terça-feira, 24 de março de 2015

O MONTEMURO EM LISBOA - Uivam os Lobos

O MONTEMURO EM LISBOA – Dia 11 de Abril, às 15h30, no DESASSOSSEGO – Rua de São Bento em Lisboa
Mostra Fotográfica e Etnográfica c/Dolores Marques e Tobias Rocha
Na sequência do lançamento do livro “UIVAM OS LOBOS”, de Dolores Marques/Dakini, de novo no DESASSOSSEGO agora com um olhar novo sobre as imagens, assim como INTERVENÇÕES importantes sobre as gentes das TERRAS ALTAS DO MONTEMURO.
Intervenientes:
- Escritora Aurora Simões de Matos
- Prof. Celeste Almeida
- Drª Pilar Dias
- Grupo Almas no Teatro
- Casa do Concelho de Castro Daire





segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Fragmentos do Passado

Após escrever alguns poemas, os mesmos provocaram-me uma espécie de malquerer estranho, não pelo que me diziam, mas pelo que me faziam sentir como autora, sendo que, nunca me tinham chegado ao pensamento com penas de que fosse apelidada no futuro, de qualquer coisa a furar o pensamento de alguém. Foi então que pensei na forma de os dar a ler, sem me identificar. Talvez por pensar mesmo na tal coisinha que estaria prestes a acontecer - a edição de um livro.

Vivia-se um tempo de poesia. Respirava-se poesia. Cantava-se poesia. Víamos em cada poeta uma flor a desabrochar. Escrevíamos em duetos, às vezes, até em tercetos. Revezávamo-nos entre uma inspiração e outra. Perseguiam-se assim, tantas vezes, os sonhos abandonados, cansados de tanto abarcarem o maior número possível de versos caídos nos olhos uns dos outros. 
Lamentavelmente os sonhos fragmentaram-se, e a poesia nascida lá nos sonhos, transformou-os em fragmentos do passado.

Mas como ia dizendo, não pretendia tomar posse daquelas coisinhas que iam nascendo dia após dia, porque como referi, não os tinha idealizado muito menos pensado, quanto mais sonhado. Atribuí-los a alguém com uma imagem a defender, seria deitar por terra a amizade e relações poéticas que sem nenhuma ordem, lá iam crescendo.
Dakini, o nome que escolhi para dar a ler aqueles poemitas e que eu já começara a ter em alguma conta, por conta também da afeição tinham por eles. E foi assim, com ajuda de amigos Poetas, através da interacção, ajuda mútua, consentimento, acolhimento e reconhecimento da autora isenta da primeira (Eu), que Dakini começa a tomar forma de poeta e a ganhar-me em pontos. Mas, nem por sombras por escrever mais do que eu.

Sabe-se que a escrita é um acto isolado. Os poetas recolhem-se no seu mundo interior e vasculham tudo num silêncio que os acolhe em primeira mão. Mas, após esse isolamento, que fazer? Viver só para ele, o que sente, o que escreve, como se fosse único e omnipresente num mundo próprio? Não! Ele precisa interagir, comunicar, de se sentir entre outros. É este mundo reorganizado em lugares novos e modernos, conduzidos e orientados pelas novas TIC’S, que os fazem também chegar às Editoras. Estas novas editoras são nada mais do que um intermediário do autor, por causa daquelas burocracias todas que fazem sair um livro com direito a nome de autor e tudo. Estas editoras fazem também parte deste novo mundo organizado, mas este lamentavelmente, orientado para os cofres destas que nasceram para ajudar a concretizar os sonhos ou as ilusões de muitos poetas/escritores. Então, sobrevivem à custa de quem escreve, e, ingenuamente decide editar um livro. 

