sonhos

que viveram na noite


carimbo na folha caída

em pedras

rasgadas pelo vento


novas invernias nascem

entre os dedos

esqueléticos das mãos


manifesto duma idade

a cortar os

gestos pela metade


olhos ainda esbugalhados

farrapos

de vidas no chão


o dia amolece os gestos

enrijados

que se banham no rio


a água corre sempre

a jeito

parada na velha cidade

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Nada



Saí hoje para a rua
Desolada
Não tinha nada
Que me levasse
A criar algo
De novo

Talvez um pensamento
Talvez uma só palavra
Que se elevasse
Num só poema
Ímpar
Bem conseguido
Mas nada

Nem mesmo
Os meus sentidos
Se abriram
Para este nada
Que me fez hoje sair para a rua


A mesma rua
Que me conhece
Quando saio sozinha
Ou acompanhada

A mesma rua
Que se expõe ao dia novo
Que principia
E sempre acaba
Nos braços da noite

E eu sem saber como
Começo a saber-me
Mais do que um simples nada

Ando e desando
Por todos os becos escuros
Na tentativa
De encontrar uma nova rua
Sempre a tempo de me fazer
Criar algo

Talvez um sorriso
Talvez um olhar novo
Talvez uma sombra
Talvez o inverso de mim
Talvez o desejo
De me encontrar
Em outras ruas
E conhecê-las
Tal como elas me conhecem a mim
Sempre que saio
Sozinha ou acompanhada

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

à Noite



À noite
O silêncio é conselheiro
Clareando as horas
Que passo
Em absoluta negação
Das manhãs claras
No meu corpo
Entorpecido


Todas elas
São a força a nascer
Por entre a bruma
Que esvoaça
Nos meus cabelos

Não as sinto
Não as aquieto nesse posto
Onde dorme ainda
O último pensamento da noite

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Presságio

A dor
Presságio antigo
Contagem do tempo da “besta”
Adormecida
Esquecida
Nas correntes predadoras do desejo voraz

Ser emergente
Incongruente
Empreendedora figura carismática
Que rasga a terra e a borda em ponto de cruz

Se se fizer ao vento
Será sempre a nau
Encalhada no cais
Retornando ao ventre
Á tormenta das águas
Remontando ao inicio do tempo

Ao tempo
Que demora
Que não lamenta a sorte
De ser um só mar esquecido
Esse inadvertido posto
Universo aquático
Maresia e rebeldia
Brisa marinha desfraldada
Calamidade revoltada
Vontade sua irada

Circuito fechado
Demorado
Devorado
Tempo que o tempo lhe dá
E o silêncio a salgar as viagens demoradas
E o cais adormecido
Sob as marés
Estranguladas
Encurraladas

Rodopios
Arrepios
Inversamente desejáveis
A contornar a força dos ventos

Os cataclismos informais
Os ermos distantes
A surripiar as algas
Que se amarinham nos pés
Crescentes como as marés
Indigentes
Maldizentes
Tornados de raiz imprópria
Abocanhando gente

Sacro o momento resguardado
Num corpo mole
A levantar-se
A remendar com pontos em cruz
Os lamentos escondidos

Metálicos molares
Enfáticos gestos
A furar o pano cru
E um corpo sem mar
Nem céu
Nem terra
Nem véus
Sempre em jeito de contra-fé
Retornando à fé
Reescrita em papiros soltos
No mesmo oceano

O sopro
É Artefacto
Das marés


Ao Giraldoff aqui: http://www.worldartfriends.com/pt/club/poesia/cris%C3%A1lida-ins%C3%B3nia-em-intemporal-inverno

PS: Fizeste-me escrever, pelo que serão palavras tuas, nossas, outras, ou outros tempos, e outros espaços perdidos, esquecidos, ou demorados no nosso tempo?