quinta-feira, 31 de março de 2011

Sombras


Há dias que apetece seguir a minha própria sombra, outros caminhar na sua direcção sem lhe ver as fuças, por tão cadavérica ser…


- um molde inexpressivo, um atentado à verdadeira forma humana.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Mundos e Fundos



Caminhava em passos lentos por ser só mais uma noite entre tantas as que o conheceram, e o acalmaram nos becos escuros, onde os seus olhos descansavam. Eles, são o mar salgado a temperança, que limpa os mendigos e os transporta para um reino distante, onde os barcos são naus perdidas à procura de novos oceanos. Era noite, e esta tão só como ele, refugiava-se na dor que o consumia, quando entrava e saia de um beco sem lhe encontrar as formas, mas tão-só os desenhos nas paredes sujas. Esperava pela madrugada e ela escusa de tanto se madrugar nos seus olhos, sumia-se pelas vidraças das casas que já tinham donos e esperanças renovadas, sempre que o sol lhes batia e reflectia as dores alheias de uma cidade que dormiu nos olhos baços de uma mulher qualquer, que ele também encontrou num sítio qualquer; sem dono, sem poiso, sem orifícios que lhe mostrasse que há mundos e fundos, e esperanças a cair na desordem de um simples olhar. Seria a sua morada, não fossem as ruas escuras, por onde ela passa. Os seus olhos são formas, e cores e lugares distantes que inventa, para continuar a viver longe da claridade das águas de uns olhos fundos, e com alguma sede de ser mais do que a sua própria vontade - O ir mais longe na fundura dos seus olhos. As ruas são agora a sua graça, onde um olhar se perde e um amor se confunde com os fundos de outras ruas.




A sua vontade é agora uma soma de variáveis conciliadoras de não ter rua, mas sim ser a própria rua em movimento. Caminha ainda em passos lentos e a rua mostra-se indiferente, mas sem deixar e ser a sua rua. Ela, a mulher não chega a lugar nenhum, a não ser ao fundo de uma rua qualquer.

À São Gonçalves

(foto: Bom Norte)

*
A São Gonçalves fez uma longa viagem para vir a Portugal, e estar ao meu lado na apresentação da autora do livro "Às Escuras Encontro-te".


As palavras faltaram-me, porque muito haveria a dizer desta Pessoa que sempre me me acompanhou com palavras, de muita admiração pela minha escrita. É alguém que entra de uma forma muito especial, nela, analisando os pormenores, os pontos principais e indo além até do que elas mostram num primeiro olhar, num primeiro ajuizar dos modos e das circunstâncias em que vivem. Esta amiga é uma pessoa, que sente-lhes o pulsar e a ordem com que iniciam a sua caminhada.


As palavras são muitas vezes um acordo entre o pensamento, a razão e o sentido de viver, através de uma linguagem que nem sempre mostra a linguagem do coração, mas que indo ao fundo do nosso ser a buscamos e a interiorizamos. A São Gonçalves tem esse poder, e também de visualizar e recriar as imagens que já existem nas minhas palavras, passando à fase seguinte, indo buscar outras que não se vêem mas que estão lá.

Por tudo o que já vivemos, e pelas nossas palavras juntas, indo ao encontro da linguagem serena, que dá voz a todas as palavras, eu agradeço por tudo.

Correntes

Andamos sempre por aqui na correnteza destes rios que sulcam a terra e chegam ao infinito do SER. (São Gonçalves)

Andamos sempre e tentar cortar as correntes que nos dão o Ser, mas elas, sabem como sustentar os desejos da alma e as necessidades do corpo físico, para que se equilibrem e consigam formar novas correntes, sempre a tentar ser vida, após vida, numa viagem que não termine. (Dolores Marques)

terça-feira, 29 de março de 2011

Orvalhos

(Foto; DM)

*


As cores que brotam

Dos reflexos dos meus olhos

Distam dos rios e dos mares

*

São sussurros quentes

Orvalhadas matinais

E um sorriso caído

Nas pétalas brancas

Onde os meus olhos

Se escondem

E remedeiam as dores

De um parto antigo

Ciclos


Por um sonho que foi meu

Início de um ciclo renovador

Estrangulador das baixas marés

A escoar-se nas pedras negras do cais

Onde a chegada é partida

Nas horas mortas

De um olhar baço

segunda-feira, 28 de março de 2011

Espelhos

(foto: Bom Norte)

*
Se o tempo fosse só uma viagem

A terminar no meu corpo

Teria sempre um modo de te dizer

Que há mais tempo para o amor

Quando ele deixa de ser o tempo

E passa a ser uma pequena força

A brilhar no escuro

*

(Se o amor fosse só no dizer

Teríamos todo o tempo do mundo para nós)

*

Já nem sei se o amor me encontrou

Ou se fui eu que o chamei

Para que nas palavras

Tão só nelas encontrasse o tempo

Em que o sonho é uma visão

A acabar num olhar límpido e transparente

*

Há olhares que sabem

Onde encontrar as fases lunares

Mas o meu é a própria fundura dos mares

Na procura do verde dos teus olhos

Dos espelhos multifacetados onde te vejo

Nas figuras que traço nas paredes

Onde junto as letras

Para falar-te de um amor

Que m’ entrou pela porta semi-aberta

E me conduziu ao mundo fictício

Onde os mortos também têm voz

*

Já nem sei se fui eu que te procurei

No azul profundo de um céu imaginário

Ou se o verdadeiro azul dos teus olhos

Me entregou o céu

*

Queria ver-te em sonhos futuros

Em diversas paragens

Onde pudesse descansar os meus olhos baços

São brancos a tentar misturar as cores nos teus

A luz que me indicou que há pontos de passagem

E eu sou só uma linha esticada até ao infinito

Onde os corpos se encontram

Para mais uma tela em branco