sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Ultimatum


Debrucei-me sobre as aspas de uma frase 
Oblíqua 
Saliente
Tosca
Disforme
Mas de cintura fina com um brilho mate
Distante
Tão distante estava eu antes de ela me reescrever

Fui caminhando sem ver
Fui cessando sem saber
Havia um só tempo para seguir aquela linha inteira
Que traçava um caminho aposto no meu imaginário

Já não sou eu 
Que quero ser uma frase inteira 
Num céu sem cor
São elas
As aspas que me fazem ser alguém
Ou nas horas mortas
Ninguém

Já não sou eu 
Que quero ser uma palavra vã
Achada por morte sã
Catalogada e alegorica(mente) certa
Mas indiscriminada
Sujeita às diversas alterações morfológicas
Resíduos que se despejam nas marés vivas 
De um desejo traído
Cuspido
Sujo

Caiu agora desse mastro antigo
Desdita esta sorte mal(dita) 
Feita em pedaços
Entregue à dor das palavras sobrepostas
Que viajaram caladas 
Nas costas arqueadas 
Dum marinheiro já morto

Deram um salto no mar alto 
Afogaram-se inteiras 
E traçaram uma linha sobre a mudança das marés


Dolores Marques (Ônix; A Voz do Silêncio/2009)
Foto: Eu que quase transformava a minha sombra num grafiti estatelado no chão da minha aldeia

1 comentário:

Filipe Campos Melo disse...

O verso
distende-se
num traço por dizer
estende-se como silhueta de um passado prescrito
por reescrever

Tu sabes o quanto gosto

Bjo.