Sinto através da sua voz que se esquece de ser alguém quando me diz, que é nada e que vive do que se alimenta nas ruas. Tenho medo que se esqueça de mim, quando deixar de ser ele por completo, e passe a ser todos num só movimento. Preciso senti-lo sempre em linguagens inexpressivas em libertinagem, mas ao fundo de todos os fundos que há em mim. Preciso do seu saber pelas ruas, onde os fundos são só um meio de como se agregar aos fundos de outros fundos. Viajo pelo seu olhar e vejo uns olhos que se afundam no centro dos meus olhos. Os meus nos seus, são ecos distantes de um passado que procura dar vida nova ao presente inacabado. A sua voz alcança dimensões distantes onde a minha luz se funde quando toca o centro da sua luz.
Dizia-me de um dia, um só dia, em que naquela noite se encontrava em estado de desolação, pelo abandono precoce sujeito à variante atmosférica de uma só noite, e que os seus passos eram a dor fazendo ecoar a solidão. Lisboa era um refúgio, uma dor alucinante e as ruas brilhavam através do seu olhar cansado. Olhava em redor e só via luzes frouxas a olvidar os movimentos das gentes de outras ruas. Olhava a sua rua escura e desenhava nas suas pedras uma esfinge cor do ouro, e trazia um sol brilhante para junto dela. O seus olhos olhavam de quando em vez as pessoas que passavam, e a rua era já muito estreita para a aventura que o esperavam os longos anos que se aproximavam, por outras vistas e outras ruas, onde os fundos existem para dar cor, à cor dos seus olhos. Gostava de ver os rostos na conquista de mais um rosto, uma figura expressiva que lhe devolvesse algo que ia perdendo com o passar do tempo. Alimentava-se dos seres que o visitavam nas noites de angústia e de solidão, quando no seu quarto se dispunha a sonhar com um mundo fantástico, onde pudesse revelar-se um ser, caminhando por todas as ruas. Veio de muito longe, para saber-se dono de si e do que o move no mundo que o acolheu, e não sabe agora o que fazer perante a rua que se apresenta escura e sem vozes. Serão estas as vozes que o movem no sentido inverso ao que ele definiu como sendo o princípio de todos os princípios.
É o personagem principal desta história e eu uma das suas ruas. Peço-lhe que me ame, que me leve para o centro onde moram todos os fundos que existem no seu mais profundo sentir. Quero que sinta que as ruas são só um meio de me ausentar quando já nada tiver que lhe dar. Disse-lhe que viesse, que dispusesse de mim na sua rua, mas as ruas são de todos os momentos que o têm para ser mais do que uma só rua.
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