Sabe-se que editar um livro hoje em dia custa os olhos da cara, ou então de um pé de dança, junto às ancas dos que têm um grande jogo de cintura, obviamente, ou não. Para muitos, faz parte da concretização de um sonho, antigo ou moderno, tanto faz, como tanto fez. Porque o que é preciso é não deixar morrer o sonho. Para outros trata-se de um objectivo de vida como outro qualquer, por terem "encasquetado" naquilo.  Depois, há ainda os outros, que por via de escreverem uns poemitas, fruto de sua inspiração ou não, ou por via directa ou indirecta, ou até à custa de tanto quererem escrever e editar um livro gastam horas diárias em consultas intensas a sites e blogues com uma linguagem poética e inspiradora a sermões espiritualistas, e outros tão em voga agora nestes tempos modernos, a que dão o nome de “auto conhecimento”. E então, forçando a inspiração divina para que o Verso não se plagie a ele próprio, sim porque Deus nunca poderá ser plagiado, lá vão expulsando das entranhas tudo o que lhes bastará para calar um eco desmiolado que ainda vive de um sonho.

Mas, como ia dizendo, Dakini surge de um nada aparente, talvez para me alertar de outros mundos mais consentâneos com a minha verdade, ou a verdade, só das palavras. Em princípio, decidi deixá-la ficar no anonimato. Porém, foi em espanto que vi os mesmos poetas que me conheciam a elevarem aquele nome, que mais parecia um fantasma, sustentando-a naquele novo mundo. Depois, com a decisão de imprimir em livro “Uivam os Lobos”, escrito em 2010, tomei a liberdade de desvendar quem estava por detrás da tal figura já com muitos adeptos e até preferida de alguns poetas que considero muito bons, mas desconhecidos até no mundo das novas TIC’S.

Foram então estes Poetas que me incentivaram a editar um livro da dita cuja que dá pelo nome de Dakini. Tirei-lhe o véu, sim! Não me arrependo, porque andar de burca nunca foi meu objectivo,  nem tão pouco um sonho, graças a Deus. E depois, quem iria aceitar num nome daqueles, que diz ter nascido nas terras altas? 
Como justificar a falta de pensamento para alguns poemas, quando o pensar é antes dos poemas, a forma mais inequívoca de se fazer anunciar?

Mário de Andrade, Poeta Romancista, crítico de arte, musicólogo e ensaísta brasileiro, escreveu: “Escrevo sem pensar, tudo o que o meu inconsciente grita. Penso depois; não só para corrigir, mas para justificar o que escrevi.”

Tudo isto é verdade, mas ao ler o prefácio fantástico no livro “Uivam os Lobos”, resta-me a dúvida se o que escrevi, foi em primeira mão sentido, ou pensado, ao ler a Sofia Gabro:

““Uivam os Lobos” assemelha-se a um palco de memórias. Nele se contam, e encontram, de um modo intensamente vívido, uma série de imagens remanescentes de um outro tempo, aqui presente sob a forma de um eco, retumbando por entre os versos que o firmam”.

Assim, a escrita é para mim, muitas vezes redescobrir, destapar as imagens e deixar que os ecos deixem de ser simples ecos, para se firmarem no tempo. 

Pensei quando li esta passagem no prefácio de Sofia Gabro:

Moção, a terra-origem de Dakini, desempenha, neste livro, um papel fulcral, servindo, não só de cenário e inspiração, como também de lugar de aprendizagem - já que foi aqui que a autora deu os seus primeiros passos e absorveu as suas primeiras estórias, iniciando a construção de todo um imaginário que a acompanhará ao longo da sua vida, despertando-lhe tanto temor quanto fascínio. 

“A rua onde moro
é escura no pranto
ladainha surda
como um lobo de matilha”
(Do poema “Em transe”)

“Estão as portas fechadas
e eu tenho frio
muito frio dos lugares inóspitos
e medo
muito medo dos açaimes brancos

“Todavia, e apesar de “em redor das estrelas” o movimento ser circular e, deste modo, regrado e cíclico como a própria Natureza se espelha sobre os campos, a identidade, por vezes, esmorece; e os limites do corpo tornam-se uma miragem ou uma “mera desfocagem” deambulando por “atalhos remendados/e restos de eras disseminadas”. Nesta circunstância, o encontro “dum lugar incerto/mas dum tempo certo”, onde o reencontro exista, torna-se urgente, já que a tristeza avassala todo o mundo disseminando caos e solidão”

