terça-feira, 30 de agosto de 2016

Holocausto

Imagino o mar como um potencial destino dos deuses
Imagino sim, um mar prostrado a seus pés
Imagino como será essa força dominadora
Imagino-me somente onda sem ter onde rebentar

Respiro ainda, sim!
Aspiro um ar denso, poluído que se entranha
nas entranhas todas do meu corpo

Sou onda sem ter o que abraçar
Sou maré sem ter onde se entregar
Sou simplesmente um movimento aberto a todos
os que descem do farol mais antigo

Sim, a torre mestra que suporta um céu maior
Sim esse céu que foi terra e mar 
Sim, esse céu que foi sol e lua
Sim, esse céu que foi o holocausto da humanidade
e a fez calar

Respiro ainda, sim!
Aspiro um ar salgado
furibundo por não saber onde se afundar

A extrema-unção dos vagabundos
que me namora nos dias santos
e me desflora nas noites errantes

Caminho só agora
e sou mar
e onda
e sol
e lua
e terra
sem poiso certo
suspensa 
na atmosfera densa

A extrema-unção dos vagabundos
é chama acesa que incendeia os corpos lá fora

Lá, onde não há chão para descansar
Lá onde a vida cessa sem cessar
Lá onde os caminhos se cruzam e presumíveis bocas se fecham sem se beijar
Lá, há todo um corrimão de letras prontas para me afrontar
Lá, onde os monstros choram e as lágrimas correm para o mar

Dolores Marques "2012

Eu Soletro e Tu Escreves:


Seria um verso só no teu caminho
Se quisesses ser tu, um só poema
Mas pelos tempos que já passaram
Te digo
Que por enquanto
Sou só pintura abstracta
Matizada nas brumas desta cidade que dorme

Vejo as luzes que se fundem com a corrente do rio
E já nada é como era antes 
Sofria por pensar que se tinham afogado
Nas correntes, a despertarem 
Para a noite reflectida nos telhados vazios
E fumarentos das velhas casas

Sempre que lhes defino novos traços
Traço-lhe com cores baças
Os raios esguios
As pontas quebradas
As arestas já esbranquiçadas

Mas ela…
A minha cidade, dorme ainda
Nos meus braços de menina
Esqueceu-se de crescer
E sonha que tu serás
A outra margem estilizada

Mas se quiseres ainda ser poema
Eu soletro e tu escreves:
(A) de além-mar
(M) de maré
(O) de olvidar
(-) outro traço a tracejar o mar?, Dizes tu
(T) de tudo
(E) de esperança

E se ainda me quiseres amar, escreve:
Quero-te nas marés crescentes
De Além-mar
E não esqueças que para olvidar
Os meus sonhos
Serão precisos vários traços
E acerca de tudo o que viste e ouviste
Esquece
É Agora o momento!

DM 

quarta-feira, 24 de agosto de 2016

Poema de Amor




Escrever um poema de amor
É ter nas pontas dos dedos a fidalguia 
De todas as flores a desabrochar
Sem mesmo atender 
Ao chamado dos sons primaveris

É verão
Mas  não sinto nas mãos
A chama que me leva a escrever
Um só poema
Uma só palavra 
Que te diga como se ama
Sem saber escrever um poema de amor

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Caminho entre as pontes

O final de um dia a entrar pela noite dentro.
O trajecto de um sol tímido, face à palidez do rio, sossegado
Um espaço em branco, na continuidade do tempo
A soma dos passos, no impasse da longitude do espaço
E depois a neblina…somente esse manto a determinar o caminho entre as pontes


ÔNIX/DM

Sorrisos

Nunca vi alguém com esta capacidade de se multiplicar e continuar com a mesma serenidade,como se não houvesse lugar a qualquer tipo de esforço.
O rosto expressando a delicadeza de um verso que por vezes também é o inverso quando percorre todos os pontos que o definem.
........................
Falta-me saber tanta coisa sobre alguns sorrisos que chegam sem serem chamados.
ÔNIX

quinta-feira, 11 de agosto de 2016

O Além





Nem sempre se mede a distância, contando os passos até à porta fechada
O além não é perto nem longe. É somente o tempo de partida e de chegada com a porta sempre aberta.

ÔNIX

quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Imagem

Há um pensar alheio 
ao curso dos rios...
e eu serei tudo o que quiser
quando não puder ser em mim

Ainda que a força do vento
me leve
tudo será volvido ao lugar de sempre
sem chegadas e sem partidas

Há ainda um sonho
onde sempre fomos...um e outro
sem receio de nos perdermos
na foz

Ainda que na noite
se afunde a última estrela 
tudo se concluirá na imagem 
ali reflectida

ÔNIX

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Forte e ruidoso vento do Norte

Até ao por da estrela
já o reflexo lunar se adiantava às correntes 
que miravam os semicírculos fechados dos olhos
Até à contagem das horas
já a noite fecundava todos os espaços em branco do rio
Até ao meio dia do sol
tudo era um sono ainda tardio... a copular com o vento que viria de cima....
Forte e ruidoso vento do Norte
DM

Espectro da dor




Quando finalmente 
decides bater à porta
esta limita-se ao ranger 
das tábuas

(Ecos ali gravados 
pelos nós dos teus dedos)

Verte-se desumana
a crueza diáfana
às vésperas 
de uma noite 
a relampejar memórias 
no bramido da tarde

A súbita linguagem
aflora imediatamente
sem a fuga
habitual do silêncio

Espectro da dor
no desleixo habitual
do pêndulo do relógio
ao canto da sala 

(Assumidos novos pontos 
ao nascer das horas

São terríficos os dias
quando o despertar se limita 
ao vislumbre das noites
em que sonâmbulos
não magicamos 
nas consequências 
da revolta ali instalada

(Espie-se o movimento dos olhos
antes que a luta seja feroz)

Dolores Marques

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Claridade

À transparência tudo se comove perante o inconstante movimento
A perenidade
A circunstância fugaz
A fuga para o reencontro ainda virgem
O fogo que o tempo não apaga
A força de quem parte sem motivo
A tempo dos frutos e do mel
O sol tardio sobre as águas
O sufoco da lua sobre os telhados de xisto
O primórdio onde não existe um recomeço sem um fim
O escultor nos arquétipos do tempo escoado nas suas mãos
O olhar claro das correntes no corpo
O doce escorrer de aromas a incensos nas flores secas junto aos pés
Tudo era a claridade nas pontas dos dedos a tocarem um pensamento desfocado
Sob pena de não chegar cedo, adiantou-se ao pôr-do-sol nos olhos

ÔNIX