segunda-feira, 29 de junho de 2015

Estreitando laços


É no silêncio que ouço o meu próprio canto
mas é aqui neste palmo de terra
onde repouso a minha voz
que te ouço
que te espero
que nos remedeio
estreitando laços
enlaçando-me nos nossos próprios laços

Mereço-me assim
nesta sujeição perfeita
sempre que me sujeito a ti
numa viagem interminável por caminhos outros
que nos trazem sempre a paz que merecemos

Silencio-me e vou indo na voz de um silêncio inquieto
mas acabado num quase início de noite
onde brilham os sonhos mais distantes

São eles um meio de nos reerguermos
e de nos dizermos das gentes que somos
das crenças que obtemos
neste patamar sombrio
onde as ilusões criam raízes
e soltam gargalhadas matinais
por sobre a terra onde nascem os sobreiros
e as oliveiras

Quero porque quero
a luz que lhe cobre os ramos

Os da Oliveiras…

Quero porque quero
os adornos dos ramos gigantes

Os dos sobreiros...

São terminais de uma floresta verde
onde me endireito e me conserto
quando faço da cortiça esteira para o meu leito
e dos olhos negros das oliveiras
a luz que me guiará…um dia

Há um mundo que desconheço lá fora
e esse será o meu sustento
quando daqui me for embora
mas, por enquanto deixem-me ficar
preciso ir-me num sono lento
e ficar
a sonhar que me fui num momento


Dolores Marques
Poema na antologia “Entre o Sono e o Sonho” da Chiado Editora /2013

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Deixou-se levar


Tudo por causa de um arrepio forte que a fez quedar-se na espera de um movimento contrário ao que a levara ali. Estava só e assim ficou até ao final do dia. De vez em quando, teimava em chapinhar nas bátegas de água que faziam remoinho junto aos seus pés.

O sol virara-se ao contrário. A lua surgia por detrás da linha do horizonte. O mar calmo mas irrequieto. O horizonte tão longe e ela tão perto de desenhar na areia da praia um novo caminho. Simplesmente refugiada na sua dor levava as mãos vazias mas enfiadas nos bolsos do casaco. De vez em quando, o cabelo ora tocado por uma brisa suave, repentinamente ocultava-lhe os olhos. Despreocupada com a falsa visão de um dia claro foi-se entranhando no lusco-fusco. Agora tudo era claro, mas não muito. Tudo também era escuro, mas pouco.

Um cenário onde a brutalidade criara raízes iluminava o palco onde deixara a sua marca.

Reconstitua as cenas burlescas tal como os lugares onde se limitou a ser pouco mais do que nada. Nas mãos tinha ainda os traços antigos, que se alimentavam de um crer na imagem que de vez em quando descia do alto e se sobrepunha à sua própria imagem de mulher comum. Era mulher terra, mulher, fogo, mulher água, mulher ar, e com os requisitos necessários que a predestinassem a ser um ser entre os seus iguais. Constantemente se via obrigada a canalizar o pensamento só para o mesmo sentido obrigatório. Abria e fechava as pernas, enquanto no seu corpo escorressem gotas de um suor frio, animalesco, grotesco, carnavalesco, até. Cansou-se daquilo no seu colo. Apartou as pernas e os braços daquele lugar ermo, onde se deitava sempre, quer fosse dia ou noite. Saiu de si, porque para si agora se movimentava, entregando-se devagar àquele estado novo de ser.

Agora, e com o mar como cenário em ondulações frenéticas, refugia-se na areia da praia. Desenha nela histórias com figuras homenageando outros tempos de menina, em que saía simplesmente à rua para brincar.

Com o propósito de andar só, e assim ficar a pensar, desviou-se do caminho. Agora, só as pegadas na areia davam conta de que por ali passara alguém, porque o resto, tudo era o passado a intensificar um futuro incerto. 

A mulher castigada pela maré alta que entretanto chegara, deixou-se levar.

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Já me faltam as palavras

Já me faltam as palavras, já me faltam. Sei-o quando penso em escrever-te e só uma letra fica suspensa nos meus lábios. Poderia até desenhar ali um sinal, como ponto de referência, para que todas as interrogações se equilibrassem, quando me despisse deste manto escuro que me cobre inteira. Nem sei como te descrever este puro manto de retalhos sobrepostos.

