terça-feira, 14 de maio de 2013

Onde o cheiro se faz morte




A partitura serenou o espírito
De quem se encontrou com a verdade
Mas a mentira cobriu a verdade
Fez-lhe um filho sem idade

(As mentiras fazem-lhe agora tremer os olhos)

Ouviam-se sons vindos de um lugar secreto
Onde as bocas engoliam todas as notas soltas
Soltavam-se por todas as encostas nuas
Onde já nem as pedras choram
E nem os animais se tocam

A humanidade parece-se
Com uma maçã podre
Dentro de uma cesta de vime
Que faz da cesta de vime
Uma esteira onde o cheiro se faz morte
Como se a morte fosse
Só uma mão aberta
Para a fome

Têm os infelizes as letras todas
Para formarem novos nomes
Têm as pautas abertas e os saxofones prontos
Para soprarem para dentro deles
Como se fossem pães acabados de sair do forno

São todos eles, uma chusma no cangaço
Uma comandita a querer pisar o morro
Que desmiolado se vai definhando
E até se acabar
Chora a dor de não poder sair
E evaporar-se para outro lugar

Cantam às almas lá para os lados
Do sítio, onde morreram todos os lobos
Que, famintos desceram a encosta
A espumarem pela boca

Todos se encolheram até que chegasse
A primavera e lhes desse mais um pouco
De chão para cobrir
Tal como os bois cobrem as vacas
E os carneiros, as ovelhas
E os homens, as mulheres
E os galos, as galinhas

A cacarejar lá vão elas de asas ao vento
Até que a fome as leve como quem leva um coelho
Pelo cangote sem pelo

São os ventos e as brisas
E as flores que nasceram já
Em todas as árvores

São os filhos das partituras
Que pediram para nascer
Nos caminhos
Onde há bosta para pisar
Ou até para rasurar alguma
Obra de arte
Que irá nascer ainda
De verdade

Dolores Marques; Dakini "Eventos"- Maio 13

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