Pensei ainda mais quando ouvi Filipe Campos Melo na apresentação do livro em Lisboa, e que por sinal, não me surpreendeu, dada a natureza da sua sensibilidade poética, quer pelo que escreve em si, de si, quer pelo que escreve, em função do que lê, e que o conduz em análises profundas:

“Reitero, na minha interpretação, sempre discutível e subjectiva, “Uivam os lobos” é uma peregrinação.
Um regresso ao lugar passado, seguramente,
Ou como diz o verso, “aos lugares primitivos”.
Não deixa, aliás de ser curioso notar que, em latim, peregrinação diz-se “per agros”, ou seja “pelos campos”.

E se deixar arrastar pelo pensamento, vou até ás minhas memórias e encontro as palavras de Celeste Almeida, quando da apresentação que fez em Alenquer:

“Sem medo de assumir a vida e sem medo de se assumir a si própria, transforma o seu desejo criativo em escrita concreta. Ama e escreve o que sente. A poesia é parte do seu corpo. Escreve o tempo todo e  não apenas quando está diante do papel ou do computador! Esse é o momento final, em que as palavras saem dela e tomam forma exterior”.
Afirmação aliás já referida por Carmo Miranda Machado, quando do prefácio e da apresentação do meu segundo livro “Subtilezas da Alma” em 2009, e aqui reforçada por CA.

Lembrei agora de Fernando Pessoa nestes versos: “Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo.”

E voltando atrás. Escrever poderá ser um acto isolado, mas nunca abafado nem encurralado. Nós somos muitos e muitos são em nós ao criarmos imagens, mesmo que só provenientes do sentir, ou só do pensar. Mas, colocarmos as pessoas perante a poesia, é levá-las a sentir, a pensar em muitos sentimentos, quer delas próprias que lêem, quer de quem lhe faz chegar a mensagem. 

Ainda Fernando Pessoa:
“Pensar é querer transmitir aos outros aquilo que se julga que se sente.
Só o que se pensa é que se pode comunicar aos outros. O que se sente não se pode comunicar.
O sentimento abre as portas da prisão com que o pensamento fecha a alma.
A lucidez só deve chegar ao limiar da alma. Nas próprias ante-câmaras é proibido ser explícito.
Sentir é compreender. Pensar é errar. Compreender o que a outra pessoa pensa é discordar dela. Compreender o que a outra pessoa sente é ser ela. Ser outra pessoa é de uma grande utilidade metafísica. Deus é toda a gente”

Como não posso deixar passar um último apontamento de uma grande amiga que me deixou umas notas sobre o livro em cima da mesa da cozinha. Deu-mas a filha, que as encontrou dias após a sua última viagem...ou não. Já se foi mas continua viva em mim.

"Para mim, o livro tem um tipo de poesia muito subjectivo, onde a Dolores anda sempre a tentar procurar o que a rodeia e as vivências. Desta vez, foi muito das suas raízes. Transcrevo-as de forma subtil, ou seja muito camufladas. Realmente aprecio mais prosa que poesia, tendo mais dificuldade na sua interpretação.
Mas, apoio-a, continue a escrever, a imaginação está lá e o livro tem o seu valor literário". Maria Teresa

E tudo isto para vos fazer chegar alguma forma de nascimento ou renascimento. Isto para quem acredita em Deus, mas não vê na sua fé uma forma de castigar desordenadamente quem cumpre objectivos, ou imprime em algumas folhas de um livro, alguns sonhos mesmo que fragmentados do que resta do passado.

