sábado, 2 de outubro de 2010

...tinha fome


(tela de Paula Rego)

Se soubessem como ficaram os meus olhos, de tanto tentarem absorver todas as letras que queriam à força formar palavras para acasalarem mesmo ali à frente do meu nariz.

Fiquei sem nariz!

Olhei em volta e só via gente, gente que se queria alimentar. Mordi-me toda, rui as unhas, depois chupei a carne dos dedos ainda tenra. Fiquei com a boca cheia de vermes, que de tanto tentarem afastar a mistura de compostos orgânicos, perderam-se neles.

Mordi-me toda. Se soubessem como ficou a minha boca depois de tudo o que saiu das pontas dos meus dedos.

Mas eu tinha fome, muita fome antes de chegar.

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1 comentário:

Clarisse Silva disse...

Eu ainda tenho fome, muita fome. Dessa maturidade sem idade cronológica, desse saber intrínseco, colhido das unhas que se roeram, das mordidelas e dos olhos vermelhos das horas passadas sem sono, no sonho de chegar lá e matar a fome... Ah poeta, que bom que deve ser.

Beijo,
Clarisse