sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Buracos negros

dos seus olhos escapam-se remendos toscos
sem brio estão as ruas descalças
orientando-o na sua última sagração

os farrapos tapam-lhe as feridas ainda abertas
por conta dos seus passos em falso
diretos ao cadafalso
decepados estão agora os caminhos longos

a floresta veste-se ainda dos últimos
pensamentos da noite
ornamenta-se a exaltação da fé

a escuridão dos dias aconteceu breve
no altar-mor da catedral de todos os corpos
nos becos crescem gemidos quentes
a quererem matar a fome de todas as ruas

na terra, repousam ainda da última boda
os caminhantes que chegaram
dos devotos lugares
nunca mais se viram a pisar o pó do caminho
onde nasceram as urtigas
amaldiçoados vermes que concebem a ilusão
e se alimentam da humildade dos pobres

a ânsia em se intitularem
exímios predadores na passagem das horas
deixaram-nos de boca aberta
até engolirem o último sermão

alimentaram-se do pó da estrada
e as suas almas choram pela incúria
dos seus movimentos em dó

nada como se cruzarem
com os passos de quem chega tarde
para cedo se alimentaram na malga que dança
nas mãos dos mendigos

caminham agora todos juntos:
os mendigos, os indigentes, os fiéis, os infiéis
e todos os santos que baixaram do céu
os novos sacramentos

caíram de fome num buraco sem estio
em becos frios sujos e sombrios…


Dolores Marques - 2013

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