Assim escreveu São Gonçalves sobre o livro numa das suas interpretações:

“Sabe-se através da biografia que Dakini,deixou a terra natal ainda em criança,e que apesar disso a visita muitas vezes, e de onde sempre renova a sua inspiração.
Sabe-se também que a memória é um rio onde correm todas as metáforas,todas,as alegorias.
Este livro prova mais uma vez ,que a preservação das nossas raízes,da nossa identidade ,da nossa memória pode ser preservada pela poesia e pela viagem ao lugar mítico da nossa existência.” São Gonçalves


Dolores Marques

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

A festa dos doces ainda não terminou


O Natal não é o que era. Silêncio envolto no nevoeiro. O nevoeiro a engolir o silêncio. Cheiro a terra e a lenha na lareira a arder. Açúcar nas pontas dos dedos. Canela pelo chão. Um bezerro prestes a nascer. A matança do porco com o seu último urro, largava um eco fundo na aldeia.  O frio amaciava as couves tronchas. 
Quando na lareira se aquecia, a doce brisa colocava-lhe nas mãos uma luz verde - ponto luminoso que a apresentava ao mundo e a DEUS por mais um ano de Luz. À roda do fogo e da alegria, lambuzava-se da mística temporada que descia das serras, nas suas partículas de luz. Os animais mordiam o verde suculento dos campos e Sara  observava o céu a saber das mudanças do tempo para o dia seguinte. 

Tudo era baço. Porém, decidira que tudo seria branco com a força dos ventos, e que o Natal fosse cedo. O vento uivava na serra, os cordeiros aninhavam-se na lã por tosquiar das ovelhas empoleiradas num socalco que desabara. Apesar do peso dos anos, Sara vendia saúde, para muitos futuros. Alisava com as mãos o cabelo e com ajuda de uma travessa, alinhava-o para o carrapito no alto da cabeça. 
Pendia sobre o braço esquerdo a pequena cesta de vime onde guardara uma estriga de linho. Ora fiando, ora guardando o gado, negava ao corpo algum descanso. Junto às ancas, o fuso forçado pela mão direita, rodava lentamente. A roca presa à cintura, apoiada no ombro esquerdo. Os animais não saiam do seu ritmo, com as beiças a castigar os montes de erva. Demorava-se na lentidão das horas. Apesar da ausência de tudo, havia um todo no infinito do seu olhar serrano. (O Natal avizinhava-se quando no Verão plantava o nabal de couves tronchas. Aguardava pelas fortes geadas para se terem doces e tenras como Deus manda) 

Sabia ser o último de 27 anos passados, em que se limitou a ser Mulher da terra e para a terra. No próximo ano, outras contas do rosário dariam nova vida à aliança que a fez ter dono e senhor de todos os seus pensamentos. 
Teria carne na salgadeira. As dornas e o lagar encheram-se do puro néctar das vinhas. São Martinho interpôs-se entre “As vinhas da ira”. Estas iriam ser mais suaves, acomodadas por entre os lençóis de linho ainda virgens, guardados na arca de madeira.

Era noite cerrada. Foi ver a Cabana e por ali ficou. Mais tarde Rute juntou-se-lhe. Sara, atenta, vigiava a fêmea prenha prestes a parir. Estendida no chão soltava gemidos lancinantes de dor. Lufadas de ar quente saiam da sua boca e aqueciam o espaço. A custo e a cambalear, levantou-se. Elevara-se o propósito de se fazer luz no momento de parir(...)Continua  em 

Lugares e Palavras de Natal - Colectânea.

Dolores Marques

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

"Uivam os Lobos" por Maria Teresa




Boa Amiga
O Livro “Uivam os Lobos”

Para mim, o livro tem um tipo de poesia muito subjectivo, onde a Dolores anda sempre a tentar procurar o que a rodeia e as vivências. Desta vez, foi muito das suas raízes. Transcrevo-as de forma subtil, ou seja muito camufladas. Realmente aprecio mais prosa que poesia, tendo mais dificuldade na sua interpretação.
Mas, apoio-a, continue a escrever, a imaginação está lá e o livro tem o seu valor literário.

