domingo, 13 de julho de 2014

Uma leitura a "Uivam os Lobos" por São Gonçalves

"Uivam os lobos" Dakini.

"Quando existem pessoas com a capacidade intrínseca de esmiuçar palavras,verso a verso, poema a poema, revolvem-se as páginas em branco, sente-se a respiração ofegante do livro e no imediato momento silencia-se".
Assim começa uma parte da dedicatória que me foi dedicada do Livro "Uivam os lobos " da poetisa Dakini

Devo começa por dizer que esmiuçar estas palavras e estes poemas,nunca foi tão fácil e tão difícil ao mesmo tempo.
Os poemas deste livro levaram-me ao centro das minhas emoções,das minhas memórias,das vivências de menina nascida e crida numa aldeia do litoral do pais.
Existe uma semelhança de caminho percorrido,de trabalhos realizados de cultos venerados.
Descobre-se através deste livro um sentimento de pertença a uma identidade ,uma identidade pessoal,uma identidade social ,cultural e religiosa.

Pela viagem que se faz através dos poemas ,a memória de um povo renasce naquilo que pode ter de mais rico,de mais humano,de mais verdadeiro.
Moção a Terra Mãe da autora ,serve de inspiração e de palco,onde as mais variadas tarefas rurais,os mais variados cultos,o sagrado e profano se desmistificam nas palavras e nos poemas.

O exemplo disto está logo nos primeiros poemas do livro.

"Traziam campainhas
a chocalhar nos montes
e nas mãos
línguas de fogo
douta inspiração
chegada cedo
de lugares primitivos

-miravam-se em rios de água benta
de um pranto amarelecido.

Será este poema uma alusão às curandeiras das aldeias,mulheres com uma sabedoria imensa,e temidas por tanto;,mulheres que misturavam o sagrado e o profano,curavam as feridas do corpo e da alma com as ervas colhidas nos montes e as orações veladas.? 

Há em todo o livro uma relação ao religioso,como se os elementos da natureza e o culto dos homens fossem a única redenção à solidão dos homens e das mulheres esquecidos no meio da serra,cuja força pode despertar sentimentos ora de posse ,ora de de abandono,ora de medo,ora de fascínio.

" A rua onde moro
é escura no pranto
ladainha surda
como um lobo da matilha
na voz clara do amianto

O beco onde te encontro
é mansão de luas novas
calafetadas nos beirais
onde um isolado lobo vive.

Uivo quente
mas eloquente
em transe por mais
sempre mais
calafrios"

A força da serra e o encanto do rio que a atravessa é uma constante neste livro.As serras servem muitas vezes de eco aos lamentos dos homens e dos animais,de refugio as inquietações e medos,e o rio, um local de paz e de redenção.Alquimia do ser ,os elementos da natureza,A Terra,a água e o ar,confluindo para uma vontade de metamorfose.

"Ouvir o som
de uma voz inquieta
quando nela descansa
um luar enfraquecido 
é saber que está além,
e não aquém,do saber
quando já tudo se viu 
nas correntes de um rio."

Dizia no inicio deste meu trabalho escrito,que este livro é um livro de pertença uma identidade ,seja ela social,cultural ou religiosa.
Sabe-se através da biografia que Dakini,deixou a terra natal ainda em criança,e que apesar disso a visita muitas vezes,e de onde sempre renova a sua inspiração.
Sabe-se também que a memória é um rio onde correm todas as metáforas,todas,as alegorias.
Este livro prova mais uma vez ,que a preservação das nossas raízes,da nossa identidade ,da nossa memória pode ser preservada pela poesia e pela viagem ao lugar mítico da nossa existência.

São Gonçalves

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Ana Coelho apresentou Dolores Marques em Uivam os Lobos


