sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Sombras



- Cansei de estar sentada. Quero levantar-me e zarpar, sair, marcar um ponto no meio da estrada. Serei figura abstracta, mas tão exacta, que nenhum fogo irá reclamar, nenhum tempo me irá contornar os traços tão finos, que me hão-de encontrar sempre na ponta da linha, que traça de uma ponta a outra o fundo mar.

- Haveria de te conduzir pela pedraria, e de lá subiríamos tão alto que nenhum céu haveria de perguntar; de onde viemos, para onde vamos, quem fomos, quem seguimos, ou quem abandonámos. Ele que fique na terra a cismar, e a endireitar as sobras de gentes, dos crentes, dos fantasmas do passado, meras fisionomias que deixam por continuar todos os pontos acabados e por terminar.
- Já te esqueceste de um momento, só um, aquele que nos trouxe do fundo do mar. De lá víamos tudo reflectido, e se pudéssemos e quiséssemos, haveríamos de nos encontrar todos. Seriam aos magotes os remoinhos das gentes, das gentes que sofrem por não terem sede do céu e fome de algum destino marcado nas ondas do mar.
- Consigo ver-te nas sombras, sim nas sombras que deixaste ao relento, quando caíste na emboscada de todas as gargantas, e de todos os dedos a trinar nos fios de vento. São fios que esticam o canal dos desenganos e sofrem por não saberem que há gente, que a há aos molhos a afundar-se num mar de sonhos.
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Escultura - Ricardo Kersting

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