Sabias de um pensamento ancorado, quando da minha varanda avisto a tua? Sabias que é branco e leve, tão leve como um fio de puro linho?
Sabias que as nuvens descansam nas minhas mãos, para que se cumpram todas as vontades de deixar cair por terra todo este emaranhado de ilusões?

Já me faltam as palavras, mas, neste momento acabei de jurar por todos os santos que te farei um retrato da minha inadaptação num chão de pedra, tal ardósia ainda à espera que seja desflorada por todas as palavras suspensas na atmosfera.

Aguardo que mas devolvas. Todas elas - aquelas que te escrevi em tempos quando ainda havia nuvens de algodão nas minhas mãos e uma aliança dourada num dos dedos.
A marca que te fez um dia para sempre meu, e que deixei ficar, na esperança de que o sol a derretesse e pudesse selar todas as cartas que pensei escrever-te – isto se não me tivessem faltado as palavras.

Leia mais: http://www.luso-poemas.net/modules/news/article.php?storyid=247741 © Luso-Poemas

quarta-feira, 3 de junho de 2015

"Uivam os Lobos" Feira do Livro em lisboa



Sábado, dia 06 de Junho, na Feira do Livro em Lisboa
pelas 17h00, lá estarei com "Uivam os Lobos" de Dakini

terça-feira, 2 de junho de 2015

Olheiras

Esse tempo em que dormindo, sonhava. Sonhava mas não com os maus-olhados, que provêm de olhares trancados no seu próprio medo. O medo é o seu pesadelo mais virtual, e que a noite assume como seu e pronto.
São demasiadas olheiras. Olheiras demasiadas para uma noite só.
Agora que o dia começou, posso por fim expirar e soprar os sonhos que ficaram presos num olhar só. 

Sabem quando se afogam na noite verdades de um dia que ela se lembrou de virar ao contrário? Se há coisa que não admito são sonhos presos em lugar algum. Prefiro vê-los livres ao invés de se limitarem a obstruir canais de passagem.
Enfim, andei pela rua. Andei e sorri para ninguém, porque até os sorrisos são fruto de um comércio ao desbarato. Agora tudo se vende, porque tudo representa um valor na moeda actual.

Já não se trocam ovos, por um quilo açúcar. 
Era um tempo, um tempo em que as trocas representavam verdades de um povo para não cair na desgraça de um mau-olhado qualquer. Agora tudo quer pertencer à realeza que do alto comanda, manda e desmanda. 
Agora tudo é de retalho em retalho, um negócio. 
Por isso gosto do dia virado do avesso. Tem mais alma, mais liberdade poética e os sonhos são mais genuínos e menos traiçoeiros.

DM/Dakini in Café da Manhã

Dizem da poesia

Dizem que para atingir o clímax, a poesia precisa de uns quantos versos conceituados que a estimulem, ao invés de a caracterizarem alma em corpos estranhos.

Dizem de alguns poemas serem almas gémeas, e que as vozes são de uma minoria silenciosa.

Um dia aproximou-se de mim um verso desorganizado. Tinha-se submetido a um círculo fechado, mas escapuliu-se por entre uma figura geométrica que tinha desertado das mãos do seu criador. Agora só se passeia pelos jardins e até se deita nas folhas das árvores. Balança, balança, balança até que se ordene uma nova contradança. 
Que o mandador seja o vento para que possa finalmente libertar-se dos círculos fechados.


DM in Café da Manhã

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Marginais na marginal

Apesar da noite, a cidade ainda é o reflexo de uma ordem que certamente dignifica todos os citadinos nas suas deambulações nocturnas. As luzes baças dos candeeiros transmitem uma luminosidade crescente, a escorrer-se em breves reflexões pelas avenidas novas.

Confundem-se todos neste caminhar contra as várias ordens vigentes. 
Até os grafitis de agora são vistos como arte urbana e crescem a olhos vistos nas fachadas de alguns prédios a dar um toque mais in  à cidade.  Mas isto também só acontece nas zonas mesmo “IN”, porque aquelas onde o “IN” não existe, passa a existir qualquer coisa parecida com marginalização, colocando à margem alguns elementos contrários à ordem, designados por marginais, reforçando ainda o facto de terem uma cor de pele fora do branco, assim a atirar para o negro.

Não podem e não devem sair da sua zona, a mais Oriental entre Chelas Velho, Chelas Novo , Braço de Prata e Poço do Bispo. Os muros estão a cada dia que passa mais grossos e negros, diluindo assim a ideia de que o branco do “IN” é a cor da moda.


DM/Dakini in Café da Manhã