Dolores Marques
A viver em Lisboa desde os 10 anos mas nunca esquecendo as suas origens. Sempre teve a necessidade de fazer outras coisas que não as de sempre, num período da sua vida, aceitou o convite para integrar o grupo folclórico e etnográfico da Casa do Concelho de Castro Daire em Lisboa, onde permaneceu cerca de 3 anos. Mais tarde foi impulsionadora na criação de um grupo de música tradicional portuguesa, com alguns elementos do rancho e outros que entretanto conheceu, tendo-se mantido este grupo apenas um ano, mas com um trabalho representativo dos cantares tradicionais da sua região, entre outros.
A fotografia é também um foco de interesse, focando-se ora na paisagem granítica da Serra do Montemuro, ora nas correntes do Rio Paiva, que passa próximo da sua aldeia, ou então; captando expressões de rostos, que com a terra convivem e dela tiram o seu sustento. Na cidade, os becos, os grafitis, as quintas abandonadas, os palacetes antigos, o rio Tejo são o que mais atrai a sua objetiva. 
“Aldeias da minha cidade” o título que tem dado aos últimos álbuns de fotos publicadas; são exemplo de que existe um fio de ligação entre a cidade e o campo, que ainda se mantém. O que se pode observar também, em outros álbuns a que deu o título de “Fragmentos do tempo”.
O primeiro livro de poesia “Olhares” surge em 2008, revelando assim o início da sua escrita. Neste livro nota-se já, uma forte ligação à sua terra natal e a todo o ambiente onde cresceu e passou a sua infância - A Serra do Montemuro, assim como o Rio Paiva, são imagens recorrentes e aqui descritas de  forma simples e natural, tal como era a sua escrita acabada de nascer, havia poucos anos. 
Logo após regista-se no site da editora WAFF onde inicia a publicação regular dos seus poemas, seguindo-se o site Luso-poemas. Site este; onde nos conhecemos e a Dolores foi um elo importante na minha escrita e naquilo que hoje sou na escrita, foi ela a impulsionadora para a minha primeira participação num livro; com a antologia Tu cá Tu Lá em 2009. Esta antologia nasce de um blogue, que a Dolores criou com o objetivo de unir autores e divulgarem as suas escritas. Criamos uma ligação de amizade e ajuda mútua, onde me foi permito conhecer a mulher para lá da escrita. Uma mulher com a força das suas palavras na vida. 
“Subtilezas da Alma” foi o seu segundo livro de poesia editado em 2009  e  o seu primeiro em prosa “Às Escuras Encontro-te” aconteceu em 2010.

Comecei a ler Dolores Marques, após edição do seu primeiro livro “Olhares”. Um livro de poesia simples e fluida aberta a todos os leitores.  
Seguindo-se o livro “Subtilezas da Alma”, e alguns textos em prosa publicados nos sites que fazia parte,  realça o seu interesse por uma filosofia oriental, período em que se dedicou a estas, e que complementou com a primeira e segunda iniciação em Reyki. Fez o primeiro nível de Sistema de Corpo Espelho, e inicia a prática de Taichi/Chikung
Os temas que apresenta na sua escrita vão-se alterando com o passar do tempo, querendo dar ao leitor e a si mesma a autora e não a mulher, Dolores Marques inicia uma separação da sua escrita: 
Dolores Marques desaparece dando voz ao perfil  “Ônix” - Matilde D’ônix.
Pouco tempo depois surge Dakini. A necessidade de revelação de um Eu mais realista; mais terra, mais ar, mais fogo, mais água. Um todo, tendo como ponto-limite, um ponto no espaço infinito. Um céu maior. Os fluxos migratórios das gentes da terra provocaram o seu encontro com a cidade onde vive há cerca de 50 anos. Mas mais uma vez, volta às origens e  nota-se em Uivam os Lobos e outros textos que a sua inspiração vem de lá das terras altas. 
Mais tarde, surge com outro perfil “Epifania”. Aqui manifesta-se um Eu oculto, que se revela em vários momentos da sua escrita. As publicações são na sua grande maioria em prosa, e os temas muito diversificados, ora terra, ora ar, ora fogo, ora água. Após questionar a autora sobre este perfil, que se manifestava de forma irregular na sua escrita, sendo que algumas pessoas inicialmente não entendiam muito bem se eram duas ou se só uma naquele perfil. Pessoalmente gostei muito deste pseudónimo e das duas vozes que “falavam” ao leitor. 
Confidenciou-me que levou algum tempo a entender quem dialogava com ela e a levava a escrever aqueles diálogos e que só poderia ser Dakini. Podemos aceitar que nos diálogos de Epifânia, a Dakini aparece e desaparece como por encanto? É que pelo que percebi, Epifania tem estado muito silenciosa. Será que ficou zangada, por este livro ser da Dakini e não dela própria?
Resumindo e pelo que já conversei com a autora, sobre estes pseudónimos, eles não foram pensados nem idealizados, foram surgindo consoante as variações da sua escrita e que segundo ela, serviram para separar a escrita, nos sites tal como a tinha já separada e com os devidos nomes. Dando a quem a lê a multiplicidade criativa de uma mulher \autora construtiva e diversificada. 
O seu maior orgulho de agora; os seus 3 netos, Guilherme, Afonso e Tomás

Tobias Rocha também fotografou