Apesar do medo, apesar de tudo o que nos faz andar de cabeça inclinada a contar as pedras da calçada, ainda há quem viva simplesmente cada amanhecer novo.
Um cântico matinal a dar vida própria às pedras da calçada. Um homem que por mim passa, a olhar em frente.
Sempre em frente e de cabeça levantada, cantava. Não conheço a música nem a letra, mas ele sim, porque continuava a olhar em frente com a cabeça levantada, cantava e encantava, as ruas.
Fiquei ali parada. Nisto ouço uma criança arrastada pela mão da mãe, colada ao seu choro, como se ele fosse a continuação do seu sono. Fazia dele uma cantoria triste logo pela manhã. Pensei! Ainda é tão cedo. Deve ter sono, ou então um medo qualquer de andar pelas ruas. Um lugar onde quase nunca se vê e nem se ouve o despertar para um novo dia, mas sim, um arrastar de pernas até que a noite chegue e nos devolva o pacto que quase fazemos com o silêncio, mesmo que a dois, ou a três, ou ao que quisermos somar, quando pensarmos nas pedras da calçada que contámos logo pela manhã.
(Dolores Marques )
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