E assim me despeço com um beijo da  Maria Teresa

(E despediu-se desta forma no papel e na vida. Partiu na sua última viagem. Eternamente agradecida por todo o apoio Grande AMIGA)

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Quem é Aurora Simões de Matos (apresentação do livro "A Sobrevivente")

Aurora Duarte Simões de Matos nasceu no concelho de Castro Daire, numa bonita aldeia espraiada entre fartos milheirais e pinheiros bravios, numa das faldas do Montemuro. Ali, onde o rio se chama MÉDIO PAIVA, pois que a meio do seu percurso, entre a SERRA DA NAVE e a ILHA DOS AMORES, onde se junta ao misterioso Douro. 
Rio Paiva que Aurora trata no feminino, como se de ribeira se tratasse, como se de amiga lhe saboreasse a intimidade.

Sim, chamam a Aurora "CANTORA DA BEIRA-PAIVA".... " POETISA DA PAIVA"...." ROSA DO MONTEMURO"... carinhosos mimos que ela aceita, nomes  em que se revê, na missão que assumiu de cantar a sua terra e a sua gente.

Na nossa região, todos a conhecem, se não em pessoa... certamente de nome. É que, através de uma escrita escorreita e límpida, ela a todos chega, a todos compreende, faz parte da vida de cada um, pois que de cada um parece saber a história. Saber a história de cada um, contá-la ao mundo... a quem a quiser ouvir, melhor dizendo, a quem a quiser ler e entender. 

E assim, poema a poema, crónica a crónica, conto a conto, livro a livro, Aurora vai conquistando adeptos, admiradores, leitores fieis em todos os continentes. Por isso, cada seu livro publicado, rapidamente esgota edições, merece a atenção da imprensa, enche de orgulho tanto as gentes simples e laboriosas de uma ruralidade agreste, como as vozes mais intelectuais e cultas da beira-Paiva e Montemuro, a vasta região que visceralmente a apaixona.

Aurora Simões de Matos escreve e publica desde menina-criança, pela mão de alguns dos seus professores. Desde jovem adulta até ao momento actual, foi colaboradora de cerca de duas dezenas de publicações regionais da imprensa escrita. O que lhe granjeou um vasto número de leitores fidelizados, como já referi,  onde naturalmente se contam muitos apoiantes das comunidades portuguesas no estrangeiro.

Escreveu seis livros a título individual, mais nove em co-autoria. Em prosa ou poesia, está representada em diversas antologias. 
Tem uma crónica traduzida em várias línguas, que faz parte de um livro distribuído por vários museus do mundo.
Autora e apresentadora do programa " QUANDO O VERSO SE DESFOLHA" da Rádio Clube de Lamego.
Fundou, dinamiza e coordena a TERTÚLIA ARTES E LETRAS NO HOTEL LAMEGO, espaço mensal que vai no terceiro ano de existência, sendo uma importante referência cultural na região do Douro.
É autora da letra do Hino Oficial de Castro Daire.
Prefaciou e apresentou várias Obras de Autores diversos.
É Membro Académico Honorário da Academia de Letras e Artes Lusófonas. 
Possui vários galardões, medalhas e diplomas de algumas instituições portuguesas e brasileiras ligadas à Cultura.

Aurora Simões de Matos é Professora do Ensino Especial, aposentada do Ministério da Solidariedade e Segurança Social.

Tem três filhas, cinco netos e um bisneto.

Faz parte do espólio dos orgulhos castrenses e é uma honra trazê-la hoje aqui e falar-vos da nossa querida escritora, não só pela sua obra imensa de grande qualidade, como também pela pessoa que me deu a sua mão, permitiu que entrasse no seu mundo….quase como pegar num bebe ao colo, alimentá-lo e ensiná-lo a andar. Uma bela pessoa, uma Grande Mulher que pisa e pisou o mesmo chão que eu, respira o ar da serra, sente estas coisas da força da terra e das gentes das aldeias do Montemuro. 
Uma mulher que revela muita sensibilidade através do que escreve, mas não só, ela fá-lo a viva voz sem medos e com grande sentido crítico, muitas vezes. 
Um vídeo que não me canso de ouvir, quando ela diz na apresentação de “Contos de Xisto:

“….e tanta a gente a escrever sobre a Sé de Viseu….e quem haveria de escrever sobre a Capelinha de São Bartolomeu, escondida entre os verdes milheirais da minha terra, onde no dia do Stº Padroeiro, eu vos garanto, a capelinha de São Bartolomeu, é uma catedral maior que o mundo, onde cabem todos os sentimentos.

