quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Além dos limites do eu


(Acrílico em tela, Dolores Marques)


Há flores num espaço aberto
Molho com a minha saliva, as pétalas roxas
Cubro com os meus lábios, os caules já avermelhados

Há um lugar ermo, amparo de um sonho distante
Ergo os braços ao encontro de um punho fechado
Há um pensamento abstracto a roçar no sobrado onde me deito
Bajulação de um momento
E eu...figura desenhada nas tábuas polidas pelo tempo

Há nas memórias a antemanhã que me diz - Sim !
Um amontoado de células vivas
Amarrotadas no sótão dos afectos
Que me diz - Não !

A dor contrai-se perante o som agudo, onde o existir é um puro manifesto
Mas há um corpo deitado na acalmia da terra, coalhando o sereno da noite

Sobre o dorso um caminho estreito
Na longitude dos braços, um carreiro oblíquo
Nas pernas, a fortaleza a caminhar para o vazio ainda virgem
No peito, um batimento incerto como um relógio a emendar o tempo
No rosto, as rugas escancarando a única certeza das estátuas caídas
Nos olhos, dois sinais que indicam um olhar a perder-se no escuro

Ali se propaga e se desmembra por todos os quadrantes do seu universo
Ali se entrega ao submundo e se cruza com os fogos que o consomem
E eu, atendendo à nova teoria do pensamento
Escondo-me
Rendo-me aos contrários
Sustento o manto que me cobre a alma

Há no topo da montanha, um sem-fim de terra
Ponto de passagem a um corpo que balança sob as nortadas baixas
Encontros que espelham a dor
Desencontros ameaçadores das fugas por entre dentes
Uma boca que reluz no escuro

(Um quilate de ouro a mais na dentição genuína e demolida na boca do mundo)

Há um sonho que acorda a madrugada
E eu... póstuma constelação à espera de outra marca do tempo:

Que me conte os ossos e me endireite o corpo
Que me remende a sorte, para eu caminhar a Norte
Que me reconte as sobras que ficaram perdidas nos bolsos
E me refaça o meu inverso

E o mar...
Sempre o mar a galgar sobre a terra orvalhada
Sem resistir ao mundo que o fez mar salgado

Tempero dos que falham no ponto
Onde o lusco-fusco se fez vida
Alem dos limites do eu...

1 comentário:

Octavio da Cunha disse...

O poema é super.
E já tinha saudades de te ler... Pois, a culpa é minha, mas depois desta fase complicada, vou poder ler-te mais.
A tela é um principio...
Depois explicas-ma.
Beijos.