E tanta a gente a escrever sobre a grande rotina diária das famílias da actualidade em que o pai vai levar o seu filho de automóvel ao colégio. A mãe vai levar a sua menina à creche, e à noite os avós vão buscar os meninos todos….e sempre de carro. Trabalho meu deus, para psicólogos, sociólogos e um ror de ólogos. 

Só que na minha terra, não há ólogo nenhum a falar sobre aquela mãe que transportando o seu bebe à cabeça dentro duma canastra, a deposita uma manhã ou uma tarde inteira debaixo da oliveira maior ou à sombra da tanchoada”

Escreveu ela em contos de Xisto, estas e outras verdades escondidas por entre os penedos, amordaçadas num profundo silêncio, um labirinto, onde só quem conhece os vários caminhos, sabe como neles se movimentar e encontrar uma saída. Neles ficará um registo da grande Mulher que abraçou as suas gentes e as fez renascer em cada página que escreveu. Os seus livros serão um templo reunindo todos os sentimentos. Com as suas gentes se entregará aos desígnios de Deus e encontrará no Universo um novo caminho. 

Mas, este sentido crítico é revelador da mulher coragem, porque ela dá voz, à voz nascida no ventre da terra, e também fecundada no ventre materno.  Mas esta Mulher coragem, Aurora Simões de Matos, ousou ir em frente e com a edição dos seus livros, leva longe outras
vidas, outros sentires, enfim outras mulheres. A exemplo disto temos este seu último livro “A Sobrevivente”

Porém, não posso deixar de referir que também ali está a minha avó, minha tia que ainda vive com 95 anos e tantas outras mulheres que foram a força da terra a germinar vida por entre as paredes de xisto.A semearem e cavarem a terra, a regarem os milhos, a cortarem mato no monte, a ajudarem os animais a parir, a cozerem o pão…etc. Sem nunca esquecerem a sua condição de mulheres no mundo, reflectido num olhar serrano dotado do conhecimento de vida na terra.

Invertendo a ordem das coisas, deixemos a Mulher escritora respirar a nova ordem de um mundo intensamente vivido no encontro com o outro. Caminhos de terra e de água, caminhos de vento e de fogo – a força intrínseca que lhe é natural, tal como são todas as paisagens das serranias. O mundo que abraçou retornará em silêncio num tempo que não será tempo, mas sim uma nova ordem de todas as coisas.


 Da sua nova varanda, voltada para as encostas, sossegar-se-á o corpo e os olhos no leito terno do rio, enquanto a sua alma, viajante, é um composto de várias fragrâncias a ocupar o espaço de um buraco negro no Universo. O Xisto, o seu longínquo caminho, abrirá caminhos novos a todos os que quiserem sentir a metamorfose laminar em ebulição constante. Pedra sobre pedra, lasca sobre lasca, ou simplesmente a imensa catedral em construção, o templo maior, edificado por palavras, que irão para todo o sempre ser a voz da terra, e terra com terra, respirarão a nova ordem das coisas Universais. 

Foi uma abordagem minha sobre a forma como a sinto, e muito mais haveria para se falar da escritora castrense, que aqui veio abraçar Lisboa com a “Sobrevivente”.

Aproveito para agradecer à Escritora Aurora Simões de Matos por este aconchego, feito de pedaços de terra, de alma da terra. E por falar em “alma da terra”, aproveito para citar uns versos do poema - “Lembra-me um sonho lindo” de um grande poeta e compositor Português  – Fausto.


“Lembra-me um sonho lindo, quase acabado
Lembra-me um céu aberto, outro fechado
Estala-me a veia em sangue, estrangulada
Estoira no peito um grito, à desfilada

Ai! Como eu te quero! Ai! De madrugada!
Ai! Alma da terra! Ai! Linda, assim deitada!
Ai! Como eu te amo! Ai! Tão sossegada!
Ai! Beijo-te o corpo! Ai! Seara tão desejada!”

Maria Dolores Marques C/Aurora S. de Matos em – 15/11/2014 na Apresentação do Livro "A Sobrevivente"


quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Caíam as folhas

Caíam as folhas 
das árvores. Instantes depois 
ouvia-se com maior nitidez 
o balançar dos ponteiros 
do relógio da Sé

Este frenesim da cidade 
desenterrava as horas 
mortas em todos os silêncios
espraiados nos círculos
sobrepostos em volta dela

Dolores Marques
Foto: DM na Sé

terça-feira, 9 de setembro de 2014

Verdes são as folhas

(Foto DM em Moção)

Estavam nuas faz pouco tempo, esqueléticas na sua forma em ramos esguios. Olho-as de baixo para que vejam através da sua altivez, a minha pequenez. O chão, esse está sempre de colo aberto à mínima escoriação do tempo. Sofre de tantas penas esta sôfrega manhã de Primavera, e eu caminho assim, meio desatinada pela beira da estrada. Há um céu que me indica as horas, mas de nada vale saber se há horas certas nesta cálida manhã. 

Encontro-me assim entre a nudez da alma, e a coloração de um verde-esmeralda, que em determinada parte do meu corpo se prepara para esculpir os sonhos, enaltecendo os olhares que amortecem as correntes do rio. Esta espera traz sempre novos ventos e outras investidas no cais, aparentando nobreza e fortalecendo as tábuas do passadiço. Abandono-me ao tempo em que não me cansava de contar as estrelas lá na minha aldeia:

- Há o “nascer do Sete-Estrelo”, que quando se avista por detrás do monte, será hora de encaminhar as águas;
- Há o “por da Estrela” que é a hora exacta na madrugada em que ela se vai, orientando o seguimento de outras águas, que descem da serra;
- Há a contagem das horas, através dos raios solares, que ao embater no morro escarpado pelo tempo, é também hora de acrescentar mais umas horas às águas que passam;
- Há o "meio-dia do sol", quando este atinge um ponto no firmamento, que é uma e meia da tarde - formas de contagem do tempo pelos antigos, para se calcularem os movimentos que aquele pedaço de terra dava à volta do sol.

Viver entre quatro paredes é o mesmo que viver enclausurada numa cidade que sustenta a solidez do mundo acompanhado das chuvas ácidas. O horizonte é vasto e eu por aqui, de solstício em solstício, sem saber por onde encaminhar os meus passos. 

Dava-lhe tudo de mim se mo pedisse, se não me rejeitasse, se não me encandeasse com esse seu brilho meio atordoado de uma vida gasta por sujeições do destino. De que adianta esmiuçar a minha dor, a minha permanência, se só será eu, quando souber ser ele? Pode até me virar do avesso, mas só encontrará o refugo daquilo que fui, porque a cada momento me renovo com o nascimento de novas flores, para vestir as palavras que escrevo. Sabem que são alimento do meu corpo e trajes da minha alma?  

Queria tanto voltar a ser poeira das estrelas em direcção ao sol. 

Apesar das diferenças de todos os momentos casados por excelência com a obliquidade de uma esfera gasta, que me volteia a consciência, entro sempre pela porta da frente. Este  términos de uma vida, onde operam em grande escala, todos os sentidos, a conjugação necessária que fará surgir o Verbo iniciático de um Deus Maior. 

Sobrevivo sempre a novos temas, mas este corpo avesso a tudo o que o tempo traz, deu um volte-face desagregando as noites e purificando os dias, do mais puro néctar que a vida tem para lhe dar. Caminhamos assim contrariamente à emancipação da única verdade que nos faz ser, seres invulgares e diferenciados na terra que nos revolverá às cinzas, e de lá, nos fará renascer únicos na forma. Só assim poderemos encetar novos voos por entre os dedos das nossas mãos, porque são eles, um reflexo laminar do tempo que nos resta. 

Verdes são as folhas e nelas me deito até à próxima investida do Outono.

Dolores Marques 2010  (Ônix in "A Voz do Silêncio")